sábado, 29 de dezembro de 2012

A IGREJA ROMÂNICA DE RIO MAU


Depois de na vez passada ter falado da Igreja Românica de Rates, mal pareceria não dizer hoje alguma coisa sobre a Igreja Românica de Rio Mau. E é o que vou fazer.
A Igreja antiga de Rio Mau também foi igreja de mosteiro, de um pequeno mosteiro. Se o de Rates era dos beneditinos de Cluny ou cluniacenses, o de Rio Mau era dos cónegos regrantes de S. Agostinho. Se o primeiro sofria inevitável influência europeia, o segundo enquadrar-se-ia numa dinâmica mais nacional, mas, ainda assim, fora do monaquismo frutuosiano.
Convém também saber desde já que o Mosteiro de Rio Mau era da mesma ordem do de S. Simão da Junqueira. Havia assim dois mosteiros próximos de cónegos regrantes de S. Agostinho, um ao norte do Este, outro ao sul. O de S. Simão era mais antigo algumas décadas. Até dá para pensar se o de Rio Mau não resultaria duma espécie de dissidência de S. Simão da Junqueira.
A igreja velha de Rio Mau é mais pequena que a de Rates: nem admira, em Rates houve doações de príncipes. Rates tem três naves, Rio Mau apenas uma.
Quem olha de relance para os tímpanos dos portais principais de Rates e Rio Mau até lhe vê semelhanças, mas as diferenças são maiores que as semelhanças.
O tímpano da porta principal de Rio Mau tem ao centro um bispo. À sua esquerda e à sua direita, estão dois diáconos com livros abertos frente ao peito. O bispo é S. Agostinho e os diáconos representarão, mesmo que indirectamente, os cónegos regrantes. Como S. Agostinho é um dos principais doutores da Igreja, os livros dos diáconos devem aludir aos escritos do santo.
À esquerda de quem olha, no extremo do tímpano, está uma águia sob uma representação do Sol, e no outro extremo, um atlante que carrega a Lua; alguém os aproximava dos símbolos Alfa e Ómega com que Cristo é identificado no Apocalipse.
Como quer que seja, há aqui também, como em Rates, uma mensagem de regresso às fontes seguras do cristianismo.
Como em Rates, também em Rio Mau há duas portas travessas. No tímpano da do norte, pode-se ver a luta de dois seres fantásticos, creio que um grifo e um dragão. 
A capela-mor de Rio Mau é artisticamente notável. Interessa-me aqui apenas um capitel, o primeiro do lado sul, para quem olha do corpo da igreja. Há lá esculpido um segrel, um cantor medieval daqueles que andavam por feiras, palácios e castelos a ganhar a sua vida, cantando mas também contando. Atendendo ao que se vê nas outras faces do mesmo capitel, os entendidos aventam três hipóteses para o papel que ele ali desempenha. Lembro duas: ele evocaria o episódio conhecido como o desastre de Badajoz, em que D. Afonso Henriques foi feito prisioneiro do Rei de Castela, partiu uma perna e teve de pagar grande quantidade de ouro para recuperar a liberdade. A alternativa a esta hipótese, remete para um possível acontecimento local, não documentado, relacionável com os viquingues.
O restauro da Igreja velha de Rio Mau foi dirigido, em 1909, pelo pároco de Vila do Conde e grande historiador, Mons. José Augusto Ferreira. Em Vila do Conde e o seu Alfoz, ele não regista o facto, mas traz pelo menos algumas imagens da igreja, antes do restauro. Uma sobretudo mostra a existência de dois torreões sineiros frente à fachada principal e colados a ela. Era uma nódoa que urgia remover.
Foi certamente na sequência desse restauro que a freguesia levantou aquela original torre por cima da entrada do cemitério.
Os tímpanos e capitéis de Rio Mau levam a perguntar: não haveria também no Mosteiro da Junqueira tímpanos e capitéis semelhantes? Ele era mais rico, ele sobreviveu muito mais tempo…
O mais provável é que houvesse e que as sucessivas reconstruções os tivessem removido. Se calhar estão aproveitados em paredes do edifício da igreja ou da parte residencial.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Sobre a Igreja Românica de S. Pedro de Rates


