sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

A Anunciação em S. Lucas - II

Recordemos duas frases já referidas:
O Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai David. Ele reinará na casa de Jacob pelos séculos e seu reino não terá fim.
É curioso notar como entra aqui o nome de David. Segundo as profecias, o Messias devia ser da descendência deste rei. Seria Maria descendente de David, que vivera mil anos antes – um espaço de tempo maior do que aquele que nos separa de Afonso Henriques? Se ela não é, como afirmar que Jesus é dessa descendência, se ele é filho de Maria e do Espírito Santo.
Entra aqui José. No mundo judaico, a paternidade biológica não era importante. Por isso José será o pai de Jesus. O pai efectivo. Vai ser assim naquele episódio da ida de Jesus ao Templo, aos onze anos. “Teu pai e eu andávamos à tua procura”, dirá Maria. É por José que Jesus é filho de David… E como David reinou sobre a Casa de Jacob, sobre o povo hebraico, também Jesus reinará, por direito familiar ou dinástico.
Um dos grandes heróis da vida de S. Lucas – pois não esqueçamos que estamos a lidar com o Evangelho de Lucas – foi S. Paulo. Ao ouvirmos as palavras do anjo que definem o estatuto de Jesus, lembrámo-nos facilmente dalguns textos das cartas do Apóstolo dos Pagãos, em que ele atribui títulos a Jesus que não vêm da tradição hebraica, como Ele é a imagem de Deus invisível, o Primogénito de toda a criatura.
S. João chama-Lhe a Palavra (do Pai) e o Cordeiro de Deus; o Apocalipse declara-O o Alfa e o Ómega.
Mas voltemos então ao texto de S. Lucas:
Maria perguntou ao anjo:
- Como acontecerá isso, pois não conheço homem?
Em resposta o anjo disse-lhe:
- O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; é por isso que o menino santo que vai nascer será chamado Filho de Deus.
Serenamente, agora Maria pede uma explicação, razoável. E ela vem esclarecedora e avançando o anúncio.
Quando o anjo diz que “o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra”, lembra um pouco o que se lê num dos versículos iniciais da Bíblia: “O Espírito de Deus pairava sobre as águas”. O Espírito criador de Deus.
Há aqui como que um recomeço da obra criadora, de uns novos Céus e uma nova Terra.
S. Lucas, a concluir a narrativa da Anunciação, faz-nos ouvir estas palavras de Maria:
- Eis aqui a serva do Senhor. Aconteça comigo segundo tua palavra!
E conclui:
E o anjo afastou-se dela.
As palavras de Maria ao assumir-se como “serva do Senhor” causarão estranheza a algumas pessoas. Serva é escrava. Mas se nos lembrarmos do salmo que diz que o amor de Deus é eterno e que “é eterna a sua misericórdia”, começamos a ver que aquelas palavras têm um significado que não é o que lhe atribuiríamos à primeira. Ser serva do Senhor é entregar-se-lhe em total confiança, “porque Ele é bom!” Depois, Ele que faça o que for melhor.
O episódio de facto tem alguma continuação no mesmo evangelho de S. Lucas, mais à frente.
Quando Isabel saúda Maria, declarando-A a mais bendita das mulheres e bendito o fruto do seu ventre, Maria irrompe num cântico de gratidão e de alegria que se continha já naquela frase em que se assumia como “serva do Senhor”:
A minha alma engrandece o Senhor e o meu espírito rejubila em Deus, meu Salvador, porque olhou para a humildade de sua serva.
Eis que de agora em diante me chamarão feliz todas as gerações, porque o Poderoso fez por mim grandes coisas: o seu nome é santo.
Isto é belíssimo. Uma espada trespassar-Lhe-á o coração, mas Ela confiará sempre, esperará sempre. O seu Senhor nunca Lhe falhará, e todas as gerações têm obrigação de A reconhecer como bem-aventurada.
E depois de manifestar a sua gratidão, Maria tece o louvor do Deus de Israel, que é o Deus que se revela a todos os povos:
A sua misericórdia passa de geração em geração para os que o temem.
Mostrou o poder de seu braço e dispersou os que se orgulham de seus planos.
Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes.
Encheu de bens os famintos e aos ricos despediu-os de mãos vazias.
Acolheu Israel, seu servo, lembrando-se da sua misericórdia, conforme o que prometera a nossos pais, em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre.
Mais que um manual de bons costumes, a Bíblia é afinal um manual dos mais excelentes costumes.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A Anunciação no Evangelho de S. Lucas I

Como estamos caminho do Natal, vou apresentar hoje uma muito breve introdução à leitura dos Evangelhos. E faço-o com vista a falar, na próxima vez, dum texto do Evangelho de S. Lucas.
Há uma carta de Cícero, escrita em 60 a.C., que começa assim: primum, ut opinor, euangelia. Podíamos pô-la em português assim: em primeiro lugar, segundo penso, os evangelhos. Mas os evangelhos aqui são as boas notícias. É porém esta a palavra que 100 anos mais tarde vai dar nome às narrativas da vida de Jesus Cristo, principalmente da sua vida pública, morte e ressurreição.
A primeira boa notícia do cristianismo era esta: Ele ressuscitou. Claro que a seguir vinha a pergunta: Quem é Ele?
A resposta obrigava a recuar, obrigava a contar: que fez Ele, como morreu? Mas também justifica que dois dos evangelhos canónicos não digam nada sobre a infância de Jesus: os apóstolos não a acompanharam. A questão da infância é posterior. Um evangelho parece assim que devia começar do fim para o princípio: ressurreição, vida pública, infância.
Quando foram escritos os evangelhos? Porquê? Para quem? Os evangelistas ter-se-ão isolado cada um na sua casa ou no seu escritório e redigido aí as suas narrativas?
Os evangelhos surgiram como resposta a necessidades práticas das primeiras comunidades cristãs. E surgiram quando as primeiras e mais creditadas testemunhas começavam a desaparecer. Antes, ouviam-se e repetiam-se, agora era preciso registar por escrito.
Quem foi o primeiro?
Parece que se pode dizer que o primeiro foram dois, S. Mateus e S. Marcos.
S. Mateus, que foi apóstolo, ter-se-á antecipado a reunir uma colecção de palavras de Jesus. Uma grande ideia! Ficavam registadas por escrito e registadas por uma testemunha credível. Mas isso ainda não era um evangelho como o entendemos, não era uma narrativa. Mas era um bom começo.
O primeiro a organizar uma narrativa estruturada, que contava a vida pública de Jesus, desde o seu ensino na Galileia, no Norte, até à sua morte e ressurreição, a Sul, em Jerusalém, foi um discípulo de S. Paulo e de S. Pedro, S. Marcos. Este é que é o primeiro evangelho em sentido próprio. Posteriormente, a obra de S. Mateus foi adaptada a evangelho, certamente por alguém abalizado.
Já temos assim dois evangelhos. O terceiro é o de S. Lucas, o meu preferido. S. Lucas, como S. Marcos, também não foi apóstolo; como S. Marcos foi discípulo de S. Paulo. A sua narrativa tem algumas características muito próprias. Uma delas é que não escreveu só um livro, mas dois: o evangelho e os Actos dos Apóstolos. E afirma explicitamente que se documentou com o maior cuidado. Além de responder à pergunta Quem é o Ressuscitado?, mostra também a Igreja em expansão, aquela Igreja que Jesus fundou. Como o Evangelho de S. Mateus na forma definitiva, também o de S. Lucas contém uma narrativa da infância.
S. Lucas, que era particularmente culto, abre o evangelho com um prefácio breve. É aí que escreve:
Muitos já tentaram compor a história do que aconteceu entre nós, assim como nos transmitiram os que, desde o princípio, foram testemunhas oculares e ministros da palavra.
Depois de acurada investigação de tudo desde o início, também a mim pareceu conveniente escrevê-la (…).

Muitos, não só portanto os evangelistas que conhecemos. Também de notar a menção das testemunhas oculares.
As primeiras comunidades cristãs floresceram nas margens do Mediterrâneo: Palestina, Síria, Ásia Menor (actual Turquia), Alexandria (Egipto), no mundo mais propriamente grego, em Roma, etc. As narrativas evangélicas de Mateus, Marcos e Lucas certamente foram em breve repetidamente copiadas.
O Evangelho de S. João esse só surge bastante mais tarde, no final do primeiro século ou princípio do segundo.
É curioso que nenhum destes evangelhos se revela inútil: o seguinte vai sempre um pouco mais além que o anterior. Por isso, as preferências de muita gente vão para o último, o de S. João. E realmente há lá páginas extraordinárias.

