quinta-feira, 4 de junho de 2009

"Os Lusíadas", a batalha de Lepanto e D. Sebastião

Hoje vou recuar bastante no tempo, para o séc. XVI, pois pretendo falar da Batalha de Lepanto, que teve lugar em Outubro de 1571, e d’Os Lusíadas, que foram publicados no ano seguinte. O poema deve ter atingido a versão definitiva já no final do 1571, quando D. Sebastião, que nascera em 20 de Janeiro de 1554, ainda não teria completado 17 anos. Camões dedica-lho, mas fá-lo nuns termos que me parecem imperdoavelmente exagerados.
Rei desde os três anos, rei de facto desde os 14, D. Sebastião era em 1571 um jovem com um feitio não muito adequado à alta função que lhe cabia; mas repousavam sobre os seus ombros as esperanças de um Portugal independente, já que o próximo herdeiro do trono era o monarca castelhano. Era urgente que casasse, para poder ter herdeiros.
Face a estas condicionantes, é muito de estranhar o modo como Camões lhe fala na dedicatória da epopeia e depois nas estrofes finais do poema. Vamos recordar a dedicatória.
Depois de lhe chamar “bem-nascida segurança / Da Lusitana antiga liberdade”, o que estava certo, chama-lhe logo “certíssima esperança / De aumento da pequena Cristandade”, o que já não vinha muito a propósito, dadas as limitações económicas gritantes do país e as limitações do jovem rei. Mas o pior vem depois em catadupa: chama-lhe “novo temor da maura lança” (isto é, dos reinos mouros em geral, incitando-o à guerra), chama-lhe “poderoso Rei, cujo alto Império / O Sol, logo em nascendo, vê primeiro, / Vê-o também no meio do Hemisfério, / E quando dece o deixa derradeiro” (ao modo do que se dizia do seu tio Carlos V), e sobretudo diz do moço rei que se espera dele “jugo e vitupério / Do torpe Ismaelita cavaleiro, / Do Turco Oriental e do Gentio / Que inda bebe o licor do santo Rio”. Isto é, mostra-lhe um campo de acção guerreira que vai da África do Norte ao império otomano e a toda a Índia.
Isto é de facto autêntica loucura. E a proposta é confirmada, ao menos em parte, no final do poema, quando o poeta o incita o jovem rei à guerra no Norte de África, dispondo-se a cantar-lhe nova epopeia com os feitos bélicos que aí praticasse. O Rei acabaria por ir e ficar Alcácer-Quibir, perdendo o país a independência.
É difícil de não concordar com a gravidade destas incitações irresponsáveis à actividade bélica, ainda por cima saídas da pena de quem tinha algum conhecimento do que era o campo da batalha.
Eu creio que actualmente a tendência é para reconhecer que Camões é mais genial na Lírica (sonetos, canções, éclogas, redondilhas, etc.) do que n’Os Lusíadas. De facto, a meu ver, a epopeia não responde satisfatoriamente a muitas questões que lhe podem ser dirigidas.
Disse atrás que a epopeia há-de ter ficado pronta talvez no final de 1571, mas pelo menos alguns meses antes de vir a público, pois o trabalho tipográfico na altura devia ser muito lento.
Nesses meses a cristandade católica estaria sob o efeito da grande, da extraordinária vitória obtida em Lepanto, em Outubro de 1571.
O sultão de Constantinopla prometia entrar a cavalo pela Basílica de S. Pedro, que então ainda não estaria bem terminada. A sua soberba era uma ameaça a que era urgente pôr algum cobro.
Depois de muitas negociações e dificuldades, lá se reuniu uma frota para enfrentar os turcos. A batalha decorreu junto a Lepanto, a sudeste da Grécia. Comandou a armada D. João de Áustria, um parente próximo de D. Sebastião, pois era filho, embora bastardo, do irmão da sua mãe, Carlos V. A frota turca era comandada por Ali-Pachá, que foi morto. A vitória católica foi grandiosa. Nem é bom pensar nas consequências que uma derrota poderia ter provocado…
A minha ideia é a de que Camões terá acreditado que D. Sebastião iria gozar, nas aventuras militares, duma protecção divina semelhante à que possibilitara a decisiva vitória do seu primo D. João de Áustria. Assim, certas afirmações da dedicatória fariam muito sentido; sem isso, não vejo que sentido façam.
Sobre a batalha de Lepanto, contam-se coisas extraordinárias. Por exemplo, que Nossa Senhora teria sido vista sobre a frota turca numa atitude que não augurava nada de bom; que o Papa Pio V, em Roma, sem receber notícia nenhuma de Lepanto, por altura da vitória, teria convidado os cardeais a irem agradecer com ele a Deus o êxito católico. A essa batalha está também associado o incremento da oração mariana do terço.
Encontra-se na Internet muita informação sobre a Batalha de Lepanto.

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