Há alguns meses fiz umas leituras sobre a Igreja de S. Pedro de Rates que me impressionaram. Na base delas vou hoje falar do tímpano do portal principal desta igreja.
Às vezes parece que há a ideia de que na Idade Média as pessoas eram todas cristãos praticantes e exemplares. Mas o nosso rei D. Afonso Henriques teve vários filhos fora do casamento, D. Sancho I a mesma coisa, D. Afonso III foi muito pior, D. Dinis foi também muito fraco marido. Se abrirmos o chamado Cancioneiro da Biblioteca Nacional, que é um livro muito grande e com poesia dos séculos XII, XIII e XIV, por cada cantiga decente que lá se encontra deve haver meia dúzia delas obscenas, ou mais. Nas Inquirições há comuns informações de roubos e às vezes de assassínios.
De facto, chegou-nos muita notícia de maldades que então se cometiam.
Ora o tímpano da Igreja de S. Pedro de Rates, que datará de cerca de 1220, parece um programa de ataque a este estado de coisas.
Ao centro, vê-se Cristo em Majestade ou o Pantocrátor, Cristo vencedor, ladeado pelos apóstolos S. Pedro e S. Paulo, o primeiro papa e o primeiro grande propagador do Cristianismo. Sob os pés de Cristo e dos apóstolos jazem dois homens, que os entendidos identificam como Ario e Judas. Ario foi um heresiarca e a sua heresia vigorou algum tempo na Península, sob os suevos. Judas representa o judaísmo, que pode ter tido relevância no período visigótico.
Ora, segundo os mesmos especialistas da história da arte, a imagem de Cristo em majestade apresentá-lo-á de acordo com estas palavras de um salmo: “Disse o Senhor ao meu Senhor: Senta-te à minha direita enquanto eu ponho os teus inimigos sob o escabelo dos teus pés”. Deus Pai promete a Cristo colocar-lhe os inimigos sob os pés, isto é, derrotá-los.
A mensagem é clara, a vitória de Cristo no passado sobre Ario e Judas garante a sua vitória no presente e no futuro.
Em capitéis do mesmo portal, representa-se o Tetramorfo, isto é, os símbolos dos Evangelistas, o que indica que essa vitória passa pelo Evangelho, pela sua divulgação.
Não está aqui, ao menos directamente, uma mensagem guerreira, de luta pelas armas contra os mouros, embora possa incluí-la, mas é antes uma mensagem para dentro das comunidades cristãs, para irem às fontes genuínas.
No tímpano da chamada porta sul, representa-se o Agnus Dei, o “Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo”, do Evangelho de S. João, e o mesmo Cordeiro do Apocalipse, em cujo sangue os redimidos lavaram as suas vestes. E também aí terá estado representado o Tetramorfo.
Este segundo tímpano continua a mensagem do da porta principal, a do regresso ao Evangelho.
Sabemos que, apesar desta espécie de manifesto de luta, ali em Rates se desenvolveu a lenda de S. Pedro de Rates, a que andou associada a de S. Félix. E a lenda de S. Pedro de Rates teve um apêndice em Balasar. Em Bagunte, parece ser sobre uma lenda se criou a ermida da Senhora das Neves, em S. Clara de Vila do Conde houve a Lenda da Berengária e outras.
É mais difícil estar com os Evangelhos, de um tempo e uma cultura distantes, do que com uma piedosa lenda do nosso lugar.
Esta mensagem, em imagens tão toscas, trazida pelos monges franceses de Cluny, é surpreendentemente actual, convidando os cristãos a seguir o caminho da verdade evangélica, na certeza de que a vitória os espera.
Muito curioso é tudo isto.
Ouçam-se estas palavras de um crítico de arte sobre o tímpano que serviu de ponto de partida para esta reflexão:
Talvez o mais interessante dos tímpanos portugueses seja o de S. Pedro de Rates, mosteiro de refundação beneditina do séc. XII que teve uma importância primordial na difusão artística da Ordem no Norte de Portugal, bem como um papel decisivo na “normalização” teológica e litúrgica empreendida pelos Beneditinos cluniacenses no novo reino peninsular, facto que ajuda a explicar o tema do tímpano do seu portal principal.
Jorge Rodrigues, História da Arte Portuguesa, direcção de Paulo Pereira, vol. I, páginas 268-269.
rior

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Brevíssimo resumo d’Os Maias