A propósito da Corrida de Cavalos n'"Os Maias"

Os Maias têm um subtítulo que diz “Cenas da Vida Romântica”. De facto, apesar de o romance ser já pós-realista, a sociedade portuguesa era ainda romântica e havia de continuar a sê-lo. O Romantismo ajustou-se bem ao sentir popular, pois valorizava-o com as suas tradições, com os seus monumentos, com a sua língua, não hostilizava a religião, etc. Por isso a atitude romântica perdurou muito para lá dos limites que habitualmente se estabelecem a este período artístico. Daí também o subtítulo do romance.
Os Maias de Eça não são uma história de gente vitoriosa; pelo contrário, são uma história de gente que vai pouco à luta e se deixa vencer. Já para perto do seu final, Ega diz para Carlos, o protagonista: “Falhámos, menino, falhámos”.
Ninguém escreve uma história tão longa de derrota se não se sentir também derrotado: Eça havia de integrar em breve o grupo dos Vencidos da Vida. E não se esqueça que no grupo estava Oliveira Martins, que consumaria o suicídio depois de uma anterior tentativa falhada, e que Antero se suicidaria pela mesma altura, e até Camilo.
Sendo assim, não há que admirar que globalmente a obra seja de orientação negativa, pessimista. E é.
E por isso não vejo que seja obra especialmente aconselhável para a juventude. E não será aconselhável também pelo seu tamanho e dificuldade.
Vou-me fixar agora num seu episódio que em certo sentido é esclarecedor do derrotismo que o perpassa, o da corrida de cavalos.
Eça conta uma corrida de cavalos que decorre em Lisboa, para os lados de Belém, que na altura era um lugar muito despovoado. Foi aí, nas proximidades do Tejo, longe da cidade, que os organizadores, o Jockey Club, encontraram o mais aceitável espaço para improvisarem o seu hipódromo.
Está-se por 1876 e Portugal estaria a dar os primeiros passos no desporto entendido em sentido moderno, chamemos-lhe o desporto de massas. Um clube desportivo como o Sport Lisboa e Benfica vem de umas décadas mais tarde.
Talvez Eça pretendesse evocar a primeira corrida de cavalos feita em Portugal em moldes desportivos europeus. De facto, ela é sempre avaliada por comparação com o que se faz lá fora. E da comparação sai-se muito mal. Lá fora neste caso é a França e a Inglaterra, onde as pessoas eram muito mais ricas, tinham roupas adequadas para um evento destes, os prémios deviam ser mais atraentes, os cavalos de muito mais qualidade, os hipódromos bem preparados para o efeito. Havia uma tradição de corridas. Por cá as pessoas vão às corridas com roupas de missa ou desadequadas por outras razões, o hipódromo é pelintra, as bancadas são pelintras, os cavalos são fracos, chega a haver uma corrida de um só animal. Um fracasso.
Mas seria possível fazer melhor à primeira, numa Lisboa de poucas posses?
Eça não tinha necessidade de expor esta miséria nacional nas páginas do romance; fê-lo porque quis veicular através dele a sua perspectiva derrotista sobre o nosso atraso.
Mas há pior: fica-se com a sensação de que o país era incapaz de organizar um evento do género. Ou, alargando a perspectiva, de que era incapaz para o desporto. Isto não é gratuito, pois o que está em causa é justamente o desporto moderno, de massas.
Ora isto é falso: nós tivemos recentemente o Figo, temos o Ronaldo e o Mourinho, figuras de topo do desporto em qualquer lado. E já tivemos a Rosa Mota e o Eusébio, o Joaquim Agostinho e o Carlos Lopes. E somos bem capazes de organizar uma boa corrida de cavalos.
Quando chegamos à conclusão de que o autor falhou, passamos a distanciar-nos dele, a pôr-nos numa atitude de não-aceitação passiva, o que é muito desejável. Foi esta a atitude predominante do próprio Eça, que tantas coisas pôs em causa.
Alguns ouvintes poderão estar a pensar que estou a tratar um pouco mal o romancista poveiro. Mas não, basta lembrar A Cidade e as Serras, onde ele toma uma atitude oposta à d’Os Maias, de valorização do que é nacional.
E não foi só em relação a este episódio que Eça falhou muito. Que dizer, por exemplo, do modo como a figura feminina é tratada no romance ou do modo como aborda o tema da educação?

No 95º aniversário da Prof.ª Eugénia Signorile

Entre os estudiosos da Beata Alexandrina, a Prof.ª Eugénia Signorile é hoje o autor mais antigo e o mais produtivo. E completa, no próxima quarta-feira, 95 anos.
Lembrando-a, lembro também todos os que escreveram sobre mesmo tema, e que são já muitos: é uma corrente de escrita em que se fala sempre duma poveira. O P.e Mariano Pinho foi o primeiro, depois o P.e Humberto Pasquale, depois vários outros, quase sempre estrangeiros.
Curiosamente, quem procurasse as obras de Eugénia Signorile não encontrava quase nada: ela, agora, e, antes, em colaboração com o marido, atribuíram sempre a autoria dos livros à Beata Alexandrina. O P.e Humberto Pasquale também já tinha começado a fazer assim.
A Prof.ª Eugénia define-se como uma mineira que procura pedras preciosas nos escritos da nossa Beata e compõe com elas livros sucessivos. Já se vê aqui a razão de não assumir a autoria deles.
Antes de falar desses livros, convém recordar que ela e o marido, o Prof. Chiaffredo Signorile, ensinaram em Milão, no Liceu Beccaria: eram professores de Matemática e Física. Quem diria que se iam tornar autores de livros de mística?
Foi em 1964 que o P.e Humberto que os levou a dedicarem-se à Beata poveira. Veja-se como a Prof.ª Eugénia evoca o facto:
Em 1964 acontece uma viragem nos interesses espirituais e intelectuais do casal. Em Agosto vão a Balasar, depois de lerem no Boletim Salesiano o Caso de Alexandrina. Encontra-se ali o Pe. Humberto Pasquale, mergulhado no trabalho de preparação do Processo Informativo Diocesano. Tem um encontro encantador com Chiaffredo, e pede-lhe ajuda. Vendo-o entusiasta, encarrega-o de difundir na Itália o conhecimento daquela grande Serva de Deus.
Ardendo na mesma chama de amor, os dois cônjuges dedicam-se de alma e corpo a esta empresa, principiando logo a estudar a língua portuguesa, por sorte neo-latina!
Visto o zelo, o P.e Pasquale convida-os a traduzir os cinco grossos volumes dos “Sentimentos da Alma”. Assim começa a sua obra de difusão. Todas as suas energias são lançadas àquela fornalha que os inflama sempre mais: sentem que aquela é a missão que Jesus lhes confiou.

Os cinco grossos volumes dos “Sentimentos da Alma” são umas 3.000 páginas A4, a passar!
As obras preparadas por este casal, primeiro, e actualmente só pela Prof.ª Eugénia são 14, já publicadas, e espera-se para breve a saída da 15ª. Vou agora dizer umas poucas palavras sobre algumas em particular.
O livro Figlia del Dolore Madre di Amore (Filha da Dor Mãe do Amor), saído em 1993, é muito grande: 768 páginas. A Prof.ª Eugénia prepara actualmente a sua segunda edição. De algum modo esta obra veio suceder ao Cristo Gesù in Alexandrina, do P.e Humberto, esgotado, que ainda era um pouco maior. Só o facto de a editora aceitar a reedição prova já o seu valor.
Uma outra obra marcante foi Solo per Amore! (Só por Amor!), saída em 2006. Nós, os colaboradores do Sítio Oficial da Beata Alexandrina, traduzimo-lo primeiro para português e depois para inglês e francês. Recordo-me que na altura gente conhecedora que o leu classificou-o como um futuro clássico da mística. Deve estar também traduzido para tailandês.
Um outro livro que traduzimos foi Alexandrina, Voglio Imparare da Te (Alexandrina, Quero Aprender contigo), saído em 2004; está traduzido para português, para espanhol, inglês, francês e ainda, ao menos em parte, para esloveno e alemão. Está anunciada a sua tradução para letão.
Um livro que a mim particularmente me encanta é Anima Pura Cuore di Fuoco (Alma pura Coração de Fogo): é pequenino e constituído por pequenas frases ilustradas por belíssimas aguarelas. Foi traduzido para português e inglês e posto em Power-Point. Recentemente, nos EUA, puseram-no em linha.
Há outros livros que mereciam referência, mas vamos ficar por aqui, desejando que a Prof.ª Eugénia ainda continue muito tempo connosco.
Como ela não aceita nenhuma homenagem, pediu-se a várias pessoas que lhe escrevessem, individualmente. É um modo de lhe trocar as voltas. Esperemos que não tome a mal…

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Póvoa de Varzim e arredores na Idade Média III

