sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

D. João V e o Convento de Mafra

D. João V, nascido em 22 de Outubro de 1689, faleceu em 31 de Julho de 1750; foi Rei de Portugal desde 1 de Janeiro de 1707: é uma figura controversa. A História chamou-lhe Magnânimo, isto é, generoso, mas muitos hoje transformam-no numa figura de farsa, burlesca.
Da sua magnanimidade aproveitou muita gente, especialmente a Igreja, que então eram quase todas as pessoas do país. Aqui nas redondezas contudo não sei bem identificar resultados significativos dessas benemerências. Talvez naquela belíssima igreja de S. Simão da Junqueira esteja dinheiro vindo deste rei. Na Matriz de Vila do Conde há seis retábulos de talha joanina, e joanina no caso refere-se a D. João V. Não que ele a pagasse necessariamente.
D. João V foi, ao menos em certo sentido, um homem de sorte. Os reis que o tinham precedido, desde D. João IV, tiveram de enfrentar as guerras da Restauração contra a Espanha, num contexto já de si de graves dificuldades financeiras. No tempo deste rei, essas guerras tinham terminado e começou a vir do Brasil ouro em quantias nunca vistas. Daí também a sua magnanimidade e o seu apoio à cultura.
Uma das nódoas que irremediavelmente macula a sua imagem foi a devassidão: ele deu-se aos amores mais inaceitáveis, a ponto de ter filhos duma freira e cortejar uma cigana.
Acusam-no de muito de perdulário, de gastador. Mas nisto já nem toda a gente é concorde. Historiadores muito conceituados discordam, dizendo, por exemplo, que D. João V precisava com urgência de melhorar a imagem exterior do país – que devia ser péssima – e que o fez com êxito. E é aqui que entra o caríssimo monumento artístico que é o Convento Mafra.
Os críticos hoje não regateiam elogios esta obra. E qualquer um de nós, se se der à contemplação daquela grandiosa fachada, das belíssimas imagens que adornam a frente da basílica, da magnífica galilé, do soberbo interior da mesma basílica, fica tomado de espanto. E há ainda a grandiosidade do conjunto, com os seus torreões, depois a belíssima biblioteca, etc.
O rei quis construir uma obra magnificente, que impusesse o país à consideração dos grandes da Europa, e conseguiu-o.
Muita gente sabe que existe um romance chamado Memorial do Convento e que esse convento é o de Mafra. Pagará a pena lê-lo para aprender a apreciar esta obra-prima do nosso barroco?
A resposta é não. No romance, achincalham-se o rei e a sua obra. Mas dum modo que atinge o rei na sua intimidade conjugal e familiar e portanto atinge a sua esposa, que era uma mulher muito culta e penso que irrepreensível, e atinge também a sua filha mais velha, D. Bárbara, que foi, além de muito culta, uma rainha de Espanha e esposa de sucesso.
Quem lê o romance nunca tem oportunidade de imaginar a fachada do convento, as imagens que a adornam, a galilé, a basílica, a biblioteca, etc. Mas tem oportunidade de ouvir as coisas mais humilhantes sobre D. João V, como se de relato verídico se tratasse.
D. João V construiu o convento em resultado duma promessa que fizera: já se passavam alguns anos desde que casara e não tinha filhos; então prometeu que, se obtivesse um herdeiro, ergueria em Mafra um convento para os frades arrábidos. E como teve não só uma menina, mas mais vários filhos a seguir, cumpriu com o que prometera.
A princípio, propôs-se construir uma pequena casa, para treze frades: era este o desejo dos arrábidos. Como mais adiante o rei ampliou o projecto, os frades, que eram de uma vivência conventual muito austera, dirigiram-se ao Cardeal fazendo-lhe ver que um amplo e majestoso convento ia contra os princípios da sua prática. Infelizmente, a queixa dos frades teve o seguimento mais errado, sendo-lhe respondido que o rei tinha direito a fazer obra tão grandiosa quanto desejasse.
Será que o Memorial do Convento regista este significativo pormenor histórico que tanto beneficia o nome dos arrábidos e que mostra um rei que ao fim e ao cabo não é logo assim tão gastador? Não. No romance, D. João V é o perdulário, a Igreja é constantemente objecto de humilhação.
Outro autor de esquerda que também dá uma imagem burlesca de D. João V é Bernardo Santareno, n’O Judeu.
Houve um filho do Magnânimo que foi arcebispo de Braga; chamou-se D. Gaspar. Manteve um estilo de vida principesco, mas foi homem moralmente aceitável.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

