Os Maias têm um subtítulo que diz “Cenas da Vida Romântica”. De facto, apesar de o romance ser já pós-realista, a sociedade portuguesa era ainda romântica e havia de continuar a sê-lo. O Romantismo ajustou-se bem ao sentir popular, pois valorizava-o com as suas tradições, com os seus monumentos, com a sua língua, não hostilizava a religião, etc. Por isso a atitude romântica perdurou muito para lá dos limites que habitualmente se estabelecem a este período artístico. Daí também o subtítulo do romance.
Os Maias de Eça não são uma história de gente vitoriosa; pelo contrário, são uma história de gente que vai pouco à luta e se deixa vencer. Já para perto do seu final, Ega diz para Carlos, o protagonista: “Falhámos, menino, falhámos”.
Ninguém escreve uma história tão longa de derrota se não se sentir também derrotado: Eça havia de integrar em breve o grupo dos Vencidos da Vida. E não se esqueça que no grupo estava Oliveira Martins, que consumaria o suicídio depois de uma anterior tentativa falhada, e que Antero se suicidaria pela mesma altura, e até Camilo.
Sendo assim, não há que admirar que globalmente a obra seja de orientação negativa, pessimista. E é.
E por isso não vejo que seja obra especialmente aconselhável para a juventude. E não será aconselhável também pelo seu tamanho e dificuldade.
Vou-me fixar agora num seu episódio que em certo sentido é esclarecedor do derrotismo que o perpassa, o da corrida de cavalos.
Eça conta uma corrida de cavalos que decorre em Lisboa, para os lados de Belém, que na altura era um lugar muito despovoado. Foi aí, nas proximidades do Tejo, longe da cidade, que os organizadores, o Jockey Club, encontraram o mais aceitável espaço para improvisarem o seu hipódromo.
Está-se por 1876 e Portugal estaria a dar os primeiros passos no desporto entendido em sentido moderno, chamemos-lhe o desporto de massas. Um clube desportivo como o Sport Lisboa e Benfica vem de umas décadas mais tarde.
Talvez Eça pretendesse evocar a primeira corrida de cavalos feita em Portugal em moldes desportivos europeus. De facto, ela é sempre avaliada por comparação com o que se faz lá fora. E da comparação sai-se muito mal. Lá fora neste caso é a França e a Inglaterra, onde as pessoas eram muito mais ricas, tinham roupas adequadas para um evento destes, os prémios deviam ser mais atraentes, os cavalos de muito mais qualidade, os hipódromos bem preparados para o efeito. Havia uma tradição de corridas. Por cá as pessoas vão às corridas com roupas de missa ou desadequadas por outras razões, o hipódromo é pelintra, as bancadas são pelintras, os cavalos são fracos, chega a haver uma corrida de um só animal. Um fracasso.
Mas seria possível fazer melhor à primeira, numa Lisboa de poucas posses?
Eça não tinha necessidade de expor esta miséria nacional nas páginas do romance; fê-lo porque quis veicular através dele a sua perspectiva derrotista sobre o nosso atraso.
Mas há pior: fica-se com a sensação de que o país era incapaz de organizar um evento do género. Ou, alargando a perspectiva, de que era incapaz para o desporto. Isto não é gratuito, pois o que está em causa é justamente o desporto moderno, de massas.
Ora isto é falso: nós tivemos recentemente o Figo, temos o Ronaldo e o Mourinho, figuras de topo do desporto em qualquer lado. E já tivemos a Rosa Mota e o Eusébio, o Joaquim Agostinho e o Carlos Lopes. E somos bem capazes de organizar uma boa corrida de cavalos.
Quando chegamos à conclusão de que o autor falhou, passamos a distanciar-nos dele, a pôr-nos numa atitude de não-aceitação passiva, o que é muito desejável. Foi esta a atitude predominante do próprio Eça, que tantas coisas pôs em causa.
Alguns ouvintes poderão estar a pensar que estou a tratar um pouco mal o romancista poveiro. Mas não, basta lembrar A Cidade e as Serras, onde ele toma uma atitude oposta à d’Os Maias, de valorização do que é nacional.
E não foi só em relação a este episódio que Eça falhou muito. Que dizer, por exemplo, do modo como a figura feminina é tratada no romance ou do modo como aborda o tema da educação?
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