Como da vez passada falei da presença do Rei e de nobres aqui nas redondezas, na Idade Média, hoje vou tecer algumas considerações relativas à Igreja.
Na história fala-se pouco das paróquias, aquelas unidades mais pequenas da ordenação religiosa do território. Um testemunho muito antigo sobre elas vem num documento de cerca de 1080 e que se chama o Censual do Bispo D. Pedro. Tirando os casos bastante conhecidas de paróquias criadas no século XX, as outras com poucas excepções (como o caso da da Póvoa de Varzim) já existiam nessa altura e têm cerca de mil anos de existência ininterrupta. O normal portanto é que sejam anteriores à fundação da nacionalidade: quando D. Afonso Henriques nasceu, elas já existiam. Entre as que entretanto foram extintas, contam-se a de Formariz, em Vila do Conde, a de Santagões, em Bagunte, a de Santo Isidro, no Outeiro Maior, e a de Gresufes, em Balasar.
Nas Inquirições de Afonso III, vem uma curiosa informação sobre o pároco de Nabais: diz-se aí que ele era clérigo da rainha D. Brites, que foi segunda esposa de D. Afonso III e que era filha bastarda de Afonso X de Castela e foi mãe de D. Dinis.
Houve então por cá alguns mosteiros. O de Rates, erigido pelo Conde D. Henrique e extinto no séc. XVI; o de Rio Mau, que deve ter tido uma existência fugaz e foi depois integrado no de S. Simão da Junqueira; o de S. Simão da Junqueira vinha do séc. XI e foi extinto no séc. XVIII.
Estas casas religiosas originalmente seriam pequenas e humildes. Só com o andar dos tempos é que adquiriram, em casos como a do Mosteiro da Junqueira, a dimensão que os seus edifícios ainda testemunham. Curioso é que todos tenham nascido à margem duma estrada antiga, caminho de Santiago.
Merecem atenção a iconografia de Rio Mau nos tímpanos da porta principal e também na lateral. Igualmente merece atenção Agnus Dei do tímpano da porta principal de Rates. Há um capitel da antiga igreja de Amorim que ilustra uma cena dum poema medieval, a Chanson de Roland.
O Mosteiro de Santa Clara de Vila do Conde vem do séc. XIV e praticamente era de fundação régia; daí a sua magnificência. Por sinal, na origem o seu estatuto não o identificava bem como mosteiro, mas mais como asilo de raparigas nobres e pobres. A sua rosácea, vista do interior, é um grande espectáculo, nada que se pareça com o que se vê de fora.
Sobre o topónimo Varzim, queria só dizer que no célebre Escritura de Vila do Conde, do ano 953, a palavra que usualmente se lê Euracini poder-se-ia ler Evracini, que seria a latinização de Evrazim, forma já muito próxima da pronúncia popular do topónimo, Brazim. Posteriormente, vai-se repetir a forma Varazim, que pode nem ter base popular.
Às vezes, as pessoas perguntam onde é que se vão buscar estas informações dum tempo tão distante. Ponhamos as coisas de um modo prático: se se quisesse organizar uma colectânea de documentos relativos à Póvoa e seu concelho referentes aos séculos XI, XII e XIII, ainda se conseguiria um volume de muitas páginas. Haja em vista as Inquirições, por exemplo, o Censual do Bispo D. Pedro e os documentos avulsos que é possível reunir, vindos por exemplo das colectâneas do Mosteiro da Junqueira ou das que reuniu o P.e Avelino de Jesus Costa, etc. Depois, o estudo comparativo dos documentos permite ir muito mais longe
Hoje também vou concluir com uma cantiga medieval, ou pelo menos parte dela, pois só vou ler metade dela. É uma reflexão curiosa sobre a mudança. Diz o poeta anónimo:

Quen viu o mundo qual o eu ja vi
e viu e as gentes que eron entón
e viu aquestas que ora son,
Deus! quand' i cuida, que pode cuidar?
Ca me sin' eu per min, quando cuid' i!
Por que me non vou algur esterrar,
se poderia melhor mund' achar?

Mundo teemos fals' e sen sabor,
mundo sen Deus e en que ben non á,
e mundo tal que non corregerá,
ante o vejo sempr' empeorar.
Quand' est' eu cat' e vej' end'o melhor,
por que me non vou algur esterrar,
se poderia melhor mund' achar?

U foi mesur’ ou grãadez? U jaz
verdad’, u é quen á amigo leal?
Que fui d'amor ou trobar? Por que sal
a gente trist' e sol non quer cantar?
Quand’ est' eu cat' e quanto mal s'i faz,
por que me non vou algur esterrar,
se poderia melhor mund' achar?

Viv' eu en tal mund' e faz-m' i viver
ua dona, que quero mui gran ben,
e muit' á ja que m'en seu poder ten,
ben dê-lo temp' u soían amar.
Ôimais de min pode quen quer saber
por que me non vou algur esterrar,
se poderia melhor mund' achar?

Mais, en tal mundo, por que vai morar
ome de prez, que s'en pod' alongar?

Trovador desconhecido

Quase todas as gerações pensam que é só no tempo delas que as coisas mais andam para trás, atingem o ponto mais baixo. O trovador, que afinal não seria propriamente pessoa de bem, para exprimir o seu escândalo frente à degradação do presente, usa uma linguagem variada, de jeito hiperbólico, cheia de interrogações retóricas, reforçada pelo refrão.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Póvoa de Varzim e arredores na Idade Média II

Da vez passada falei da Idade Média aqui nos arredores, mas numa perspectiva muito geral. Hoje, volto ao tema, mas do ponto de vista das classes mais favorecidas, do Rei e dos nobres.
O Rei era então um grande proprietário rural: em qualquer terra havia propriedades reguengas, isto é, que lhe pertenciam, provavelmente por direitos muito antigos. Estes terrenos pagavam-lhe impostos em géneros e em dinheiro: pagavam-lhe em cereal, em aves, como capões ou patos, galinhas e os seus ovos; também se lhe pagava com carneiros e cabritos, com peças de carne, com fogaças. Os impostos tinham nomes como eirádiga, direituras, coimas, lutuosa, vida, etc.
Aqui perto, houve algumas pousadas reais. Foi o caso de Santa Cristina, em Touginha, de Vilar, em Bagunte, e de Gestrins, em Balasar. Nestes lugares, que ficavam à margem de vias mais movimentadas e sem dúvida antigas, algumas de origem romana, havia reguengos particularmente significativos. As pousadas reais, que seriam residências ocasionais, de passagem – o Rei se calhar não tinha propriamente residência fixa -, deixaram de ter qualquer interesse quando a corte se deslocou para sul; mas anteriormente, ao tempo dos nossos primeiros reis e dos seus antepassados de Leão, terão tido o seu ponto alto. Conservam-se documentos relativos à pousada de Santa Cristina, que mencionam a passagem do rei leonês por lá. É a única pousada real sobre a qual, em 1220, se fala de guardar aí “homens presos” e “homens em ferros”; em 1258, fala-se de “homens malfeitores ligados de ferros ou de tronco”.
Conhecem-se nomes de nobres que tiveram propriedades por cá ou mesmo residência. Afonso Sanches, esse fundou Santa Clara; já falei aqui de Gil Sanches, ligado a Laundos, e da cruel Ribeirinha. Mas há outros nomes mencionados a propósito destas terras, como um Paio Guterres, contemporâneo do Conde D. Henrique, vários descendentes seus, os Cunhas, que eram muito abastados e que se encontram quase por todas as freguesias; há até o caso dos Redondos, ligados ao castelo que houve em Terroso. Os Cunhas viviam um afã imparável de aumentar o património, sem olhar a meios, legítimos ou ilegítimos.
Eu gosto de referir os Correias, que aparecem em Balasar e freguesias limítrofes e na Aguçadoura, pois são gente que estudei. Também estudei os Ferreiras d’Eça, do Outeiro Maior, que foram donos do castelo de Terroso e senhores de muitas terras também em Amorim e que eram aparentados com os Cunhas; os seus nomes estão ligados ao Mosteiro da Junqueira e mais tarde ao Convento de S. Francisco de Vila do Conde.
Falando de nobres nestes tempos, não se pode deixar referir os “amádigos” e as “amas dos cavaleiros”. São coisas interligadas. Havia pelos vistos um direito antigo que permitia aos nobres que criassem crianças em terras reguengas passarem para si determinados impostos devidos ao Rei. Isto é que era o amádigo. Não sei se amádigo vem de ama, mas as Inquirições falam repetidamente das “amas dos cavaleiros”, que eram as mulheres que criavam esses filhos dos nobres. Os amádigos eram muito frequentes.
Há um documento medieval que menciona Santagões, uma freguesia extinta e integrada depois em Bagunte, que passou durante muito tempo por ser o documento mais antigo escrito em português. Mesmo não sendo o mais antigo, merece menção. Tem a ver com uma abadessa de Vairão.
Os tempos a que me estou a referir são os das últimas lutas contra os mouros em território que hoje é português. Às expedições guerreiras chamava-se fossado ou ferido. Vou agora ler uma cantiga, de um tal Martim de Ginzo ou de Grijó, por saber que o seu namorado, o amigo, vai para a guerra. À mãe a jovem chama madre.

Como vivo coitada, madre, por meu amigo,
Ca m’enviou mandado que se vai no ferido:
E por el vivo coitada!

Como vivo coitada, madre, por meu amado,
Ca m’enviou mandado que se vai no fossado:
E por el vivo coitada!

Ca m’enviou mandado que se vai no ferido,
Eu a Santa Cecília de coraçon o digo:
E por el vivo coitada!

Ca m’enviou mandado que se vai no fossado,
Eu a Santa Cecília de coraçon o falo:
E por el vivo coitada!

