No seguimento da minha anterior conversa sobre o Amor de Perdição, vou hoje ler dois sonetos de Camões. Contam ambos breves histórias de amores de perdição. Aliás, em Camões o amor acaba quase sempre em fracasso.
O primeiro é um dos do ciclo da Dinamene, que foi uma chinesa por quem ele se apaixonou e que morreu na foz do Mecongue, na costa do actual Vietname, naquele naufrágio em que Camões sobreviveu, conseguindo ainda salvar o seu poema.
Neste soneto conta o poeta que, de noite, sonha com ela. Vê-a num descampado, à distância, e então corre para ela, mas sente que ela se afasta. Põe-se a gritar e então acorda. Conclui por isso que nem um breve e agradável engano pode ter.
Quando de minhas mágoas a comprida
imaginação os olhos me adormece,
Em sonhos aquela alma me aparece
que para mim foi sonho nesta vida.
Lá numa soïdade, onde estendida
a vista pelo campo desfalece,
corro par'ela; e ela então parece
que mais de mim se alonga, compelida.
Brado: Não me fujais, sombra benigna!
Ela (os olhos em mim cum brando pejo,
como quem diz que já não pode ser),
torna a fugir-me; e eu, gritando: Dina...
antes que diga mene, acordo e vejo
que nem um breve engano posso ter.
É um belíssimo poema.
O segundo soneto fala dum pescador chamado Aónio. Este estranho nome contém as letras com que então se escrevia João: é um anagrama. Também se passa de noite.
O pescador está só, na praia. É tudo comum em seu redor: o movimento das ondas, o silêncio da noite, o sossego da terra e do céu… mas Aónio está atormentado pelo desaparecimento da sua amada, que pode ser a mesma Dinamene do soneto anterior. Então grita às ondas que lha devolvam. Mas recebe como resposta só o silêncio e o alheamento de tudo.
O céu, a terra, o vento sossegado...
As ondas que se estendem pela areia...
Os peixes que no mar o sono enfreia...
O nocturno silêncio repousado...
O pescador Aónio, que, deitado,
onde co vento a água se meneia,
chorando, o nome amado em vão nomeia,
que não pode ser mais que nomeado:
- Ondas – dizia – antes que Amor me mate,
tornai-me a minha Ninfa que tão cedo
me fizestes à morte estar sujeita!
Ninguém lhe fala, o mar de longe bate;
move-se brandamente o arvoredo;
leva-lhe o vento a voz que ao vento deita.
Este é o soneto da solidão e da incomunicabilidade das coisas.
O último verso é um achado: aqueles quatro vv parece que nos fazem ouvir o vento.
Eu chamei-lhes sonetos de perdição e parece-me que não me enganei.
Eu não tenho nenhuma anedota de Camões para contar. Mas vou leu este curto e célebre poema:
Esparsa.
Ao desconcerto do Mundo
Os bons vi sempre passar
No mundo grandes tormentos;
E pera mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado:
Assim que, só pera mim,
Anda o mundo concertado.
terça-feira, 17 de março de 2009
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1 comentário:
gosto muito dese poema quando de minhas magoa
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