domingo, 17 de junho de 2012

Construções do séc. XVIII


Hoje vou falar de algumas construções do séc. XVIII.
É comum que ao longo dos tempos se alternem períodos em que se constrói muito com outros em que se não constrói quase nada. Um mau momento económico ou um esforço bélico param as construções no país: sabemos o que o mau momento económico actual está a fazer às empresas de construção civil.
No séc. XVIII, ao menos depois das duas primeiras décadas, construiu-se muito.
A gente lembra logo o Convento de Mafra, que foi obra régia, mas foi também dispendiosíssima a reconstrução da Baixa Lisboeta pelo Marquês. E não foi obra feita em perspectiva exclusivamente utilitária; também há ali fausto.
Aqui nas nossas redondezas, impõe-se pela sua grandiosidade o Mosteiro de Santa Clara, aquela parte dele a que então se chamou os dormitórios novos. Tem algo de faraónico, de muito faustoso.
Mas há outras construções grandiosas, embora de muito menos impacto, pois os responsáveis por elas não dispunham de meios para mais. É o caso da Matriz da Póvoa de Varzim, que foi uma obra modesta, ao menos em termos comparativos. Bem menos modesta foi a Igreja da Lapa de Vila do Conde. De facto, a sua grandiosidade está sobretudo na fachada, com aquelas duas caríssimas torres. Já o corpo da igreja é muito simples.
Também no concelho de Vila do Conde, há a magnífica igreja do Mosteiro de S. Simão da Junqueira. Não há ali fausto exagerado, mas é uma óptima construção.
Em Braga, há ao menos dois edifícios que convém lembrar: os Paços do Município e voltada para eles uma nova ala do Paço Arquiepiscopal. Coisas grandiosas nos dois casos. E deve-se ter em conta que o arcebispo era então “senhor de Braga”, isto é, foi ele que os promoveu a ambas.
Já um pouco mais longe de nós, lembre-se o Paço Episcopal do Porto e o Mosteiro de Refojos de Basto. A gente não vê como podiam harmonizar-se o espírito evangélico e construções tão ricas, e de facto não conheço que alguma vez se tenha promovido a canonização de algum dos autores de dele.
Tendo-se construído tanto numa perspectiva de ostentação, construiu-se pouco numa perspectiva utilitária. Por exemplo, não se investiu na rede viária: estradas e pontes. A agricultura e a indústria ficaram mais ou menos como antes quando o afluxo do ouro do Brasil parou. Já tinha sido assim no séc. XVI.
Eu decidi falar das construções do séc. XVIII tendo em mente Balasar, que eu estudo desde há alguns anos. Ali também se construiu bastante, em edifícios bastante humildes, com uma excepção.
Ultimamente, conheci um documento de quase duas dezenas de páginas no qual se pede autorização para a construção, no lugar do Casal, da Capela da Senhora da Piedade. As diligências registadas foram iniciadas em 1734 e só terminaram em 1737. Quem pedia a licença era um balasarense residente no Porto, que era simultaneamente militar e sirigueiro: produzia e comercializava artigos de seda. Chamava-se António da Costa Soares. Esta capela foi demolida em 1919, pelo que se não pode dizer grande coisa dela.
De 1736, há um segundo documento, de menor dimensão, em que se pedia autorização para benzer a capela-mor da Igreja Paroquial. Fora reconstruída a capela-mor e foi reconstruído, talvez depois, o corpo principal da igreja. Esta igreja, que foi demolida em 1907, era também construção despretensiosa.
Sabe-se também que, pelo meio do século, vários particulares melhoraram as suas habitações, como o testemunham as inscrições que então se colocavam nas padieiras das portas, os lintéis. Cada um faz o que pode: estes balasarenses não podiam fazer obra aparatosa, mas pelo menos registavam ali a data da sua construção. Há lintéis sobretudo de meados do século.
Balasar teve então também uma obra aparatosa, embora de pequena dimensão – a Capela de Nossa Senhora da Lapa, na Quinta de D. Benta. É uma pena que o interior se tenha arruinado quase completamente e inclusive se tenham retirado elementos decorativos que lá se encontravam, mas o exterior está em bom estado. Manuel Nunes, o brasileiro que a construiu, conhecia com certeza bem várias das grandes construções dos poderosos do tempo e imitou-as ali. Foi uma construção rica. Isso via-se no interior e via-se na fachada, principalmente na porta. Em boa verdade, a riqueza desta capela tinha algo de humilhante para a Igreja Paroquial e para a Capela da Senhora da Piedade.
O século XVIII foi também o século da talha, que criava nas igrejas e mesmo palácios um mundo feérico, de maravilha, de irrealidade, de ouro.