Os Maias são uma antiga família nobre e muito abastada. Quando abrimos o romance, dela só subsistem o jovem Carlos da Maia, o protagonista, e seu avô, que viviam em Resende, na Quinta de Santa Olávia, e que se vão mudar para Lisboa após a formatura de Carlos em medicina e uma sua viagem pela Europa.
A seguir, faz-se uma retrospectiva da família (analepse) que começa nos anos revolucionários das décadas de vinte e trinta do séc. XIX (avós e pais de Carlos) e vem depois até à actualidade, em 1875. Esta retrospectiva ocupa os dois capítulos iniciais.
Depois, acompanhamos a vida de Carlos em Lisboa, onde vive com o avô. Seguimos-lhe a diletante vida profissional, os amores, vemo-lo nos serões no Ramalhete (residência dos Maias), nos encontros de café, nas visitas a casa de amigos, nas idas a Sintra, nas corridas de cavalos, no teatro... Carlos acabará por se amantizar com uma mulher luxuosamente vestida e notável figura que então aparece em Lisboa. Vem-se a descobrir que é uma sua irmã que se julgava ter morrido.
A libertinagem do neto provocará a morte do avô, Afonso da Maia. Carlos, com o seu amigo inseparável Ega, instalam-se num viver de celibatários inúteis e vencidos e rodeados dum conforto que a sua situação económica lhes proporciona.

Duas caricaturas de educação n’Os Maias


É conhecido o tema da educação n’Os Mais. Está lá em paralelo a educação do Carlinhos com as do Pedro da Maia e a do Eusebiozinho. Nos dois casos são apenas caricaturas de educação.
Na do Carlinhos, falta a presença activa do carinho materno: falta uma mulher de bom senso, que aparasse as asas a Afonso da Maia e promovesse uma séria educação moral e religiosa do pequeno. Que atitudes primárias ali se vêem! Que idiotice mergulhar o pequeno em água fria numa manhã de Inverno!
Nas do Eusebiozinho e de Pedro da Maia, falta o contributo dum pai responsável, que abrisse às crianças as portas para um mundo mais vasto.
Nem todas as mães são beatas, como as familiares de Eusebiozinho, pois há muita mais vida para além da beatice; nem todos os pais são comodistas, passa-culpas como Afonso da Maia, que se demitiu de educar o Pedrinho.
A esposa de Eça, por exemplo, que era católica praticante, era uma senhora cheia de bom senso, activa, uma educadora exemplar.
A educação de Carlos é um fracasso semelhante à do Eusebiozinho e à do Pedro da Maia, pois não o dotou dum sistema de valores que o conduzisse na vida e fizesse dele um cidadão útil. Como o Ega reconhece, Carlos falhou (e o Ega também). E não falhou devido ao meio ambiente, falhou desde jovem, pois desde jovem foi um boémio, dado a amores adúlteros, sem nenhum respeito pela instituição familiar, que é basilar numa sociedade.
Esta caricatura cheia de pessimismo coaduna-se bem com o vencidismo que se apossara de Eça, manifestado no grupo dos Vencidos da Vida, a que ele pertenceu, se é que não promoveu.
Se estas duas caricaturas da educação em Portugal representassem a realidade nacional do tempo, então nós descenderíamos dum ou doutro dos resultados fracassados delas, inevitavelmente idiotas como o Carlinhos ou o como o Eusebiozinho.