Póvoa de Varzim e arredores na Idade Média I

Há algumas semanas, houve na Praça do Almada a reconstituição dum ambiente medieval. Podia ter sido uma iniciativa muito educativa, mas se calhar não o foi tanto. Eu não vi tudo.
Na sequência desse evento, vou hoje falar um pouco do que foi ou terá sido Idade Média aqui nas nossas vizinhanças.
É sabido que os livros de história dão importância sobretudo aos feitos mais marcantes, que raramente ocorreram na província. Por isso, a história local tem o papel importante de fornecer às populações a informação do que se foi passando nos seus lugares, nas suas freguesias, nas suas vilas.
A Póvoa era então uma pequena vila simultaneamente piscatória e rural. Vila do Conde também tinha uma dimensão rural, mas o rio, com o seu porto natural, talvez lhe desse uma dimensão mais urbana. A população destas vilas não ultrapassaria umas escassas centenas de pessoas.
As paróquias rurais eram quase as mesmas de hoje. Não seriam muitos os casos em que os seus habitantes ultrapassassem uma centena. As suas igrejas eram naturalmente muito pequenas, a condizer com as exigências demográficas. Lembrem-se as igrejas velhas de Amorim ou a de Rio Mau. A de Santa Clara, que não era paroquial, deve ter sido pensada também para compensar a pequenez da paroquial, que ficava ali ao pé.
Com as suas festividades, as igrejas proporcionavam alguns dos momentos que mais sobressaíam na rotina do viver do campo.
As casas seriam também acanhadas, as mais das vezes só de rés-do-chão, com paredes de pedras toscas e cobertas a colmo. Haveria sempre uma fonte próxima, pois na altura o poço deveria ser coisa rara.
Uma curiosidade aldeã desses tempos eram as vilas rústicas, que eram casas mais abastadas. Numa freguesia grande, podia haver umas cinco ou mais. Algumas vinham de tempos muito distantes, romanos, outras de período mais próximo, gótico.
A rede viária devia ser miserável: só caminhos velhos e sinuosos, com pisos irregulares, muito fracos; no Inverno, tornar-se-iam quase intransitáveis.
Falar de caminhos, leva a falar dos almocreves, aqueles homens que, nas suas bestas, levavam de terra em terra, de feira em feira, artigos que não podiam ser produzidos localmente, como sal, peixe, tecidos e objectos menos comuns.
Sobre os rios Este e Ave construíram-se pontes, a Ponte d’Este e a Ponte de d’Ave ou de D. Sameiro, mas também a Ponte d’Arcos e a Ponte do Vau, em Balasar. Antes dessa construção e em muitos lugares mesmo depois, havia nos rios os chamados portos, que indicariam apenas a existência dum barquito para ajudar as travessias especialmente no tempo invernoso.
Na flora aldeã, havia algumas diferenças notórias relativamente aos tempos actuais. Por um lado, a área inculta seria muito maior, por outro, sabemos que não se via por cá o eucalipto e mesmo o pinheiro seria muito menos comum do que hoje. O carvalho, que era árvore autóctone, devia abundar. Nos campos de cultivo não apareciam os milheirais de hoje, nem as batatas… Mas podia haver qualquer coisa a que chamavam vinhas.
Quanto à fauna, já não seria possível encontrar ursos, existentes noutras eras, mas veados, javalis, texugos e raposas seriam relativamente comuns. O lobo também não andaria por longe.
Pelo ar, voariam mais aves que actualmente: talvez ainda a águia ou até o abutre; o milhafre devia ser comum, como o corvo, o mocho, etc.
A fauna piscícola dos rios seria mais diversificada e abundante.
Na próxima vez espero continuar este tema, porque agora vou ler uma cantiga de amigo, que vem destes tempos.

Mia madre velida,
Vou-m’a la bailia
Do amor.

Mia madre loada,
Vou-m’a la bailada
Do amor.

Vou-m’a la bailia,
Que fazem en vila
Do amor.

[Vou-m’a la bailada,
Que fazen en casa
Do amor].

Que fazen en vila
Do que eu ben queria,
Do amor.

Que fazen en casa
Do que eu muit’amava,
Do amor.

Do que eu ben queria,
Chamar-m’an garrida
Do amor.

Do que eu muit’amava,
Chamar-m’an jurada
Do amor.

domingo, 21 de junho de 2009

A propósito do conto "O Tesouro" de Eça de Queirós

Vou começar por contar uma história antiga, quase tão antiga como o nosso país. Ela lembra uma outra – e é isso que o pretendo. 
  Conta-se que em Roma havia qua­tro ladrões. E andando um noite a furtar, sentiram a justiça e fugiram e esconderam-se numa cova. E quando a luz veio, acharam-se numa casa de abóbada muito formosa. E acharam nela um túmulo de mármore muito formoso. E disseram entre si: 
— Este túmulo foi dalgum homem nobre e rico. Abramo-lo e vejamos se achamos nele algum bem; porque noutros tempos costumavam enterrar os grandes homens com presentes e coisas de grande preço. 
Então abriram o túmulo e acharam-no cheio de ouro e de prata e de pedras preciosas e de vasos e de taças de ouro muito formosas. E entre elas estava uma taça muito formosa e maior que todas outras. Quando isto acharam, disseram entre si: 
— Agora estamos ricos e com sorte e seremos ricos para sempre, nós e nossos filhos; mas será bem que algum de nós vá à vila buscar comer. 
E cada um se escusava, dizendo que era conhecido na cidade e temia que o enforcassem. Por fim disse um deles: 
— Se me vós derdes aquela taça maior e melhor, eu vou buscar o alimento. 
E os outros aceitaram, e ele foi e trouxe que comer. E indo pelo caminho levando a comida, cuidou como poria nela veneno, de modo que, comendo-a os seus companheiros, morreriam e ficaria para ele tudo o que acharam no túmulo. E os três ladrões que ficaram, enquanto ele foi, falaram entre si e disseram: 
— Aquele era nosso companheiro, mas não quis ir buscar a comida sem que lhe déssemos a taça melhor. Matemo-lo e ficará para nós toda a fortuna. E disse um deles: 
— Como o mataremos sem perigo, pois ele é mais valente do que nós? 
Respondeu o outro e disse: 
— Quando ele vier, digamos-lhe que entre dentro e tome a taça; e quando entrar, tiremos o pau que segura as coberturas e elas cairão sobre ele e morrerá. 
E quando veio o outro fizeram assim e logo ficou morto. E eles disseram: 
— Comamos e bebamos e depois dividiremos tudo entre nós. 
E começarem a comer o que o outro trouxera, e morreram por causa do veneno. 
Esta história é a antepassada do conto de Eça O Tesouro. Verifiquemos agora o que há de comum entre as duas e o que há de novo no conto de Eça. Há muito de comum: a descoberta inesperada do tesouro, a questão urgente de as personagens se proverem de alimentos, o estratagema imaginado pela personagem que vai à procura da comida para ficar com todo o tesouro para si, o projecto dos que ficaram para eliminar o que foi à vila, a morte de todos e por fim a ironia da existência de um tesouro abandonado à espera de gente mais sensata que dele se queira gozar. 
Uma mudança muito significativa operada por Eça foi a do espaço físico e do meio histórico: colocou-os nas Astúrias, num século indeterminado, mas que corresponderá sem grande margem para dúvidas ao XVI ou XVII. Aos gatunos de origem correspondem agora uns fidalgotes arruinados, famintos e rudes. 
É um caso claro de expansão textual na base do processo da paráfrase. 
Há na história de Eça alguns aspectos que quadravam bem ao feitio do autor: a ironia é sem dúvida um deles, e já estava na história de origem; outro aspecto é o facto de ser uma história que envolve muito dinheiro, o que também é usual no romancista; por fim, também a ironia feita à Igreja, quando D. Rui, um dos três fidalgos, se imagina rico e a lamentar o desaparecimento dos irmãos, que agora queria matar, mas cuja morte douraria futuramente, colocando-a num cenário de guerra, o da luta contra os turcos. Este imaginar gratuito também é muito queirosiano.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

"Os Lusíadas", a batalha de Lepanto e D. Sebastião

Hoje vou recuar bastante no tempo, para o séc. XVI, pois pretendo falar da Batalha de Lepanto, que teve lugar em Outubro de 1571, e d’Os Lusíadas, que foram publicados no ano seguinte. O poema deve ter atingido a versão definitiva já no final do 1571, quando D. Sebastião, que nascera em 20 de Janeiro de 1554, ainda não teria completado 17 anos. Camões dedica-lho, mas fá-lo nuns termos que me parecem imperdoavelmente exagerados.
Rei desde os três anos, rei de facto desde os 14, D. Sebastião era em 1571 um jovem com um feitio não muito adequado à alta função que lhe cabia; mas repousavam sobre os seus ombros as esperanças de um Portugal independente, já que o próximo herdeiro do trono era o monarca castelhano. Era urgente que casasse, para poder ter herdeiros.
Face a estas condicionantes, é muito de estranhar o modo como Camões lhe fala na dedicatória da epopeia e depois nas estrofes finais do poema. Vamos recordar a dedicatória.
Depois de lhe chamar “bem-nascida segurança / Da Lusitana antiga liberdade”, o que estava certo, chama-lhe logo “certíssima esperança / De aumento da pequena Cristandade”, o que já não vinha muito a propósito, dadas as limitações económicas gritantes do país e as limitações do jovem rei. Mas o pior vem depois em catadupa: chama-lhe “novo temor da maura lança” (isto é, dos reinos mouros em geral, incitando-o à guerra), chama-lhe “poderoso Rei, cujo alto Império / O Sol, logo em nascendo, vê primeiro, / Vê-o também no meio do Hemisfério, / E quando dece o deixa derradeiro” (ao modo do que se dizia do seu tio Carlos V), e sobretudo diz do moço rei que se espera dele “jugo e vitupério / Do torpe Ismaelita cavaleiro, / Do Turco Oriental e do Gentio / Que inda bebe o licor do santo Rio”. Isto é, mostra-lhe um campo de acção guerreira que vai da África do Norte ao império otomano e a toda a Índia.
Isto é de facto autêntica loucura. E a proposta é confirmada, ao menos em parte, no final do poema, quando o poeta o incita o jovem rei à guerra no Norte de África, dispondo-se a cantar-lhe nova epopeia com os feitos bélicos que aí praticasse. O Rei acabaria por ir e ficar Alcácer-Quibir, perdendo o país a independência.
É difícil de não concordar com a gravidade destas incitações irresponsáveis à actividade bélica, ainda por cima saídas da pena de quem tinha algum conhecimento do que era o campo da batalha.
Eu creio que actualmente a tendência é para reconhecer que Camões é mais genial na Lírica (sonetos, canções, éclogas, redondilhas, etc.) do que n’Os Lusíadas. De facto, a meu ver, a epopeia não responde satisfatoriamente a muitas questões que lhe podem ser dirigidas.
Disse atrás que a epopeia há-de ter ficado pronta talvez no final de 1571, mas pelo menos alguns meses antes de vir a público, pois o trabalho tipográfico na altura devia ser muito lento.
Nesses meses a cristandade católica estaria sob o efeito da grande, da extraordinária vitória obtida em Lepanto, em Outubro de 1571.
O sultão de Constantinopla prometia entrar a cavalo pela Basílica de S. Pedro, que então ainda não estaria bem terminada. A sua soberba era uma ameaça a que era urgente pôr algum cobro.
Depois de muitas negociações e dificuldades, lá se reuniu uma frota para enfrentar os turcos. A batalha decorreu junto a Lepanto, a sudeste da Grécia. Comandou a armada D. João de Áustria, um parente próximo de D. Sebastião, pois era filho, embora bastardo, do irmão da sua mãe, Carlos V. A frota turca era comandada por Ali-Pachá, que foi morto. A vitória católica foi grandiosa. Nem é bom pensar nas consequências que uma derrota poderia ter provocado…
A minha ideia é a de que Camões terá acreditado que D. Sebastião iria gozar, nas aventuras militares, duma protecção divina semelhante à que possibilitara a decisiva vitória do seu primo D. João de Áustria. Assim, certas afirmações da dedicatória fariam muito sentido; sem isso, não vejo que sentido façam.
Sobre a batalha de Lepanto, contam-se coisas extraordinárias. Por exemplo, que Nossa Senhora teria sido vista sobre a frota turca numa atitude que não augurava nada de bom; que o Papa Pio V, em Roma, sem receber notícia nenhuma de Lepanto, por altura da vitória, teria convidado os cardeais a irem agradecer com ele a Deus o êxito católico. A essa batalha está também associado o incremento da oração mariana do terço.
Encontra-se na Internet muita informação sobre a Batalha de Lepanto.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Os Viscondes de Azevedo

