Depois de na vez passada ter falado da
Igreja Românica de Rates, mal pareceria não dizer hoje alguma coisa sobre a
Igreja Românica de Rio Mau. E é o que vou fazer.
A Igreja antiga de Rio Mau também foi
igreja de mosteiro, de um pequeno mosteiro. Se o de Rates era dos beneditinos
de Cluny ou cluniacenses, o de Rio Mau era dos cónegos regrantes de S.
Agostinho. Se o primeiro sofria inevitável influência europeia, o segundo
enquadrar-se-ia numa dinâmica mais nacional, mas, ainda assim, fora do
monaquismo frutuosiano.
Convém também saber desde já que o
Mosteiro de Rio Mau era da mesma ordem do de S. Simão da Junqueira. Havia assim
dois mosteiros próximos de cónegos regrantes de S. Agostinho, um ao norte do
Este, outro ao sul. O de S. Simão era mais antigo algumas décadas. Até dá para
pensar se o de Rio Mau não resultaria duma espécie de dissidência de S. Simão
da Junqueira.
A igreja velha de Rio Mau é mais pequena
que a de Rates: nem admira, em Rates houve doações de príncipes. Rates tem três
naves, Rio Mau apenas uma.
Quem olha de relance para os tímpanos
dos portais principais de Rates e Rio Mau até lhe vê semelhanças, mas as
diferenças são maiores que as semelhanças.
O tímpano da porta principal de Rio Mau
tem ao centro um bispo. À sua esquerda e à sua direita, estão dois diáconos com
livros abertos frente ao peito. O bispo é S. Agostinho e os diáconos
representarão, mesmo que indirectamente, os cónegos regrantes. Como S.
Agostinho é um dos principais doutores da Igreja, os livros dos diáconos devem
aludir aos escritos do santo.
À esquerda de quem olha, no extremo do
tímpano, está uma águia sob uma representação do Sol, e no outro extremo, um
atlante que carrega a Lua; alguém os aproximava dos símbolos Alfa e Ómega com que Cristo é
identificado no Apocalipse.
Como quer que seja, há aqui também, como
em Rates, uma mensagem de regresso às fontes seguras do cristianismo.
Como em Rates, também em Rio Mau há duas
portas travessas. No tímpano da do norte, pode-se ver a luta de dois seres
fantásticos, creio que um grifo e um dragão.
A capela-mor de Rio Mau é artisticamente
notável. Interessa-me aqui apenas um capitel,
o primeiro do lado sul, para quem olha do corpo da igreja. Há lá esculpido um
segrel, um cantor medieval daqueles que andavam por feiras, palácios e castelos
a ganhar a sua vida, cantando mas também contando. Atendendo ao que se vê nas
outras faces do mesmo capitel, os entendidos aventam três hipóteses para o
papel que ele ali desempenha. Lembro duas: ele evocaria o episódio
conhecido como o desastre de Badajoz, em que D. Afonso Henriques foi feito
prisioneiro do Rei de Castela, partiu uma perna e teve de pagar grande
quantidade de ouro para recuperar a liberdade. A alternativa a esta hipótese,
remete para um possível acontecimento local, não documentado, relacionável com
os viquingues.
O restauro da Igreja velha de Rio Mau
foi dirigido, em 1909, pelo pároco de Vila do Conde e grande historiador, Mons.
José Augusto Ferreira. Em Vila do Conde e
o seu Alfoz, ele não regista o facto, mas traz pelo menos algumas imagens
da igreja, antes do restauro. Uma sobretudo mostra a existência de dois
torreões sineiros frente à fachada principal e colados a ela. Era uma nódoa que
urgia remover.
Foi certamente na sequência desse
restauro que a freguesia levantou aquela original torre por cima da entrada do
cemitério.
Os tímpanos e capitéis de Rio Mau
levam a perguntar: não haveria também no Mosteiro da Junqueira tímpanos e
capitéis semelhantes? Ele era mais rico, ele sobreviveu muito mais tempo…
O mais provável é que houvesse e que as
sucessivas reconstruções os tivessem removido. Se calhar estão aproveitados em
paredes do edifício da igreja ou da parte residencial.