Balasar e Fátima



Foi ainda há poucos dias que o Santuário de Fátima recebeu uma enchente de peregrinos e também foi há poucos dias que recebi um livro em inglês com o título de Fatima Prayerbook, Livro de Orações de Fátima. Vou por isso falar um pouco de Fátima, mas também de Balasar.
Um dia estava eu em Balasar a conversar com uma senhora que se pretendia muito conhecedora da biografia e da mensagem da Alexandrina e falou-se de Fátima. Ela quis logo dizer que era oportunismo tentar estabelecer uma ligação entre Fátima e Balasar. Mas não é assim: o próprio P.e Humberto, que era italiano, mas que conheceu bem a mensagem de Fátima e que se correspondeu longamente com a Irmã Lúcia, escreveu um livrinho com o título de Fátima e Balasar, Duas Terras Irmãs.
O principal ponto de contacto entre Balasar e Fátima é a Consagração do Mundo ao Imaculado Coração de Maria. A ligação entre as duas terras é a mais estreita no processo com que se desenvolveram as diligências para a Consagração e sobretudo no momento dessa Consagração, que correspondeu à celebração dos 25 anos das Aparições.
Mas o centenário das Aparições aproxima-se. De facto, elas ocorreram ainda no contexto do grande desvario da Primeira República. As perseguições a que os pequenos pastores foram sujeitos estão na directa sequência das ideias que levaram à extinção das Ordens Religiosas, à expatriação dos Jesuítas, à expulsão dos bispos das respectivas dioceses, etc.
Sobre este período, vou ler uma citação dum artigo escrito em 1923 pelo arcipreste António Gomes Ferreira, pároco de Terroso, mas natural de Balasar.
Começa por caracterizar os tempos que se seguiram ao golpe de estado republicano:

Os tempos foram passando e um dia rebentou a revolução de 5 de Outubro.
Os revolucionários por toda a parte perseguiam tudo o quer cheirasse a religião, espatifando tudo, arrastando tudo com uma fúria que dava a ideia que foram muitos manicómios que vomitaram para a rua os seus moradores. Tudo foi perseguido, mas nomeadamente os Jesuítas… Esses foram monteados como feras da pior espécie e passaram os trabalhos e as inclemências que se lêem com lágrimas nos Proscritos.
Por essa ocasião estava eu em minha casa de Balasar a tratar das vindimas e fui muito cedo para a igreja a fim de celebrar a Santa Missa e vir presidir aos trabalhos da minha casa.

Depois refere um caso acontecido com um Dr. Campos, sacerdote secular natural de Balasar que se fizera jesuíta:

E quando, depois de fazer a minha preparação, me dirigi à sacristia da Igreja para me paramentar, vi através dos vidros da janela um vulto que espreitava, cauteloso e com manifesto receio de ser descoberto.
Aproximei-me e reconheci o amigo de tantos anos, o Dr. Campos!
Corri logo à porta para lhe dar o abraço de saudade e certificá-lo de que ali, naquele remanso pacífico da nossa aldeia, ainda não tinha chegado a república, que estivesse sossegado.
O Dr. Campos contou os trabalhos que tinha tido para chegar ali da residência de Guimarães, onde se encontrava, sempre perseguido, na sua própria terra e pelos irmãos e patriotas.
Na sua freguesia, que tantas vezes lhe serviu de remanso, de paz e de conforto, ele encontrava sossego.

E para que se não pense logo que este arcipreste era um sacerdote pouco esclarecido, Rocha Peixoto chamou-lhe “exemplaríssimo sacerdote”, a propósito da colaboração que dele recebeu numa campanha de estudo da Cividade de Terroso.
1923, o ano em o arcipreste António Gomes Ferreira escreveu o seu artigo, foi o ano do ataque aéreo à Capelinha das Aparições, que profundamente a danificou.
E vou terminar com esta reflexão: há muita gente que se quer fazer passar por sabida e que tão exigente é com a Igreja, mas que não assume estes desmandos e depois escandaliza-se que ela tenha aceitado o Estado Novo bastante pacificamente. Mas se foi ele que lhe devolveu a liberdade que ela há um século não conhecia… Comemorar as Aparições de Fátima também deveria ajudar a conseguir isto.