Há tempos eu mencionei aqui o nome do Visconde de Azevedo para dizer que ele assinava o prefácio do livro de Camilo A Divindade de Jesus. Hoje vou falar dele e da sua esposa. Começo pela Condessa.
Chamava-se D. Maria José Carneiro da Grã Magriço e nasceu a 6 de Agosto de 1804, na Póvoa de Varzim, na Casa dos Carneiros, e era bisneta de D. Benta da Grã Magriço, da Quinta de Balasar. Casou em 1827, um tempo muito pouco pacífico.
É curioso que, sendo uma mulher muito abastada, com numerosas propriedades em vários distritos, quis ser sepultada em Balasar: dispôs no testamento que o seu corpo fosse “envolvido em hábito de Santa Teresa (de Ávila), encerrado em caixão de chumbo e sepultado no jazigo da família que tem na freguesia de Balasar, deste concelho, onde repousam os restos mortais de sua mãe”.
A mãe chamava-se D. Francisca Henriqueta Coelho Fiúza Ferreira Marinho Falcão Sottomayor e foi senhora da Quinta da Espinheira (em S. Simão da Junqueira) e da Casa dos Coelhos, em Vila do Conde.
Contrariamente ao que dispôs no testamento, D. Maria José Carneiro da Grã Magriço não foi sepultada em Balasar, antes em Barcelos, “por a autoridade administrativa do Porto se opor a que fosse para Balasar, conforme era vontade da testadora”.
À sua morte, esta senhora deixou 400$000 para serem repartidos pelos pobres e miseráveis da vila da Póvoa de Varzim; outros 400$000 ao Hospital, mais 300$000 à Misericórdia. Deixou ainda 100$000 para os pobres de freguesias onde tinha propriedades, caso de S. Simão da Junqueira, Balasar e Lama.
Isto vem no jornal poveiro “Facho da Verdade”, em 7.1.1886.
A Quinta de Balasar ainda ficou mais alguns anos na posse de parentes dos Viscondes, que não tiveram filhos, mas depois foi vendida a um lavrador.
O seu marido (Vila Verde, 21/01/1809 - Porto, 25/12/1876), que dá nome a uma rua na Póvoa, não viveu à sombra dum nome feito pelos antepassados: foi um homem com intervenção activa no seu tempo. Interveio, ainda jovem, nas lutas liberais, ao lado dos realistas, interveio depois de passagem na política e foi sobretudo um sábio bibliófilo. Foi célebre a sua livraria. Seguindo Camilo, “tinha a singularidade fenomenal de ser sábio e rico”. Foi sócio correspondente da Academia de Ciências de Lisboa e colaborador do Dicionário Bibliográfico de Inocêncio. Este dicionário é um monumento da cultura portuguesa.
Vejam-se ainda estas camilianas palavras sobre o Visconde de Azevedo:
“Era um homem de bem. Para lhe chamarem nas ga­zetas facínora, caipira, besta e ladrão, foi necessário que gover­nasse o distrito de Braga em 1845. Desde que esquivou, na poltrona da sua biblioteca, o osso sacro aos pontapés da política, volveu a ser, por comum assentimento de todos os partidos, um espírito recto, muito esclarecido e digno de exercer os cargos superiores do Estado”.
O Visconde de Azevedo mereceu recentemente um artigo na Biblos, Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa.
Ele tinha residências no Porto e Póvoa de Varzim, e naturalmente outras. No Porto e na Póvoa, reunia cenáculos culturais. Na casa do Porto, possuiu uma tipografia particular onde chegou a fazer imprimir algumas raridades bibliográficas em tiragens limitadas.
Escreveu alguma prosa de ficção, alguma poesia e artigos de apreciação crítica, traduziu Vergílio e Cervantes. Ajudou a salvar a Gramática da Linguagem Portuguesa, de Fernão de Oliveira, primeira gramática da nossa língua.
É curioso que tenha dirigido Cartas ao redactor da Gazeta de Portugal, refutando o que, a respeito da Vida de Jesus, de Renan, escrevera Pinheiro Chagas em artigo publicado na mesma Gazeta. Esta Vida de Jesus pretendeu contestar as bases da fé católica em Jesus Cristo. Eça de Queirós e outros deram-lhe grande crédito, embora se trate de um trabalho sem rigor científico.Em resumo, os Viscondes de Azevedo foram um ilustre casal que deve merecer uma grande atenção aos poveiros.

Ainda sobre o "Auto da Barca do Inferno"

Da vez passada falei do Auto da Barca do Inferno. Mas não expliquei donde originavam aquelas barcas ou mesmo a ideia de fazer o julgamento ali no cais, pois nada disto está no Evangelho. Vou tentar esclarecer isso hoje.
Esta peça vicentina tem um débito muito directo relativamente a uma obra antiga, intitulada Diálogos dos Mortos. Este livro foi escrito em grego, no segundo século da nossa era; o seu autor chamava-se Luciano, e era pagão.
Luciano imagina, de acordo com a mitologia grega, os mortos a chegarem a um rio, o rio Letes ou rio do esquecimento, que têm de atravessar na barca de Caronte para a morada dos mortos, que é o Hades ou os Infernos. No momento da travessia, está também presente Hermes, outro deus.
Entre os mortos que se apresentam a pedir passagem e os dois barqueiros, desenvolvem-se então diálogos com temas variados. Já se está pois a ver: o Auto da Barca do Inferno está muito próximo da obra de Luciano. De um modo mais em geral, porque se imagina também uma passagem fluvial da vida terrena para o Inferno ou para o Céu, e, mais em particular, está próxima dum desses diálogos, o X. Efectivamente, neste diálogo X ocorrem conversas que têm semelhanças muito chegadas com os que encontramos na obra de Gil Vicente.
Para quem achar isto estranho, lembro que há igrejas onde, no altar da Almas, se representam os mortos numa barca. Creio que tal representação existe na Matriz poveira, mas existe de certeza na Matriz vila-condense. Onde ela se vê também é no Juízo Final, de Miguel Ângelo.
É um modo visível, dito alegórico, de representar uma realidade invisível (onde evidentemente não há barca nenhuma).
Ouçamos uma amostra do diálogo X de Luciano:

CARONTE – Vou-vos explicar: é preciso que embarqueis nus, deixando todo o supérfluo na margem porque, assim como estais, dificil­mente o barco poderá receber-vos.
E tu, ó Hermes, trata, a partir de agora, de que nenhum deles seja recebido que não venha em pêlo, depois de deitar fora, como eu já disse, a bagagem. A pé firme, junto à escada, passa-os em revista; recebe-os, forçando-os a embarcar nus.
HERMES – Dizes bem e assim faremos. Quem é este que está em primeiro lugar?
MENIPO – Eu cá sou Menipo. Mas repara, ó Hermes, a saca e o cajado já foram lançados ao pântano. E o manto coçado nem sequer o trouxe, bem de propósito.

