sábado, 24 de setembro de 2011

Igrejas antigas - conclusão

Regresso hoje ao tema das igrejas pequeninas e antigas. Às três de que já falei, Santagões, Ferreiró e Parada, acrescento agora mais três: Formariz, Rio Mau e Laundos.
Aparentemente, construíram-se nesses tempos recuados dois tipos de igrejas: umas, a maior parte, muito simples, constituídas apenas por um pequeno edifício quadrangular, utilitário, porventura coberto a colmo, e outras com manifesto investimento artístico, como foi o caso de Rio Mau, Amorim e Rates, talvez a Junqueira.
As guerras, a princípio, e as sucessivas pestes limitaram o crescimento demográfico, tornando desnecessárias as ampliações. Mas é de supor que, no século XVI, elas se tenham iniciado, a ponto de não ter chegado até nós nenhuma ou quase nenhuma nas suas dimensões originais. Apesar de tudo, há algumas que são tão pequeninas que não devem estar muito longe do que foi o seu início.
A antiga igreja paroquial de Formariz é muito pequena e, visto a freguesia ter sido anexada já há séculos a Touguinha (antes de passar para Vila do Conde), terá parado no tempo. Possui algumas raridades, desde a imagem medieval do padroeiro à cruz processional e pia baptismal quinhentistas. Não tem campanário propriamente dito, apenas um sinozinho.
No concelho da Póvoa, interessou-me particularmente a igreja paroquial de Laundos, que não conhecia. Sofreu certamente ampliações relativamente à de origem, mas continua pequenina e muito simples. No interior, talvez há uns cem anos, substituíram uma talha antiga pela actual. A sua torre é um caso raro. É parecida com a de Rates, mas diferente ainda assim, pois não se encosta a nada. Segue um modelo que há-de ter sido muito comum e que aos poucos foi desaparecendo. O Mons. Manuel Amorim chama-lhe “um típico campanário setecentista”; remonta todavia apenas ao século seguinte, como escreveu um recente pároco local.
A igreja velha de Rio Mau, que foi ampliada no séc. XIV, ocupa o mesmo lugar e não deve ser muito diferente da de origem. Mas essa era uma igreja de mosteiro, por isso, mais artística. Notáveis algumas invulgares figuras em relevo nos tímpanos das portas e as arcas tumulares medievais no adro. É curiosa a torre, muito recente, sobre a porta do cemitério.
Deixando agora as  igrejas a que me referi atrás, a velha de Amorim tem uma história bem particular, bem se sabe, pois sofreu reconstrução em finais do séc. XVI, para o estilo maneirista. Mas como sobrevive lá uma cachorrada românica, ela deve dar uma indicação bastante precisa sobre o comprimento do pequeno templo original.
Esta igreja tem três naves, separadas por colunas; a sua talha é a mais antiga das vizinhanças. Entre outras curiosidades, há lá uma pintura de S. Tiago, de um pintor poveiro que assinou apenas por Lino; datou o seu trabalho de 1872. Quem quer que ele fosse, devia-se valorizar o homem, procurar outras eventuais produções suas. A torre é quadrangular, ao jeito moderno.
Há notícia de outras igrejas antigas que foram demolidas. O caso de Balasar é muito especial, já que houve na freguesia várias igrejas que hoje não existem mais: primeiro houve as de Gresufes e Lousadelo, que inteiramente despareceram; depois houve a do Casal, que também coexistiu com a de Gresufes. No século XVI, foi construída a do Matinho, que foi radicalmente alterada no séc. XVIII, sendo demolida aquando da construção da actual. A do Casal, que era medieval, foi demolida apenas em 1919. Devia ser muito pequena, pois as pessoas referem-se a ela apenas como capela. Se se conservasse, podia ser um testemunho sobre as dimensões das igrejas antigas.
Na Póvoa desapareceu a antiga ermida gótica e a anterior igreja da Misericórdia; em Vila do Conde foi demolida no século XVI a matriz primitiva. Uma outra que se sabe que foi demolida foi a de Touguinhó. No Outeiro Maior conserva-se ainda a anterior, muito antiga, mas com certeza repetidamente modificada e ampliada.
Quando a gente vê estas igrejas tão singelas e antigas e pensa que os caminhos de então eram veredas miseráveis, com troços intransitáveis em parte do inverno, que a área cultivada do mundo rural era muito mais pequena que a actual, percebe como a vida terá então sido de penosa subsistência, percebe melhor o esforço das comunidades de então para manterem os seus pequenos templos.
Verdadeiramente, isto leva-nos para um mundo, em relação ao qual sabemos muito pouco, só coisas vagas.