As loucas mulheres d'Os Maias


Os Maias são um romance bastante masculino, mas agora vamo-nos pronunciar sobre a qualidade humana das mulheres que nele figuram.
As mulheres deste romance são filhas directas do autor: é assim em qualquer história de ficção. Com excepção da irmã de Carlos, uma vítima das loucuras maternas, são todas caricaturas, o que as reúne num lamentável quadro, certamente ofensivo se tomado como retrato do panorama feminino português do tempo.
Vejamos uma lista, ainda que incompleta: Maria Eduarda Runa (“A sua devoção – a devoção dos Runas –, sempre grande, exaltara-se…”), Maria Monforte, Tia Fanny (um apêndice de Afonso que serve para diminuir a esposa deste), Gertrudes, a viscondessa (familiar de Afonso que aparece em S. Olávia), Ana Silveira, Eugénia Silveira, a Teresinha (“uma rapariguinha feia, amarela como uma cidra”), Mãe do Ega, Hermengarda, Encarnación, Raquel Cohen, a Gouvarinho, Maria Eduarda, a Mélanie, Miss Sara, a baronesa de Graben… a coronela dos Hussardos e Madame Rughel.
Podemos reuni-las em grupos. Assim, são aparentadas Maria Eduarda Runa, a viscondessa, Ana Silveira, Eugénia Silveira e a mãe do Ega. Como se trata de mulheres honestas, o autor caricaturou-as como beatas incorrigíveis e de vistas tão curtas que é de duvidar se tenham existido tais seres. São manifestamente estúpidas e velhas ou avelhentadas.
Depois temos o grupo da Maria Monforte e da filha Maria Eduarda. Conhecemo-las em jovens: são descritas como possuindo ambas uma beleza que estonteia. As aparições duma e doutra em Lisboa fazem grande alarido: são de facto também uma hipérbole.
Maria Eduarda Monforte, que era rica, começa sofrivelmente, mas carrega o mal que a há-de rebaixar: a desocupação e a leitura de literatura romântica. Lembrar Madame de Bovary.
A filha parecia mais equilibrada à partida, mas é empurrada para a miséria moral e também económica pelas loucuras da mãe. Envolvida mais ou menos em inocência no incesto com Carlos, resgatar-se-á depois.
Outro grupo é o da Raquel Cohen e da Gouvarinho. Estão ambas próximas da Maria Monforte ao não terem uma actividade útil a que se apliquem e ao deixarem-se deslizar para o adultério por divertimento: a Cohen fá-lo repetidamente, a Gouvarinho persegue Carlos com sofreguidão.
Em nível economicamente inferior, mas de semelhante jaez, está a Hermengarda. Também se aparenta com esta a Miss Sara.
A Encarnación e a Lola e outras são um grupo à parte, constituído por prostitutas jovens, ao serviço de homens sem escrúpulos que lhes desfrutam a juventude.
Nas corridas de cavalos, fala-se dum grupo feminino, que é rebaixado no aspecto físico, mas a que não é atribuída tão genericamente a vilania.
O que é confrangedor é que num conjunto feminino tão numeroso não surja uma mulher moral e socialmente aproveitável. Isto é tanto mais gritante quanto o autor tinha dentro das portas uma jovem esposa de ideias claras, cheia de equilíbrio, apaixonada, excelente mãe de família e devota quanto convinha.
Pode-se elogiar muito um romance assim?

quinta-feira, 19 de julho de 2012

O Tombo de Balasar de 1542


Há um documento balasarense contemporâneo da juventude de Luís de Camões e é dele que vou falar. Trata-se do tombo desta freguesia, que remonta a 1542.
O pároco de então chamava-se Manuel Gonçalves e, apesar de ter com certeza um rendimento invejável, queria fazer um registo preciso das fontes da sua receita, e foi isso que o levou a promover a elaboração do tombo.
O P.e Manuel Gonçalves deve constituir uma das manchas mais negras da longa lista dos párocos de Balasar, onde houve sacerdotes tão dignos como o P.e Leopoldino ou o depois arcipreste António Martins de Faria.
Este abade, como então se dizia, teve ao menos uma filha, Margarida Álvares, que está na origem da Quinta de D. Benta. E como conseguiu o pai as terras da nova quinta? Desanexando-as do Casal da Igreja. Isso não prejudicaria muito o rendimento dos párocos posteriores: as rendas que vinham dum caseiro passavam a vir de dois. E em breve a criação da Comenda de Balasar iria canalizá-las para os comendadores.
A década de 40 do séc. XVI é muito importante na história da Igreja pois foi então que ganhou força o movimento para a expurgar dos muitos abusos que se tinha tornado comuns. Este pároco é exemplo desses abusos, não da extirpação deles…
Em 1542, o arcebispo de Braga era um filho bastardo do Rei e tinha 22 anos de idade…
Não imagino por que artes, o abade de Balasar era então também abade não só de Gresufes, mas ainda de Gondifelos e de S. Marinha de Vicente. Mas devia sê-lo só para receber as rendas já que para as actividades propriamente paroquiais essas freguesias tinham um sacerdote.
Sendo assim, o Tombo de Balasar de 1542 é também o tombo de Gondifelos, mas isso a mim não me interessa pois só me ocupo com Balasar.
Na altura de se constituírem as paróquias, os nobres do tempo hão-de ter tido o cuidado de dotarem os párocos de rendimentos que lhes permitissem viver sem dificuldades de maior: as pessoas comuns seriam tão pobres que pouco poderiam contribuir para o seu sustento.
O Casal da Igreja de Balasar, que teria com certeza essa origem, era constituído por muitas propriedades, mas era só ele a pagar rendas ao pároco, os outros pagavam apenas o dízimo. Mas não era assim em Gresufes: aí, além do Casal da Igreja propriamente dito, de Gresufes, mais três casais pagavam tais rendas, o de Vila Pouca, o de Além e ainda um terceiro de fora da freguesia, o Casal de Crujes, em Santa Marinha de Vicente. Era muita renda! E tudo agora vinha para o abade Manuel Gonçalves.
Para minha surpresa, em 1542, a Igreja de Balasar parece que já estava no Matinho. Aparentemente, o conjunto principal das propriedades da paróquia nunca estivera nem no Lousadelo nem no Casal, onde se haviam construído as igrejas anteriores, mas ali no Matinho. Isso teria facilitado a construção da nova igreja, que precisava de ficar próxima de Gresufes.
Um aspecto interessante do Tombo de Balasar de 1542 é o registo dos limites da freguesia. É muito diferente dos dois tombos da Comenda: começa no sítio certo, na delimitação de Balasar com Gondifelos. Fora ali que noutros tempos a freguesia mais estreitamente contactara com o exterior. Depois passa a S. Marinha de Vicente, hoje Gondifelos, a S. Veríssimo de Pedrafita, hoje lugar de Cavalões, a Vilarinho, Fradelos, S. Martinho do Outeiro, Bagunte, Arcos, Rates, Macieira e finalmente Negreiros. Balasar é uma freguesia muito grande.
Esta delimitação identifica dois monumentos megalíticos, duas mamoas: uma nos limites de Balasar com S. Marinha de Vicente, próxima portanto do Castro de Penices, e outra que ficava próxima do ponto onde se encontram Balasar, Rates e Macieira.
Veja-se como era constituída parte habitada do Casal da Igreja de Santa Ovaya de Balasar:
“Primeiramente, uma casa sobradada, que tem uma sala e duas câmaras (quartos) e uma cozinha, todas telhadas. Outra casa telhada que serve de câmara. Pegado com o cabido (alpendre) da dita igreja, quatro casas térreas telhadas e uma delas colmaça (casas telhadas deveriam ser a residência e celeiros do pároco, a colmaça podia ser estábulo).
Uma casa colmaça (coberta a colmo) em que vive o caseiro. Um eido com duas cortes. Mais duas cortes de gado colmaças. Um pombal pegado com as casas. Um tapado que levará um quarto de semeadura, que serve de colmeias. Uma eira pegada com o adro e abaixo da eira um cortelho tapado sobre si que levará de semeadura um alqueire e meio”.
Camões também terá vivido numa casa colmaça? Com certeza não, em Lisboa vivia-se melhor.

