segunda-feira, 1 de junho de 2009

Darwin e o poema bíblico da Criação

Em Fevereiro completaram-se 200 anos sobre o nascimento de Darwin, o homem a quem se atribui a teoria da Evolução das Espécies. Darwin, que a princípio quis ser clérigo, no final da vida definiu-se como agnóstico, mas não como ateu. Os primeiros capítulos da Bíblia descrevem poeticamente a criação, afirmando que ela se processou ao longo de seis dias. Mas a teoria evolucionista afirma que as espécies animais surgiram ao longo de um processo de milhões de anos. O próprio Darwin declarou que se pode ser ardente teísta, isto é, crente, e evolucionista, confirmando a afirmação com casos de seus contemporâneos célebres. Desde que se aceite Deus como criador e providência, cabe à ciência estudar depois o processo evolutivo na sua área. Falemos por isso do Poema da Criação, que ocupa as páginas iniciais da Bíblia. Ele foi escrito próximo do ano 550 a.C., na Babilónia, a capital mais avançada do tempo, quase 100 anos antes de Platão nascer, quando os judeus se encontravam aí em exílio. É um texto cosmogónico, que conta imaginosamente a origem do universo e dos muitos seres que ele contém. O Poema da Criação apresenta-se como a réplica hebraica ao mito babilónico da criação e pode ter desempenhado na liturgia de Israel um papel paralelo ao que desempenhava aquele mito no culto de Marduk, nas festas do Ano Novo. Vejamos as frases inicias do poema: “No princípio, Deus criou os Céus e a Terra. A Terra era informe e vazia. As trevas cobriam o abismo, e o Espírito de Deus movia-se sobre a superfície das águas. Deus disse: - Faça-se a luz! E a luz foi feita. Deus viu que a luz era boa e separou a luz das trevas. Deus chamou dia à luz e às trevas noite. Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o primeiro dia. Deus disse: - Haja um firmamento entre as águas para as manter separadas umas das outras. Deus fez o firmamento e separou as águas que estavam sob o firmamento. E assim aconteceu. Deus chamou céu ao firmamento. Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o segundo dia”. O poema organiza-se numa espécie de «estrofes» rematadas por uma espécie de «refrão»: «Assim surgiu a tarde e em seguida a manhã: foi o primeiro dia», etc. Além do «refrão», contêm-se nas «estrofes» outros elementos de repetição: «Deus disse», «E assim aconteceu», «E Deus viu que isto era muito bom». A repetição é um elemento comum em qualquer poema. O texto é redondo, já que se pode dizer que começa e acaba pela mesma expressão «os Céus e a terra». Conclui com um fechamento muito claro: “Esta é a origem e a história da criação dos Céus e da Terra”. Estruturalmente, é um texto independente do que se lhe segue. Houve um autor, de nome Gilberto António de Andrade, que considerou que o poema bíblico da Criação poderia ser «um dos mais belos poemas da humanidade». Texto litúrgico que é, possui natural pendor «dramático»; quanto posso imaginar, visa a «representação», pede actores. Está muito longe do vulgar texto narrativo. Tematicamente, trata-se, poder-se-á dizer, de um texto de combate: há um só Deus e não muitos, como considerava a perspectiva babilónica; Deus cria sem recorrer a nada anterior, a partir do nada, pela sua palavra e por gosto; o homem é inteligente, livre e criativo, «à semelhança» de Deus; Deus oferece-lhe o Universo como palco da sua acção; não há lugar para as divinizações reais, faraónicas ou imperiais; a dignidade do homem é universal, bem como a da mulher; o sentido da vida exprime-se de um modo mais completo no descanso sabático, um dia santificado, de adoração e gratidão para com o Deus que ama o homem e para quem tão generoso mostra. É um texto profundamente revolucionário, pois impõe mudanças radicais no modo de olhar o homem e o mundo face ao que se praticava na Babilónia ou no Egipto, e profundamente optimista: “E Deus viu que tudo era muito bom”.

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