Neste diálogo os passageiros são todos homens e, ao contrário de Menipo, outros vêm ainda muito orgulhosos do que faziam em terra. Por exemplo, um filósofo aparece com a barba muito grande, que era um distintivo do grupo. Mas nem a barba ali escapa: tem de ser cortada. E com os restantes acontece coisa semelhante.
Na obra de Gil Vicente os mortos também trazem qualquer objecto que os individualiza pela actividade, cargo ou profissão que tinham exercido. Um nobre traz uma cadeira, que indica a sua superioridade face às outras classes sociais; um sapateiro traz as formas dos sapatos, um juiz traz autos…
Mas há diferenças face à figuração da mitologia que é preciso notar: em vez duma barca, em Gil Vicente, há duas, há também dois destinos, há um Anjo e um Diabo…
Mas vou ainda falar doutra obra que terá influenciado Gil Vicente. É uma pintura que data, muito provavelmente, de 1515, de dois antes de ser representado o Auto da Barca do Inferno e intitulada Inferno. Nesta pintura não há barcas nem Anjo, mas há muitos condenados e diabos.
Esta pintura é muito curiosa. Aqui há bastantes anos, por altura do décimo aniversário da morte de Flávio Gonçalves, se não erro, houve um crítico de arte, Dagoberto Markl, que escreveu sobre ela no boletim municipal. Prometeu até publicar sobre ela um livro inteiro. Mas creio que isso não chegou a acontecer.
Gil Vicente, como é sabido, escreveu também o Auto da Barca do Purgatório e o Auto da Barca da Glória.

Sobre o "Auto da Barca do Inferno", de Gil Vicente

Há uma obra de Gil Vicente que tem por título Auto da Barca do Inferno. É uma peça de teatro de tamanho relativamente reduzido e de que quase toda a gente gosta. Naturalmente uns gostarão por uma razão, outros por outra. Hoje vou falar das razões que me levam a valorizá-la.
Este auto – auto, neste caso, quer dizer mais ou menos peça de teatro – é o auto do julgamento após a morte. Em cena estão duas barcas, uma do Diabo outra do Anjo. Quando as personagens chegam àquele cais, todas ou quase todas ambicionam ir para a barca do Anjo, e quase todas acabam na do Diabo. Isto à partida parece que não deveria provocar muito entusiasmo pela obra.
O facto é que no julgamento se faz uma apreciação muito crítica da vida terrena, com bastante ironia pelo meio. Então, os leitores e espectadores, ao verem ser enviada para o Inferno toda aquela maldade, consideram que se faz justiça; e como também se faz ironia, acham graça.
Vão para o Inferno um Fidalgo presunçoso e tirano, um Sapateiro explorador, um Onzeneiro que emprestava dinheiro a um juro exorbitante, um Frade mundano, etc., etc.
Vejamos agora o que a mim me seduz.
Quando o auto começa, o Diabo diz que está uma maré maravilhosa: “À barca, à barca / que temos gentil maré!”, grita. Quer dizer, o seu barco tem condições para levar uma grande carga. Até corre vento para o empurrar.
E a verdade é que a maré lhe vai correr de feição e a sua barca vai encher. E é enquanto ela enche que assistimos a uma crítica impiedosa à sociedade dos vivos.
Só que, em dado momento, muito perto do fim do auto, o Diabo descobre que a maré passou: a barca, carregada, pousou no chão. O Diabo ainda tenta um expediente para a fazer andar: “Alto, todos apear / Que está em seco o batel!”
Mas desta vez pode-se dizer mesmo que aquele mal não vem só; decididamente a sua boa maré passou.
Logo a seguir, apresentam-se no cais quatro Cavaleiros. Ao contrário de todas as outras personagens anteriores, que recorriam a desculpas nada convincentes ou expedientes sem préstimo para evitar a barca do Diabo, estes Cavaleiros olham a situação dum modo inteiramente diferente. Consideram-se mártires da Fé e dirigem, em canto, um convite vibrante aos espectadores para que se não dêem a uma vida desregrada, mas pelo contrário vivam a sua religião com o maior e mais decidido empenho.
O Diabo, face a esta situação nova, sente-se desnorteado: os Cavaleiros não só não lhe ligam como lhe respondem duramente; o Anjo, esse, dá o melhor acolhimento a estes passageiros.
O auto termina aqui, quando o Diabo tem a sua barca encalhada, incapaz de seguir viagem, e quando os espectadores ouvem um vibrante de quatro nobres apelo a mudar de vida. É como que um novo começo.
Mas isto, para mim, ainda não é tudo. A questão, em meu entender, é esta: Gil Vicente foi capaz de fazer uma análise audaz, realista, impiedosa à sociedade sua contemporânea, enviando-a sem apelo para a barca do Diabo; mas, colocando-se numa perspectiva de grande autenticidade evangélica, acabou mostrando o caminho alternativo a seguir. E isto através duma cena cheia de cor, canto e emoção.
O realismo da análise, que aproxima muitas vezes este auto duma farsa, está lá, mas, globalmente, a obra é uma moralidade excelente.
É curioso que o Auto da Barca do Inferno date de 1517, o ano em que Lutero começou o seu protesto. Gil Vicente também se escandalizou com as pessoas do seu tempo, também foi duro, mas soube manter-se dentro da verdade da Igreja.
Isto, algo mais, é o que eu vejo neste auto e o que acho que o faz uma obra de rara qualidade.
Há uma outra obra de Gil Vicente, o Auto da Alma, também uma moralidade, que é considerada do melhor que se produziu no género na Europa do tempo. Mas eu tenho-me encantado mais com o Auto da Barca do Inferno.
Hoje falei deste auto; na próxima vez espero falar a propósito dele.

Darwin e o poema bíblico da Criação

Em Fevereiro completaram-se 200 anos sobre o nascimento de Darwin, o homem a quem se atribui a teoria da Evolução das Espécies. Darwin, que a princípio quis ser clérigo, no final da vida definiu-se como agnóstico, mas não como ateu. Os primeiros capítulos da Bíblia descrevem poeticamente a criação, afirmando que ela se processou ao longo de seis dias. Mas a teoria evolucionista afirma que as espécies animais surgiram ao longo de um processo de milhões de anos. O próprio Darwin declarou que se pode ser ardente teísta, isto é, crente, e evolucionista, confirmando a afirmação com casos de seus contemporâneos célebres. Desde que se aceite Deus como criador e providência, cabe à ciência estudar depois o processo evolutivo na sua área. Falemos por isso do Poema da Criação, que ocupa as páginas iniciais da Bíblia. Ele foi escrito próximo do ano 550 a.C., na Babilónia, a capital mais avançada do tempo, quase 100 anos antes de Platão nascer, quando os judeus se encontravam aí em exílio. É um texto cosmogónico, que conta imaginosamente a origem do universo e dos muitos seres que ele contém. O Poema da Criação apresenta-se como a réplica hebraica ao mito babilónico da criação e pode ter desempenhado na liturgia de Israel um papel paralelo ao que desempenhava aquele mito no culto de Marduk, nas festas do Ano Novo. Vejamos as frases inicias do poema: “No princípio, Deus criou os Céus e a Terra. A Terra era informe e vazia. As trevas cobriam o abismo, e o Espírito de Deus movia-se sobre a superfície das águas. Deus disse: - Faça-se a luz! E a luz foi feita. Deus viu que a luz era boa e separou a luz das trevas. Deus chamou dia à luz e às trevas noite. Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o primeiro dia. Deus disse: - Haja um firmamento entre as águas para as manter separadas umas das outras. Deus fez o firmamento e separou as águas que estavam sob o firmamento. E assim aconteceu. Deus chamou céu ao firmamento. Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o segundo dia”. O poema organiza-se numa espécie de «estrofes» rematadas por uma espécie de «refrão»: «Assim surgiu a tarde e em seguida a manhã: foi o primeiro dia», etc. Além do «refrão», contêm-se nas «estrofes» outros elementos de repetição: «Deus disse», «E assim aconteceu», «E Deus viu que isto era muito bom». A repetição é um elemento comum em qualquer poema. O texto é redondo, já que se pode dizer que começa e acaba pela mesma expressão «os Céus e a terra». Conclui com um fechamento muito claro: “Esta é a origem e a história da criação dos Céus e da Terra”. Estruturalmente, é um texto independente do que se lhe segue. Houve um autor, de nome Gilberto António de Andrade, que considerou que o poema bíblico da Criação poderia ser «um dos mais belos poemas da humanidade». Texto litúrgico que é, possui natural pendor «dramático»; quanto posso imaginar, visa a «representação», pede actores. Está muito longe do vulgar texto narrativo. Tematicamente, trata-se, poder-se-á dizer, de um texto de combate: há um só Deus e não muitos, como considerava a perspectiva babilónica; Deus cria sem recorrer a nada anterior, a partir do nada, pela sua palavra e por gosto; o homem é inteligente, livre e criativo, «à semelhança» de Deus; Deus oferece-lhe o Universo como palco da sua acção; não há lugar para as divinizações reais, faraónicas ou imperiais; a dignidade do homem é universal, bem como a da mulher; o sentido da vida exprime-se de um modo mais completo no descanso sabático, um dia santificado, de adoração e gratidão para com o Deus que ama o homem e para quem tão generoso mostra. É um texto profundamente revolucionário, pois impõe mudanças radicais no modo de olhar o homem e o mundo face ao que se praticava na Babilónia ou no Egipto, e profundamente optimista: “E Deus viu que tudo era muito bom”.