domingo, 17 de junho de 2012

Construções do séc. XVIII


Hoje vou falar de algumas construções do séc. XVIII.
É comum que ao longo dos tempos se alternem períodos em que se constrói muito com outros em que se não constrói quase nada. Um mau momento económico ou um esforço bélico param as construções no país: sabemos o que o mau momento económico actual está a fazer às empresas de construção civil.
No séc. XVIII, ao menos depois das duas primeiras décadas, construiu-se muito.
A gente lembra logo o Convento de Mafra, que foi obra régia, mas foi também dispendiosíssima a reconstrução da Baixa Lisboeta pelo Marquês. E não foi obra feita em perspectiva exclusivamente utilitária; também há ali fausto.
Aqui nas nossas redondezas, impõe-se pela sua grandiosidade o Mosteiro de Santa Clara, aquela parte dele a que então se chamou os dormitórios novos. Tem algo de faraónico, de muito faustoso.
Mas há outras construções grandiosas, embora de muito menos impacto, pois os responsáveis por elas não dispunham de meios para mais. É o caso da Matriz da Póvoa de Varzim, que foi uma obra modesta, ao menos em termos comparativos. Bem menos modesta foi a Igreja da Lapa de Vila do Conde. De facto, a sua grandiosidade está sobretudo na fachada, com aquelas duas caríssimas torres. Já o corpo da igreja é muito simples.
Também no concelho de Vila do Conde, há a magnífica igreja do Mosteiro de S. Simão da Junqueira. Não há ali fausto exagerado, mas é uma óptima construção.
Em Braga, há ao menos dois edifícios que convém lembrar: os Paços do Município e voltada para eles uma nova ala do Paço Arquiepiscopal. Coisas grandiosas nos dois casos. E deve-se ter em conta que o arcebispo era então “senhor de Braga”, isto é, foi ele que os promoveu a ambas.
Já um pouco mais longe de nós, lembre-se o Paço Episcopal do Porto e o Mosteiro de Refojos de Basto. A gente não vê como podiam harmonizar-se o espírito evangélico e construções tão ricas, e de facto não conheço que alguma vez se tenha promovido a canonização de algum dos autores de dele.
Tendo-se construído tanto numa perspectiva de ostentação, construiu-se pouco numa perspectiva utilitária. Por exemplo, não se investiu na rede viária: estradas e pontes. A agricultura e a indústria ficaram mais ou menos como antes quando o afluxo do ouro do Brasil parou. Já tinha sido assim no séc. XVI.
Eu decidi falar das construções do séc. XVIII tendo em mente Balasar, que eu estudo desde há alguns anos. Ali também se construiu bastante, em edifícios bastante humildes, com uma excepção.
Ultimamente, conheci um documento de quase duas dezenas de páginas no qual se pede autorização para a construção, no lugar do Casal, da Capela da Senhora da Piedade. As diligências registadas foram iniciadas em 1734 e só terminaram em 1737. Quem pedia a licença era um balasarense residente no Porto, que era simultaneamente militar e sirigueiro: produzia e comercializava artigos de seda. Chamava-se António da Costa Soares. Esta capela foi demolida em 1919, pelo que se não pode dizer grande coisa dela.
De 1736, há um segundo documento, de menor dimensão, em que se pedia autorização para benzer a capela-mor da Igreja Paroquial. Fora reconstruída a capela-mor e foi reconstruído, talvez depois, o corpo principal da igreja. Esta igreja, que foi demolida em 1907, era também construção despretensiosa.
Sabe-se também que, pelo meio do século, vários particulares melhoraram as suas habitações, como o testemunham as inscrições que então se colocavam nas padieiras das portas, os lintéis. Cada um faz o que pode: estes balasarenses não podiam fazer obra aparatosa, mas pelo menos registavam ali a data da sua construção. Há lintéis sobretudo de meados do século.
Balasar teve então também uma obra aparatosa, embora de pequena dimensão – a Capela de Nossa Senhora da Lapa, na Quinta de D. Benta. É uma pena que o interior se tenha arruinado quase completamente e inclusive se tenham retirado elementos decorativos que lá se encontravam, mas o exterior está em bom estado. Manuel Nunes, o brasileiro que a construiu, conhecia com certeza bem várias das grandes construções dos poderosos do tempo e imitou-as ali. Foi uma construção rica. Isso via-se no interior e via-se na fachada, principalmente na porta. Em boa verdade, a riqueza desta capela tinha algo de humilhante para a Igreja Paroquial e para a Capela da Senhora da Piedade.
O século XVIII foi também o século da talha, que criava nas igrejas e mesmo palácios um mundo feérico, de maravilha, de irrealidade, de ouro.

