quinta-feira, 16 de julho de 2009

Póvoa de Varzim e arredores na Idade Média II

Da vez passada falei da Idade Média aqui nos arredores, mas numa perspectiva muito geral. Hoje, volto ao tema, mas do ponto de vista das classes mais favorecidas, do Rei e dos nobres.
O Rei era então um grande proprietário rural: em qualquer terra havia propriedades reguengas, isto é, que lhe pertenciam, provavelmente por direitos muito antigos. Estes terrenos pagavam-lhe impostos em géneros e em dinheiro: pagavam-lhe em cereal, em aves, como capões ou patos, galinhas e os seus ovos; também se lhe pagava com carneiros e cabritos, com peças de carne, com fogaças. Os impostos tinham nomes como eirádiga, direituras, coimas, lutuosa, vida, etc.
Aqui perto, houve algumas pousadas reais. Foi o caso de Santa Cristina, em Touginha, de Vilar, em Bagunte, e de Gestrins, em Balasar. Nestes lugares, que ficavam à margem de vias mais movimentadas e sem dúvida antigas, algumas de origem romana, havia reguengos particularmente significativos. As pousadas reais, que seriam residências ocasionais, de passagem – o Rei se calhar não tinha propriamente residência fixa -, deixaram de ter qualquer interesse quando a corte se deslocou para sul; mas anteriormente, ao tempo dos nossos primeiros reis e dos seus antepassados de Leão, terão tido o seu ponto alto. Conservam-se documentos relativos à pousada de Santa Cristina, que mencionam a passagem do rei leonês por lá. É a única pousada real sobre a qual, em 1220, se fala de guardar aí “homens presos” e “homens em ferros”; em 1258, fala-se de “homens malfeitores ligados de ferros ou de tronco”.
Conhecem-se nomes de nobres que tiveram propriedades por cá ou mesmo residência. Afonso Sanches, esse fundou Santa Clara; já falei aqui de Gil Sanches, ligado a Laundos, e da cruel Ribeirinha. Mas há outros nomes mencionados a propósito destas terras, como um Paio Guterres, contemporâneo do Conde D. Henrique, vários descendentes seus, os Cunhas, que eram muito abastados e que se encontram quase por todas as freguesias; há até o caso dos Redondos, ligados ao castelo que houve em Terroso. Os Cunhas viviam um afã imparável de aumentar o património, sem olhar a meios, legítimos ou ilegítimos.
Eu gosto de referir os Correias, que aparecem em Balasar e freguesias limítrofes e na Aguçadoura, pois são gente que estudei. Também estudei os Ferreiras d’Eça, do Outeiro Maior, que foram donos do castelo de Terroso e senhores de muitas terras também em Amorim e que eram aparentados com os Cunhas; os seus nomes estão ligados ao Mosteiro da Junqueira e mais tarde ao Convento de S. Francisco de Vila do Conde.
Falando de nobres nestes tempos, não se pode deixar referir os “amádigos” e as “amas dos cavaleiros”. São coisas interligadas. Havia pelos vistos um direito antigo que permitia aos nobres que criassem crianças em terras reguengas passarem para si determinados impostos devidos ao Rei. Isto é que era o amádigo. Não sei se amádigo vem de ama, mas as Inquirições falam repetidamente das “amas dos cavaleiros”, que eram as mulheres que criavam esses filhos dos nobres. Os amádigos eram muito frequentes.
Há um documento medieval que menciona Santagões, uma freguesia extinta e integrada depois em Bagunte, que passou durante muito tempo por ser o documento mais antigo escrito em português. Mesmo não sendo o mais antigo, merece menção. Tem a ver com uma abadessa de Vairão.
Os tempos a que me estou a referir são os das últimas lutas contra os mouros em território que hoje é português. Às expedições guerreiras chamava-se fossado ou ferido. Vou agora ler uma cantiga, de um tal Martim de Ginzo ou de Grijó, por saber que o seu namorado, o amigo, vai para a guerra. À mãe a jovem chama madre.

Como vivo coitada, madre, por meu amigo,
Ca m’enviou mandado que se vai no ferido:
E por el vivo coitada!

Como vivo coitada, madre, por meu amado,
Ca m’enviou mandado que se vai no fossado:
E por el vivo coitada!

Ca m’enviou mandado que se vai no ferido,
Eu a Santa Cecília de coraçon o digo:
E por el vivo coitada!

Ca m’enviou mandado que se vai no fossado,
Eu a Santa Cecília de coraçon o falo:
E por el vivo coitada!

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