A homossexualidade ou sodomia

A homossexualidade ou sodomia não é uma realidade nova na história da humanidade. O texto mais antigo que conheço, e que a assinala e condena, é a narrativa do Génesis sobre Sodoma e Gomorra. Mas ela existiu entre os gregos e entre os romanos antigos. E na sua pior forma, a pederastia, isto é, a homossexualidade com crianças.
Um conhecido texto romano onde ela se encontra é o Satíricon de Petrónio, que é manifestamente uma obra de marginal. Entre os gregos, há o caso da poetisa Safo.
Mas ainda assim nas obras dos grandes literatos e pensadores, quer gregos quer romanos, tanto quanto é do meu conhecimento, ela não aparece. E estou a pensar em Homero, em Ésquilo e Sófocles, em Platão e Aristóteles, e em Cícero, Virgílio e Horácio, etc., etc. É caso para dizer: uma andorinha - Safo e Petrónio - não faz a Primavera.
A meu ver, a manifestação homossexual pode ter duas origens, numa debilidade congénita ou num ambiente de permissividade.
Parece que de facto há pessoas incapazes de assumir com o outro sexo uma relação saudável e que precisam de ser ajudadas para superarem essa deficiência.
Essa atracção homossexual agrava-se naturalmente em meios unissexuais, como era o caso dos exércitos tradicionais, onde ela foi duramente reprimida.
Não há modernidade nenhuma na homossexualidade. Modernidade, aquela modernidade que é a medida mais justa do relacionamento humano de todos os tempos, é promover uma saudável relação entre os homens e as mulheres.
A narrativa de Sodoma e Gomorra parece-me muito curiosa sob alguns aspectos.
A pouca moralidade de certos textos bíblicos antigos é de molde a escandalizar-nos: as filhas de Lot embebedam o pai para poderem ter filhos dele, Abraão aceita sacrificar o seu filho único, isto é, matá-lo (embora não chegue a fazê-lo), etc. De facto, isso testemunha a inegável antiguidade dessas narrativas, que apontam para meios muito primitivos. Ora é num contexto de tão grande tolerância moral que se encontra a condenação mais radical da homossexualidade.
A determinada altura, alguns dos homens de Sodoma são castigados com a cegueira. De facto que maior cegueira pode haver que um homem olhar para outro homem e querer relacionar-se com ele como se ele fosse uma mulher? E o mesmo vale para a mulher em relação às outras mulheres.
No final do episódio os sodomitas são todos queimados por um fogo vindo do céu.
A sodomia é uma derrota. Um homem é para a mulher um complemento e a mulher é um complemento para o homem. É assim a nível biológico e a um nível mais amplamente humano. E é esta complementaridade que a homossexualidade põe em causa. Mas põe por exemplo também em causa, no limite, o futuro da espécie humana.
E no presente ela alardeada principalmente em países onde a baixa natalidade já é um sério problema.
Ao longo das páginas da Bíblia, tanto quanto me lembro, as referências à sodomia, depois do Génesis, só voltam a ocorrer de passagem nas Cartas de S. Paulo; isto é, com origem no mundo helenista. Ao chamar-se-lhe sodomia (de Sodoma), ela é repudiada nos mesmos termos da condenação dos sodomitas antigos.
Quando estudei o Fr. João de Vila do Conde, pude verificar que em Cota, a cidade imperial do Ceilão, havia graves problemas de sodomia. Creio que se tratava dum caso lamentavelmente exemplar. Por um lado, a permissividade que lá reinava ao nível do casamento era enorme e, por outro, a sodomia fora introduzida no país pelos monges budistas, o que me parece que confirma o que entendo sobre o assunto: que um ambiente permissivo e unissexual é o meio natural onde a moléstia se desenvolve e medra.
Ao longo da história europeia os assomos de sodomia foram sempre decididamente condenados. Só recentemente, com o decréscimo da influência cristã, é que se começou a dar a inversão de valores que hoje conhecemos. Curiosamente ela parece apontar para um momento de decadência moral com semelhanças relativamente àquele em que ela se tornou mais notada quer no mundo grego quer no romano. Neste sentido, parece-me um muito mau sintoma.