Balasar e Fátima



Foi ainda há poucos dias que o Santuário de Fátima recebeu uma enchente de peregrinos e também foi há poucos dias que recebi um livro em inglês com o título de Fatima Prayerbook, Livro de Orações de Fátima. Vou por isso falar um pouco de Fátima, mas também de Balasar.
Um dia estava eu em Balasar a conversar com uma senhora que se pretendia muito conhecedora da biografia e da mensagem da Alexandrina e falou-se de Fátima. Ela quis logo dizer que era oportunismo tentar estabelecer uma ligação entre Fátima e Balasar. Mas não é assim: o próprio P.e Humberto, que era italiano, mas que conheceu bem a mensagem de Fátima e que se correspondeu longamente com a Irmã Lúcia, escreveu um livrinho com o título de Fátima e Balasar, Duas Terras Irmãs.
O principal ponto de contacto entre Balasar e Fátima é a Consagração do Mundo ao Imaculado Coração de Maria. A ligação entre as duas terras é a mais estreita no processo com que se desenvolveram as diligências para a Consagração e sobretudo no momento dessa Consagração, que correspondeu à celebração dos 25 anos das Aparições.
Mas o centenário das Aparições aproxima-se. De facto, elas ocorreram ainda no contexto do grande desvario da Primeira República. As perseguições a que os pequenos pastores foram sujeitos estão na directa sequência das ideias que levaram à extinção das Ordens Religiosas, à expatriação dos Jesuítas, à expulsão dos bispos das respectivas dioceses, etc.
Sobre este período, vou ler uma citação dum artigo escrito em 1923 pelo arcipreste António Gomes Ferreira, pároco de Terroso, mas natural de Balasar.
Começa por caracterizar os tempos que se seguiram ao golpe de estado republicano:

Os tempos foram passando e um dia rebentou a revolução de 5 de Outubro.
Os revolucionários por toda a parte perseguiam tudo o quer cheirasse a religião, espatifando tudo, arrastando tudo com uma fúria que dava a ideia que foram muitos manicómios que vomitaram para a rua os seus moradores. Tudo foi perseguido, mas nomeadamente os Jesuítas… Esses foram monteados como feras da pior espécie e passaram os trabalhos e as inclemências que se lêem com lágrimas nos Proscritos.
Por essa ocasião estava eu em minha casa de Balasar a tratar das vindimas e fui muito cedo para a igreja a fim de celebrar a Santa Missa e vir presidir aos trabalhos da minha casa.

