sábado, 29 de dezembro de 2012

A IGREJA ROMÂNICA DE RIO MAU


Depois de na vez passada ter falado da Igreja Românica de Rates, mal pareceria não dizer hoje alguma coisa sobre a Igreja Românica de Rio Mau. E é o que vou fazer.
A Igreja antiga de Rio Mau também foi igreja de mosteiro, de um pequeno mosteiro. Se o de Rates era dos beneditinos de Cluny ou cluniacenses, o de Rio Mau era dos cónegos regrantes de S. Agostinho. Se o primeiro sofria inevitável influência europeia, o segundo enquadrar-se-ia numa dinâmica mais nacional, mas, ainda assim, fora do monaquismo frutuosiano.
Convém também saber desde já que o Mosteiro de Rio Mau era da mesma ordem do de S. Simão da Junqueira. Havia assim dois mosteiros próximos de cónegos regrantes de S. Agostinho, um ao norte do Este, outro ao sul. O de S. Simão era mais antigo algumas décadas. Até dá para pensar se o de Rio Mau não resultaria duma espécie de dissidência de S. Simão da Junqueira.
A igreja velha de Rio Mau é mais pequena que a de Rates: nem admira, em Rates houve doações de príncipes. Rates tem três naves, Rio Mau apenas uma.
Quem olha de relance para os tímpanos dos portais principais de Rates e Rio Mau até lhe vê semelhanças, mas as diferenças são maiores que as semelhanças.
O tímpano da porta principal de Rio Mau tem ao centro um bispo. À sua esquerda e à sua direita, estão dois diáconos com livros abertos frente ao peito. O bispo é S. Agostinho e os diáconos representarão, mesmo que indirectamente, os cónegos regrantes. Como S. Agostinho é um dos principais doutores da Igreja, os livros dos diáconos devem aludir aos escritos do santo.
À esquerda de quem olha, no extremo do tímpano, está uma águia sob uma representação do Sol, e no outro extremo, um atlante que carrega a Lua; alguém os aproximava dos símbolos Alfa e Ómega com que Cristo é identificado no Apocalipse.
Como quer que seja, há aqui também, como em Rates, uma mensagem de regresso às fontes seguras do cristianismo.
Como em Rates, também em Rio Mau há duas portas travessas. No tímpano da do norte, pode-se ver a luta de dois seres fantásticos, creio que um grifo e um dragão. 
A capela-mor de Rio Mau é artisticamente notável. Interessa-me aqui apenas um capitel, o primeiro do lado sul, para quem olha do corpo da igreja. Há lá esculpido um segrel, um cantor medieval daqueles que andavam por feiras, palácios e castelos a ganhar a sua vida, cantando mas também contando. Atendendo ao que se vê nas outras faces do mesmo capitel, os entendidos aventam três hipóteses para o papel que ele ali desempenha. Lembro duas: ele evocaria o episódio conhecido como o desastre de Badajoz, em que D. Afonso Henriques foi feito prisioneiro do Rei de Castela, partiu uma perna e teve de pagar grande quantidade de ouro para recuperar a liberdade. A alternativa a esta hipótese, remete para um possível acontecimento local, não documentado, relacionável com os viquingues.
O restauro da Igreja velha de Rio Mau foi dirigido, em 1909, pelo pároco de Vila do Conde e grande historiador, Mons. José Augusto Ferreira. Em Vila do Conde e o seu Alfoz, ele não regista o facto, mas traz pelo menos algumas imagens da igreja, antes do restauro. Uma sobretudo mostra a existência de dois torreões sineiros frente à fachada principal e colados a ela. Era uma nódoa que urgia remover.
Foi certamente na sequência desse restauro que a freguesia levantou aquela original torre por cima da entrada do cemitério.
Os tímpanos e capitéis de Rio Mau levam a perguntar: não haveria também no Mosteiro da Junqueira tímpanos e capitéis semelhantes? Ele era mais rico, ele sobreviveu muito mais tempo…
O mais provável é que houvesse e que as sucessivas reconstruções os tivessem removido. Se calhar estão aproveitados em paredes do edifício da igreja ou da parte residencial.