segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

"A Divindade de Jesus"

Antero de Quental e Eça de Queirós foram, entre os escritores mais conhecidos, os primeiros em cuja obra se verificou uma atitude marcadamente anticatólica e supostamente justificada em razões muito respeitáveis. A meu ver, eles foram apenas vítimas dum contexto cultural – filosófico, científico e tecnológico, social – que criou neles a ilusão de que o catolicismo não era mais defensável. Foi o tempo da agitação nascida da industrialização nascente e consequente proletarização das massas, o tempo de Marx, Feuerbach, Proudhon e outros, o tempo de Darwin, de Strauss e de Renan, etc. O tempo em que a esquerda lançou raízes.
Camilo, um pouco mais velho, embora saibamos que não foi de modo nenhum um cidadão exemplar, resistiu melhor à avalanche anticristã do momento. Mas mais, ele foi mesmo autor dum livro que tem por título A Divindade de Jesus, em que contesta Strauss e Renan, que negavam que em Jesus à humanidade se unisse a divindade.
Parece-me injusto que se fale tão pouco dele. Para os poveiros, ele tem até um atractivo muito particular, pois abre com um prefácio assinado pelo Visconde de Azevedo, datado da “Póvoa de Varzim, 3 de Fevereiro de 1865”. Esse Visconde, ao que parece, era tido como uma sumidade no tema.
Além desta referência à Póvoa, o ano de 1865 também merece atenção, já que é o ano em que estrondeia a chamada Questão Coimbrã, que opôs a juventude universitária de Coimbra ao establishment lisboeta e que, ao lado de outros aspectos mais positivos, iniciou a divulgação no país dos erros de vária ordem que então faziam furor na Europa.
Camilo já publicara dois anos antes o seu grande sucesso, o Amor de Perdição, pelo que era uma figura bem conhecida do público.
Quanto à nova obra, é notório que por um lado o escritor estava atento à actualidade e que por outro possuía um saber humanístico notabilíssimo; defende com entusiasmo e creio que com brilho a tese do título, de que Jesus é Deus.
Como conheço este livro muito pela rama, vou apenas ler um excerto em que Camilo se dirige ao Visconde de Azevedo. Escreveu ele:

O fervoroso desejo de entranhar a minha fé no ânimo de amigos bem inclinados, que se dispensavam dela, enquanto as miragens da vida, moça e enganada, lhes bastavam à lisonja de olhos, e o coração, de grado, se entregava à cadeia dourada das esperanças; - aquele fervoroso desejo, digo, foi grande parte no publicarem-se os argumentos com que eu respondia à filosofia indócil dos espantados da minha conversão (refere-se a uma primeira versão do livro, saída em artigos de jornal). Conversão chamavam alguns o que meramente devera chamar-se reflexão. A juízo de outros, a minha religiosidade era hipocrisia. Os amigos aguíam-me de inepto; os inimigos de impostor; cumpria ser velhaco ou néscio para confessar a divindade da religião do crucificado. Que desconsolador dilema, Sr. Visconde! Quer-se que Chateaubriand e Lamartine (dois escritores franceses conhecidas pela sua produção poética de tema religioso), levados por coração e inteligência a sagrarem nos altares do Salvador, sejam hipócritas ou ignorantes!
Quer-se que sejam e tenham sido impostores ou mentecaptos os milhares de antigos mártires e os centenares deles que ainda hoje se deixam matar abraçados à cruz! Pois os sinceros e esclarecidos hão-de ser tão-somente aqueles que, sem rebuço, fazem praça da sua irreligião? Se destes há poucos ou muitos que se dispensem da Divindade de Jesus para serem honrados, é justiça isto para que se denegue a fé, consciência e ilustração aos que fervorosamente confessam as doutrinas reveladas pelos discípulos de Jesus Cristo?!


Parece-me que isto continua com uma apreciável actualidade. Além do mais, ajuda muito a fazer a leitura crítica quer da obra de Camilo quer da obra de Eça em geral e em particular de A Relíquia e do Suave Milagre. E até de outros autores modernos.
Quando se fala de Chateaubriand e Lamartine, podia-se falar também de A. Herculano e Almeida Garrett, que ambos têm poesia de tema religioso. Aliás, a abrir o livro, Camilo coloca em epígrafe uma frase dum poema de Garrett, ao lado de outra de Napoleão.

Dois contos de Natal

Foi feita uma reflexão partindo de dois contos de Natal, um de Leopoldino Mateus e outro de Sophia de Mello Breyner.