Depois refere um caso acontecido com um Dr. Campos, sacerdote secular natural de Balasar que se fizera jesuíta:

E quando, depois de fazer a minha preparação, me dirigi à sacristia da Igreja para me paramentar, vi através dos vidros da janela um vulto que espreitava, cauteloso e com manifesto receio de ser descoberto.
Aproximei-me e reconheci o amigo de tantos anos, o Dr. Campos!
Corri logo à porta para lhe dar o abraço de saudade e certificá-lo de que ali, naquele remanso pacífico da nossa aldeia, ainda não tinha chegado a república, que estivesse sossegado.
O Dr. Campos contou os trabalhos que tinha tido para chegar ali da residência de Guimarães, onde se encontrava, sempre perseguido, na sua própria terra e pelos irmãos e patriotas.
Na sua freguesia, que tantas vezes lhe serviu de remanso, de paz e de conforto, ele encontrava sossego.

E para que se não pense logo que este arcipreste era um sacerdote pouco esclarecido, Rocha Peixoto chamou-lhe “exemplaríssimo sacerdote”, a propósito da colaboração que dele recebeu numa campanha de estudo da Cividade de Terroso.
1923, o ano em o arcipreste António Gomes Ferreira escreveu o seu artigo, foi o ano do ataque aéreo à Capelinha das Aparições, que profundamente a danificou.
E vou terminar com esta reflexão: há muita gente que se quer fazer passar por sabida e que tão exigente é com a Igreja, mas que não assume estes desmandos e depois escandaliza-se que ela tenha aceitado o Estado Novo bastante pacificamente. Mas se foi ele que lhe devolveu a liberdade que ela há um século não conhecia… Comemorar as Aparições de Fátima também deveria ajudar a conseguir isto.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

A Viscondessa de Azevedo

A Viscondessa de Azevedo era, naturalmente, a esposa do Visconde de Azevedo. E diz-se visconde e viscondessa, mas podia-se dizer conde e condessa, pois acabaram por ser elevados ao condado alguns meses antes de ele morrer.
Esta senhora nasceu a 6 de Agosto de 1804, aqui na Póvoa de Varzim. Era filha de José Carneiro da Grã-Magriço e de D. Francisca Henriqueta Coelho Fiúza Ferreira Marinho Falcão Sottomayor. Os pais eram gente com posses: fora o avô que reconstruíra a sua casa – aquela em que está o Museu – para o edifício que todos conhecemos.
A viscondessa porém ficou órfã de pai com ano e meio. Ele faleceu em Balasar, em 1806, certamente muito jovem. O assento de óbito tem algumas observações que merecem leitura. “Faleceu só com o sacramento da Penitência, administrado sub conditione, e Extrema-Unção, porque os cirurgiões lhe afirmaram a saúde, e a morte veio rápida, sem se esperar”. Pouco antes, o pároco convidara-o para os sacramentos, mas ele repondera “que ainda não estava nesses termos”.
“Foi sepultado dentro da Igreja, na sepultura imediata ao altar da Senhora das Dores”, acrescentou o pároco.
Deveria andar ainda nos vinte anos: não esperava acabar tão rápido!
Desconheço a data do falecimento de D. Francisca, a mãe da Viscondessa, que também foi sepultada em Balasar. De facto, há uma falha nos livros dos assentos de óbito desta freguesia e por isso não possuímos essa informação sobre muitas pessoas de lá. Mas era ainda viva em 1845, por exemplo.
É de crer que a viscondessa tivesse sido uma jovem muito atraente. De facto, entre os bens da sua fortuna e os do marido havia uma grande diferença, favorável a ele; os pergaminhos de nobreza do marido eram muito, muito mais impressionantes que os dela; e ele até era um pouco mais novo.
Casaram numa daquelas décadas terríveis da primeira metade do século XIX, em 1827. Quando ainda contaria por meses o tempo do seu casamento, foi servir nas fileiras de D. Miguel, o que há-de ter causado as maiores apreensões à sua jovem esposa.
Se a informação biográfica sobre o visconde não é muito abundante, a informação sobre a viscondessa ainda o é menos.
Há um documento de 21 de Agosto de 1830 assinado pelo casal que começa assim:
Francisco Lopes de Azevedo Velho da Fonseca de Barbosa Pinheiro Pereira de Sousa, Moço Fidalgo da Casa Real, Senhor de Azevedo e dos coutos de Mazarefes e Paradela, com minha mulher, D. Maria José Carneiro da Grã-Magriço, Senhora da Quinta e Prazo de Balasar, actualmente assistentes na nossa casa solar de Azevedo, etc.
Este importante solar de Azevedo fica na freguesia barcelense de Lama.
A Viscondessa faleceu com 81 anos, em 3 de Janeiro de 1886, no Porto, de uma “apoplexia fulminante”. Escreveu-se na altura que ela tinha um porte aprumado e vigoroso e que era senhora duma organização física “forte e enérgica, que parecia zombar dos anos”.
No testamento dispôs que o seu corpo fosse “envolvido em hábito de Santa Teresa (de Ávila), encerrado em caixão de chumbo e sepultado no jazigo da família que tem na freguesia de Balasar, deste concelho, onde repousam os restos mortais de sua mãe”.
Contrariamente ao seu desejo, D. Maria José Carneiro da Grã-Magriço não foi sepultada em Balasar, antes em Barcelos, “por a autoridade administrativa do Porto se opor a que fosse para Balasar, conforme era vontade da testadora”.
Entre as numerosas disposições do seu testamento, salientamos algumas: quis que o seu corpo fosse conduzido da sua residência para a igreja por quatro pobres, a cada um dos quais se daria significativa esmola. Não quis pompa nem música (certamente marcha fúnebre); e acrescentou: “igual ao do meu marido”. À Santa Casa da Misericórdia do Porto deixou um legado enorme, de 17 contos; à de Vila Nova de Famalicão, um mais modesto de 2 contos e meio. Mas beneficiou muitas outras instituições e pessoas singulares, várias da Póvoa e até os pobres de Balasar.
Esta freguesia, a quem ela, nas visitas à sua casa, ao túmulo dos pais, muitas vezes há-de ter espantado com as suas carruagens, criadagem e diversos equipamentos citadinos, tem para com ela uma dívida que a toponímia deveria saldar.