sábado, 10 de setembro de 2011

Igrejas antigas

No nosso arciprestado existem igrejas que são monumentos nacionais, igrejas monumentais mas não classificadas como monumentos nacionais, igrejas mais comuns e algumas igrejas muito humildes, muito simples e muito antigas também.
No mês de agosto, visitei algumas destas últimas, aquelas que poucos visitam e provavelmente muitos desconhecem. Hoje vou falar de três: da de Santagões, actualmente despromovida a capela mas que foi paroquial durante talvez sete séculos, da de Ferreiró, muito antiga também e que já foi um pardieiro cheio de silvas mas que depois foi restaurada, e da de Parada, ultimamente em reconstrução.
Estas três igrejas têm a particularidade de ficar todas na margem norte do Ave, próximas do rio.
Começo pela de Parada. Caso raro, certamente raríssimo, conhece-se a data da sua construção: ano de 952. O ano anterior ao primeiro documento que menciona pela primeira vez Vila do Conde e Via de Varzim. Esta data será aproximadamente a mesma das da maior parte das igrejas das freguesias do arciprestado, ficando de fora as paróquias criadas mais tarde, como a da Póvoa de Varzim, depois dividida em três; a de Aver-o-Mar, que se separou de Amorim; a da Aguçadoura, que se integrava em Nabais, e as Caxinas, que antes eram Vila do Conde. De facto, sabe-se que a maior parte das antigas já existiam em 1090. Embora o cristianismo já vigorasse por cá desde há muito, a organização paroquial como a conhecemos remonta a tempos posteriores à Reconquista.
Em 1090, Parada pagava anualmente ao Arcebispo um jantar ou certamente o equivalente em dinheiro ou géneros. Ora o nome Parada creio que designa mesmo a paragem para essa refeição. Na altura, talvez a paróquia fosse maior, para o que bastava que ainda não tivessem sido criadas as suas vizinhas. A verdade é que no tal documento de 952 chega-se a falar de baseliga, sem dúvida basílica, a propósito da igreja de Parada, o que poderá significar que ela fosse apenas um pouco maior que outras vizinhas ou nem isso, pois o significado das palavras varia muito ao longo do tempo.
A origem da pequena igreja da vizinha freguesia de Ferreiró deverá ser bem diferente. Enquanto na Vila de Parada a construção se deveu aos moradores, com algumas probabilidades, em Ferreiró, ela foi construção de algum nobre.
Por ocasião das Inquirições de 1220, regista-se, a propósito de Ferreiró, que juraram oito homens, incluído neste número o abade, e que não havia mais, excepto dois que estavam doentes. Esta informação coaduna-se bem quer com a pequenez da igreja quer com o que se conhece dos registos paroquiais, que nos dão a freguesia como muito pouco populosa. Por volta de 1900, escreveu-se sobre a igreja de Ferreiró o seguinte: "O seu aspecto é dos mais primitivos e singelos, sem torre nem galilé ou alpendre; não obstante, o pequeno âmbito deste pobre templo chegou de sobra para abrigar os fregueses durante as cerimónias de culto e para necrotério dos antepassados".
Esta igreja fica no centro dum descampado, que era o grande passal do abade local. O facto de a igreja ficar nesse descampado e no centro do passal, de a residência ser espaçosa e porventura ainda o facto de o pároco ter o título de abade, tudo poderá indicar que houve o cuidado obstar a que ele passasse penúria. Ora isto indiciará que andou por ali mão de gente abastada, nobre.
Na segunda metade do século XIX, houve um natural de Ferreiró que ascendeu a visconde, o Visconde de Santa Marinha da Trindade. Santa Marinha é a padroeira da freguesa e a palavra Trindade envia para uma capela local que ele ampliou a ponto de ficar muito mais espaçosa e rica que a igreja paroquial. Desde então, na prática a capela da Trindade ascendeu a paroquial e a pequena igreja paroquial caiu em ruína até ser recuperada há algumas dezenas de anos.
A igreja de Ferreiró tem um retábulo de talha no altar-mor. Poderá ser uma imitação recente de algo antigo, em pretenso estilo de talha nacional. Nas memórias paroquiais afirma-se implicitamente que a imagem da padroeira se encontra ao centro e que dos lados estavam imagens de S. António e de S. Francisco Xavier. Actualmente, a imagem da padroeira está ao lado e ao centro vê-se uma tela heterogénea, onde o primeiro lugar é ocupado por uma Nossa Senhora com a espada apontada ao coração, ao fundo representa-se um Purgatório e há ainda lugar para um S. Lourenço.
Em Santagões o retábulo, embora deva ter sofrido um grande restauro, aponta para uma composição que pode ter sido maneirista na origem. Ao fundo há como que uma base em toda a largura, ao centro está dividido em três secções verticais separadas por colunas e por cima há ainda como que um muito esbatido frontão. Na parte central vêem-se pinturas de dois anjos com instrumentos da crucifixão e ao cimo, numa outra pequena pintura, representa-se provavelmente S. Escolástica, irmã de S. Bento, a lembrar que a igreja tinha estreita ligação ao Mosteiro beneditino de Vairão.
Todas estas três igrejas são pequenas, todas são muito antigas, em nenhuma houve grande investimento artístico. A que faz melhor figura ainda é a de Santagões.