sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A Fonte de S. Pedro, em Balasar

Tanto quanto sei, a Lenda de S. Pedro de Rates é a grande lenda do concelho. No de Barcelos há pelo menos duas belas e conhecidas lendas, a do Galo e a do Monge e o Passarinho, no de Vila do Conde há a da Abadessa Berengária e a da Menina do Merendeiro. No da Póvoa, esta será a mais célebre.
Quando eu trabalhei na Alemanha, há quase 40 anos, vi numa casa um galo de Barcelos. Isto é, embora nascido da lenda, o galo tornou-se quase um símbolo de Portugal. Uma lenda pode ser coisa muito interessante.
Rates é uma terra muito antiga e que portanto a lenda pode mergulhar raízes nessa remotíssima antiguidade.
Mas os estudiosos concluíram que não é possível estabelecer de momento nenhum facto histórico que se possa assinalar como estando na origem da lenda: não há qualquer documento escrito fidedigno, não há nenhuma memória arqueológica que ateste a favor do pretenso santo.
Postas as coisas assim, fica-se no campo da pura lenda.
Quando as pessoas recontam esta lenda, referem três espaços: o de Rates, o de Braga e o do monte de S. Félix. De facto há um outro, a Fonte de S. Pedro, em Balasar. Pode-se dizer que ele tem um papel mínimo na história, e é verdade. Mas quando se estudam casos como este, à partida, a atenção não pode desinteressar-se de pormenores.
Veja-se o que se escreveu cerca de 1700, isto é, há 300 anos sobre a Fonte balasarense de S. Pedro:
“Na aldeia do Casal está a fonte em que São Pedro de Rates estava de joelhos, bebendo, quando os tiranos vinham atrás dele, de Braga, para o matarem, e foi Deus servido de que o não vissem, estando patente à vista. Dizem que duas covinhas que tem são de seus santos joelhos. Vêm a esta fonte muitos enfermos de maleitas e, bebendo dela, voltam livres do achaque”.
Em 1736 as Memórias Paroquiais dão notícia da fonte nestes termos:
“Bebem os moradores duma fonte a que dão o nome de S. Pedro de Rates: há aqui uma pedra com uma pegada estampada, a qual dizem ser do Santo de que a fonte tomou o nome; e, tirando a pedra em certa ocasião, dizem secara de todo e não lançara mais água senão quando se lhe tornou a pôr. Tem o povo grande fé com esta água e dizem que bebendo-a tira as maleitas, de que há repetidas experiências”.
Em 1758, escreveu-se: “Há nesta freguesia, no lugar do Casal, uma celebrada fonte, chamada de S. Pedro, cuja água é milagrosa para os doentes de sezões e terçãs, como se experimenta bebendo-a com fé e devoção ao mesmo Apóstolo”.
Está-se no campo da pura lenda. Mas lenda por lenda, a versão do P.e Carvalho da Costa era mais maravilhosa e completa.

Cavidades em pedras com desenhos vagamente semelhantes a partes do corpo humano impressionaram as mentes populares, gerando lendas. Curioso é que estas sofreram por vezes adaptações com as mudanças de pensamento religioso. No caso da Fonte de S. Pedro de Rates também é possível que tenha havido adaptação de algo anterior, o que de modo nenhuma a desvalorizaria, bem ao contrário.
É curioso aliás que com o S. Félix de Laundos também houve uma metamorfose: afinal o S. Félix eremita local é apenas um conhecido mártir, natural de Gerona, na espanha. O próprio S. Pedro de Rates é também um rosto do Apóstolo S. Pedro…

D. Gil Sanches

Quem criou a Póvoa – Póvoa de Varzim, pois antes existia a Vila de Varzim – foi D. Dinis, que foi um grande trovador. Quem fundou Santa Clara de Vila do Conde foi D. Afonso Sanches, que foi trovador e foi senhor da Póvoa de Varzim.
Mas agora podemos falar dum terceiro trovador, chamado D. Gil Sanches, que foi criado em Laundos. A descoberta não é minha, pois eu li isto num dicionário de literatura.
D. Gil Sanches era filho bastardo de D. Sancho I, por ser filho de Maria Pais Ribeiro, ou a Ribeirinha, de muito triste memória.
Dele só nos chegou um poema, que nem sequer é de qualidade muito notável. Mas tem uma particularidade que o faz notado: a sua antiguidade. Deve ser de cerca de 1230 e isso leva a que seja dos mais antigos que se conhecem na nossa língua.
O trovador dirige-se a alguém que vem de Montemor-o-Velho e pede-lhe notícias da sua amada. Começa assim:

Tu que ora vens de Monte-Maior,
Tu que ora vens de Monte-Maior,
Digades-me mandado de mia senhor,
Digades-me mandado de mia senhor.

A seguir fala da sua grande paixão.
Tem depois uns versos semelhantes aos anteriores, mas que acrescentam alguma coisa nova:

Tu que ora viste os olhos seus,
Tu que ora viste os olhos seus,
Digades-me mandado dela, por Deus,
Digades-me mandado dela, por Deus.

A novidade está principalmente na menção dos olhos da amada, que a representam.
Montemor-o-Velho, como se sabe, fica próximo da foz do Mondego, não muito longe de Coimbra.
Nenhum dos trovadores que mencionei foi homem de grande préstimo: D. Dinis e D. Afonso Sanches tiveram filhos fora do casamento, D. Gil Sanches pelos vistos era padre e tinha amante…

Venha daí!

"Venha daí!" é uma rubrica quinzenal que possuo na Rádio Onda Viva, da Póvoa de Varzim. Vou colocar aqui os textos que lá apresento e que serão predominantemente de história local e literatura. É uma rubrica de carácter cultural, mas ligeira.