A Beata Alexandrina e a Segunda Guerra Mundial

Dentro de dias celebra-se o aniversário do nascimento da Beata Alexandrina; por isso eu hoje vou falar um pouco dela e a propósito dela. Em concreto, vou falar da Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria, que ela pediu e que o Papa Pio XII realizou em 31 de Outubro de 1942.
Em finais do séc. XIX, tinha o mundo sido consagrado ao Coração de Jesus – e a basílica poveira tem certamente alguma coisa a ver com isso; agora pedia o mesmo Jesus que ele fosse consagrado ao Coração Imaculado da sua Mãe.
Convém lembrar que, na teologia católica, à Mãe de Deus é atribuído o papel mais importante: tendo dado à humanidade o Filho de Deus, Ela encontra-se no centro do plano salvador por Ele concretizado.
O primeiro pedido para essa consagração vem de 1935. A Igreja atravessava então na Espanha um momento muito difícil, que iria degenerar em guerra civil.
Confidenciava Jesus à Alexandrina que o que ali se verificava podia alastrar facilmente ao mundo e que era indispensável a intervenção da sua Mãe para suster a calamidade. E a verdade é que a guerra ganhava em breve dimensão mundial.
“Só Ela lhe poderá valer”, afirma taxativamente o Salvador: só Ela, a sua Mãe, poderia valer ao mundo.
Como disse, a Consagração ocorreu em 31 de Outubro de 1942. A Guerra Mundial estava em marcha e prometia: o Eixo somava vitórias: o centro da Europa estava todo sob o domínio de Hitler, o ataque japonês ao Porto das Pérolas datava de havia um ano.
Por essa altura, travava-se luta muito dura no Norte de África, particularmente a oriente, pelo acesso europeu às fontes do petróleo. Essa luta iria terminar com a vitória aliada em Alamein, no Egipto.

A Consagração terá mudado alguma coisa no vasto teatro desta guerra a que nenhuma anterior se igualava?
Há uma frase de Churchill que diz que até Alamein os aliados não tinham obtido nenhuma vitória, mas que depois não tinham sofrido nenhuma derrota. Ora isto é muito importante, por Alamein coincidir aproximadamente com a Consagração, pois significa que até à Consagração os aliados não tinham tido vitórias e que depois não sofreram derrotas. E esta Consagração destinava-se também a suster a guerra.
Na minha fraca pronúncia inglesa, eis a frase de Churchill, que eu só conheci muito recentemente: “Before Alamein we never had a victory. After Alamein we never had a defeat”.
Mas convém também ouvir o que um notável teólogo italiano afirmou sobre a consagração a que me venho a referir. O nome dele é Gabriel Roschini e “chamou à consagração da humanidade ao Imaculado Coração de Maria, em 1942, a maior honra que alguém pode imaginar”. “Ela é a mais alta manifestação do culto mariano”, afirmou.

Como se sabe, desde muito cedo, antes de 1935, Jesus anunciou à Alexandrina que iria fazer nela “grandes coisas”. Isto num tempo em que o seu nome era muito pouco conhecido. Era conhecido em Balasar e certamente nalgumas freguesias em redor e mesmo aqui um pouco na Póvoa, mas não mais.
É preciso também ter em conta que a tarefa de convencer o Papa a realizar a consagração era enorme: como é que uma camponesa paralítica, a viver num estreito quarto desde há dez anos, havia de mobilizá-lo para um acto destes?
O mundo não é Portugal, ou a Europa ou a Rússia. É a Terra toda. Mas mobilizou-o.
O que tenho estado a dizer são factos e algumas deduções. Mas as deduções estão muito próximas dos factos…
Um dia que a Póvoa reconheça todo o alcance deste feito vai certamente prestar uma grande homenagem a esta sua conterrânea, que nasceu e viveu em Balasar.

terça-feira, 17 de março de 2009

Nun’Álvares Pereira

Nuno Álvares Pereira vai ser canonizado em 26 de Abril próximo – o dia a seguir ao do aniversário da beatificação da Beata Alexandrina – e eu hoje vou falar dele.
Antes de conhecer a data da canonização, eu já tinha pensado fazer-lhe aqui e nesta data uma referência. É que houve uma coincidência interessante: eu queria falar dum romance de Agustina Bessa-Luís. Ora ao menos um espaço desse romance está ligado a uma casa aqui das proximidades a que ela chamou Condestável, porque, escreve, se dizia que ali “acampavam os cavaleiros de D. Nuno Alvares Pereira em tempos de torneios e caçadas” (fim de citação).
Nuno A. Pereira, que nasceu em 1360 e morreu em 1431, é usualmente apresentado como o herói da Batalha de Aljubarrota. De facto, esse é um momento alto da sua vida. Tinha então 25 anos. A diferença numérica entre Castelhanos e Portugueses em campo era demasiado flagrante, talvez seis para um, e eles foram vencidos (diz-se castelhanos e não espanhóis porque na área da actual Espanha havia então vários reinos e a batalha foi contra o de Castela). No campo dos Castelhanos, onde se encontrava quase a totalidade da nobreza portuguesa, a vitória parecia absolutamente garantida e eles achavam uma loucura a resistência dos nossos.
Era muito difícil tomar a iniciativa de combater nessas condições. Houve até alguns fugitivos, que os Castelhanos mataram, o que nunca deviam ter feito, pois inibiram assim outros de tentar a mesma sorte.
Quem conta a batalha de Aljubarrota é Fernão Lopes. Este eminente historiador ignorava alguns pormenores importantes, o que é até de estranhar. Pelos vistos, entre as frentes dos dois exércitos, Nun’Álvares Pereira tinha disfarçado as chamadas covas de lobo – covas cobertas com ramagens – que desorientaram a cavalaria castelhana quando começou a avançar.
O combate ocorreu em 14 de Agosto, véspera da Assunção de Nossa Senhora, e decidiu-se em pouco tempo.
Curiosidade importante: na altura, os Castelhanos estavam do lado do Anti-Papa, pelo que era fácil incitar os combatentes a uma luta de contornos religiosos.
N’Os Lusíadas, Camões também conta a Batalha de Aljubarrota. Mas é uma batalha sonhada, sem grande correspondência com a realidade histórica. Há por lá anotações hilariantes, que o probo Fernão Lopes abertamente recusou.
O Mosteiro da Batalha, dedicado a Nossa Senhora da Vitória, foi construído em agradecimento ao êxito de Aljubarrota. Há poucos meses estive lá. Fiquei escandalizado com o aspecto degradante de algumas paredes e janelas. Quando se vai hoje a Mafra, o exterior do convento está uma maravilha: é um espectáculo grandioso e que a meu ver deita por terra o ridículo memorial de Saramago a propósito daquela magnífica construção. A Batalha não foi limpa. Há até uma parte, certamente menos monumental, sem telhado.
Em Santa Clara de Vila do Conde, encontra-se o túmulo de D. Beatriz, a filha de Nun’Álvares Pereira. Ela faleceu em Chaves e o cadáver foi trazido para aí pelo pai. A arca tumular é de boa qualidade. Recorde-se que esta mulher está na origem da Casa de Bragança, pelo que é uma figura muito importante da nossa história.
Há uma expressão portuguesa que diz: cai ou vai cair “o Carmo e a Trindade”. O Carmo, nesta frase, é o Convento do Carmo, em Lisboa por cima do Chiado e do Rossio, fundado por Nun’Álvares Pereira e onde ele professou, em 1423, depois de se ter desfeito da sua imensa fortuna. Como se sabe, a construção não resistiu ao terramoto de 1755: nessa altura abateram-se mesmo o Convento do Carmo e a Igreja da Trindade
Nun’Álvares Pereira foi sempre um homem de profunda vivência religiosa; enquanto militar, chegava a abandonar o campo da batalha para rezar, como se confiasse mais na Providência do que na força dos seus homens e das suas armas. Em 1415, com 55 anos, ainda esteve na tomada de Ceuta.
Por gratidão a este grande herói nacional e notável homem da Igreja, os portugueses que o puderem fazer não devem faltar à sua canonização. Os seus contemporâneos lisboetas já lhe chamavam em vida “Santo Condestável”.

Dois sonetos camonianos de amor de perdição

No seguimento da minha anterior conversa sobre o Amor de Perdição, vou hoje ler dois sonetos de Camões. Contam ambos breves histórias de amores de perdição. Aliás, em Camões o amor acaba quase sempre em fracasso.
O primeiro é um dos do ciclo da Dinamene, que foi uma chinesa por quem ele se apaixonou e que morreu na foz do Mecongue, na costa do actual Vietname, naquele naufrágio em que Camões sobreviveu, conseguindo ainda salvar o seu poema.
Neste soneto conta o poeta que, de noite, sonha com ela. Vê-a num descampado, à distância, e então corre para ela, mas sente que ela se afasta. Põe-se a gritar e então acorda. Conclui por isso que nem um breve e agradável engano pode ter.

Quando de minhas mágoas a comprida
imaginação os olhos me adormece,
Em sonhos aquela alma me aparece
que para mim foi sonho nesta vida.

Lá numa soïdade, onde estendida
a vista pelo campo desfalece,
corro par'ela; e ela então parece
que mais de mim se alonga, compelida.

Brado: Não me fujais, sombra benigna!
Ela (os olhos em mim cum brando pejo,
como quem diz que já não pode ser),

torna a fugir-me; e eu, gritando: Dina...
antes que diga mene, acordo e vejo
que nem um breve engano posso ter.

É um belíssimo poema.
O segundo soneto fala dum pescador chamado Aónio. Este estranho nome contém as letras com que então se escrevia João: é um anagrama. Também se passa de noite.
O pescador está só, na praia. É tudo comum em seu redor: o movimento das ondas, o silêncio da noite, o sossego da terra e do céu… mas Aónio está atormentado pelo desaparecimento da sua amada, que pode ser a mesma Dinamene do soneto anterior. Então grita às ondas que lha devolvam. Mas recebe como resposta só o silêncio e o alheamento de tudo.

O céu, a terra, o vento sossegado...
As ondas que se estendem pela areia...
Os peixes que no mar o sono enfreia...
O nocturno silêncio repousado...

O pescador Aónio, que, deitado,
onde co vento a água se meneia,
chorando, o nome amado em vão nomeia,
que não pode ser mais que nomeado:

- Ondas – dizia – antes que Amor me mate,
tornai-me a minha Ninfa que tão cedo
me fizestes à morte estar sujeita!

Ninguém lhe fala, o mar de longe bate;
move-se brandamente o arvoredo;
leva-lhe o vento a voz que ao vento deita.

Este é o soneto da solidão e da incomunicabilidade das coisas.
O último verso é um achado: aqueles quatro vv parece que nos fazem ouvir o vento.
Eu chamei-lhes sonetos de perdição e parece-me que não me enganei.

Eu não tenho nenhuma anedota de Camões para contar. Mas vou leu este curto e célebre poema:
Esparsa.

Ao desconcerto do Mundo

Os bons vi sempre passar
No mundo grandes tormentos;
E pera mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado:
Assim que, só pera mim,
Anda o mundo concertado.

“Amor de Perdição”

Vou falar dum livro de Camilo que foi grande êxito de livraria: “um êxito extra-lusitano”, segundo o seu autor. Foi escrito na prisão em meados do séc. XIX e em breve período de tempo. Estou-me a referir ao Amor de Perdição, publicado em 1862.

É uma história à Romeu e Julieta: conta que houve dois adolescentes, que viviam um de cada lado da mesma rua, em Viseu, e cujos pais se odiavam. Mas entre os jovens nasceu uma paixão avassaladora, de tal força que eles vão arriscar tudo para enfrentar os entraves que a dificultam. E acabam mal, pois a paixão condu-los à morte, uma morte na flor da idade. É uma história romântica, muito ao gosto de Camilo.
Além de Viseu, também aparecem na história Gaia e o Porto. Espaços como Vila Real e outros são muito secundários.
Quando f oi escrita, já não era então uma história contemporânea, pois passava-se ainda sob o antigo regime, no começo do século, cerca de 60 anos antes. Quer o espaço quero o tempo evocados eram arcaizantes, pelo menos não urbanos em sentido moderno. E quando o livro foi publicado, o país estava a mudar muito.
Alguns aspectos justificam o seu êxito: a luta desenvolvida por aquele par ainda tão jovem contra a prepotência dos pais, cujos rancores velhos impedem a felicidade da nova geração; uma certa recuperação moral do protagonista por obra do amor; a determinação e a fidelidade da Teresa ao seu ideal; a nobreza de espírito de Mariana; a gratidão, a determinação e a clareza de ideias de João da Cruz…
Uma vez, há uns quinze anos, eu orientava a leitura deste livro junto dos meus alunos e pus-lhes a questão, como é que o Amor de Perdição se enquadra na situação real que o autor vivia, a de estar na prisão por fugir com a jovem Ana Plácido (que abandonara o marido e se juntara ao escritor)? Creio que a solução é bem fácil e justifica alguma reflexão.
Ao conceder, na sua história, à paixão o direito de se sobrepor a todas as outras regras de conduta, ao torná-la um absoluto, o autor está a legitimar os seus actos de apaixonado.
Entendamo-nos: Simão mata, arrisca-se à forca, parte depois para o degredo e morre; Teresa enfrenta o pai e morre também: mas tudo isso se apresenta legitimado pela paixão amorosa.
É claro que não se pode negar à juventude o direito, no caso inteiramente legítimo, de seguir o seu caminho, mas há regras para todas as situações. O matrimónio, ou simplesmente o casamento, como lugar onde, com as limitações conhecidas e inevitáveis, se realizam fundos anseios dum homem e duma mulher que se amam e complementam e onde se garante da estabilidade da família, tem de ser protegido. Por isso, a romântica proposta camiliana esconde um erro básico, nunca bem declarado, mas que lhe era favorável.
Isto não é moralismo fácil, mas uma exigência nascida do mais elementar bom senso.
Como quer que seja, as histórias de Camilo são, por regra, moralmente muito mais aceitáveis que as daquele que veio a ser seu rival, o poveiro Eça de Queirós.
Camilo foi um autor de sucesso cá no Norte, espaço a que está predominantemente ligada a geografia das suas histórias. O Amor de Perdição não terá sido inteira excepção, embora o seu êxito, comprovado por exemplo pelas versões cinematográficas que já proporcionou, se deva a razões muito próprias e que estão para lá de regionalismos.

Para terminar, vou contar uma anedota de Camilo. É uma anedota que lembra o jeito de resposta pronta e mordaz que se atribui a Bocage:
Um dia o escritor ia num caminho montado num burro. Passa então por ele um fulano abastado a cavalo e pergunta-lhe: “Então, Sr. Camilo, como vai o burro?” Responde-lhe o escritor: “A cavalo, a cavalo”.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

"A Divindade de Jesus"

Antero de Quental e Eça de Queirós foram, entre os escritores mais conhecidos, os primeiros em cuja obra se verificou uma atitude marcadamente anticatólica e supostamente justificada em razões muito respeitáveis. A meu ver, eles foram apenas vítimas dum contexto cultural – filosófico, científico e tecnológico, social – que criou neles a ilusão de que o catolicismo não era mais defensável. Foi o tempo da agitação nascida da industrialização nascente e consequente proletarização das massas, o tempo de Marx, Feuerbach, Proudhon e outros, o tempo de Darwin, de Strauss e de Renan, etc. O tempo em que a esquerda lançou raízes.
Camilo, um pouco mais velho, embora saibamos que não foi de modo nenhum um cidadão exemplar, resistiu melhor à avalanche anticristã do momento. Mas mais, ele foi mesmo autor dum livro que tem por título A Divindade de Jesus, em que contesta Strauss e Renan, que negavam que em Jesus à humanidade se unisse a divindade.
Parece-me injusto que se fale tão pouco dele. Para os poveiros, ele tem até um atractivo muito particular, pois abre com um prefácio assinado pelo Visconde de Azevedo, datado da “Póvoa de Varzim, 3 de Fevereiro de 1865”. Esse Visconde, ao que parece, era tido como uma sumidade no tema.
Além desta referência à Póvoa, o ano de 1865 também merece atenção, já que é o ano em que estrondeia a chamada Questão Coimbrã, que opôs a juventude universitária de Coimbra ao establishment lisboeta e que, ao lado de outros aspectos mais positivos, iniciou a divulgação no país dos erros de vária ordem que então faziam furor na Europa.
Camilo já publicara dois anos antes o seu grande sucesso, o Amor de Perdição, pelo que era uma figura bem conhecida do público.
Quanto à nova obra, é notório que por um lado o escritor estava atento à actualidade e que por outro possuía um saber humanístico notabilíssimo; defende com entusiasmo e creio que com brilho a tese do título, de que Jesus é Deus.
Como conheço este livro muito pela rama, vou apenas ler um excerto em que Camilo se dirige ao Visconde de Azevedo. Escreveu ele:

O fervoroso desejo de entranhar a minha fé no ânimo de amigos bem inclinados, que se dispensavam dela, enquanto as miragens da vida, moça e enganada, lhes bastavam à lisonja de olhos, e o coração, de grado, se entregava à cadeia dourada das esperanças; - aquele fervoroso desejo, digo, foi grande parte no publicarem-se os argumentos com que eu respondia à filosofia indócil dos espantados da minha conversão (refere-se a uma primeira versão do livro, saída em artigos de jornal). Conversão chamavam alguns o que meramente devera chamar-se reflexão. A juízo de outros, a minha religiosidade era hipocrisia. Os amigos aguíam-me de inepto; os inimigos de impostor; cumpria ser velhaco ou néscio para confessar a divindade da religião do crucificado. Que desconsolador dilema, Sr. Visconde! Quer-se que Chateaubriand e Lamartine (dois escritores franceses conhecidas pela sua produção poética de tema religioso), levados por coração e inteligência a sagrarem nos altares do Salvador, sejam hipócritas ou ignorantes!
Quer-se que sejam e tenham sido impostores ou mentecaptos os milhares de antigos mártires e os centenares deles que ainda hoje se deixam matar abraçados à cruz! Pois os sinceros e esclarecidos hão-de ser tão-somente aqueles que, sem rebuço, fazem praça da sua irreligião? Se destes há poucos ou muitos que se dispensem da Divindade de Jesus para serem honrados, é justiça isto para que se denegue a fé, consciência e ilustração aos que fervorosamente confessam as doutrinas reveladas pelos discípulos de Jesus Cristo?!


Parece-me que isto continua com uma apreciável actualidade. Além do mais, ajuda muito a fazer a leitura crítica quer da obra de Camilo quer da obra de Eça em geral e em particular de A Relíquia e do Suave Milagre. E até de outros autores modernos.
Quando se fala de Chateaubriand e Lamartine, podia-se falar também de A. Herculano e Almeida Garrett, que ambos têm poesia de tema religioso. Aliás, a abrir o livro, Camilo coloca em epígrafe uma frase dum poema de Garrett, ao lado de outra de Napoleão.

Dois contos de Natal

Foi feita uma reflexão partindo de dois contos de Natal, um de Leopoldino Mateus e outro de Sophia de Mello Breyner.