Evangelho de S. João

Nesta proximidade da Páscoa, vou dizer algumas palavras sobre o Evangelho de S. João.
Os Evangelhos não são todos iguais, não dizem todos o mesmo nem do mesmo modo. Entre o de S. Marcos e o de S. João, com os de S. Mateus e de S. Lucas pelo meio, há grandes diferenças.
Uma característica que marca o de S. João é o relevo dado a Jerusalém. Isto é, Jesus, segundo os outros evangelistas, ensina principalmente no norte, na Galileia. Era aí que ficava Nazaré, sua terra, era aí que ficava Cafarnaum, a cidade onde se instalou durante o seu ensino público, era aí que ficava o lago de Tiberíades ou Mar da Galileia, o Monte Tabor (da Transfiguração), eram galileus os apóstolos, foi aí que proclamou as Bem-Aventuranças, o Sermão da Montanha…
Por quaisquer razões, S. João teria uma relação especial com Jerusalém e isso reflecte-se no seu evangelho. E que importância tem?
Quando nós dizemos que o vida público de Jesus (o seu ensino) durou três anos, fazemo-lo a partir do Evangelho de S. João. Realmente, é este evangelista que narra três idas a Jerusalém pela Páscoa; os outros narram apenas uma. Teologicamente ele mais compacto, o que se coaduna com o ambiente judaico, mais apto a receber as verdades do Mestre. Os debates em Jerusalém são acalorados e com alto conteúdo teológico.
Há episódios célebres que decorrem em Jerusalém ou nas proximidades.
O da expulsão dos vendilhões do Templo é um deles. O Templo de Jerusalém, como tal, era um edifício de reduzida dimensão. Grande era uma área, podemos dizer que muralhada por fora e cercada de pórticos colunados por dentro, o chamado Átrio dos Gentios. A esse espaçoso átrio qualquer não judeu tinha acesso. E isto é importante pois marca a dimensão universal da adoração no templo: Deus é só um. Nas grandes festas anuais, esse átrio deveria tornar-se pequeno para acolher tanta gente. Segundo o episódio narrado por S. João, vendedores de animais para serem sacrificados e cambistas, que trocavam o dinheiro trazido pelos judeus da diáspora em moeda aceite pelas autoridades religiosas, tinham-se instalado lá. Jesus, num gesto que facilmente se adivinhava como profético, expulsou-os: o comércio era inteiramente inaceitável num espaço destinado à adoração.
A ressurreição de Lázaro não ocorreu em Jerusalém, mas nas proximidades. Foi um episódio que alarmou as autoridades do Templo, dominadas pelos conservadores saduceus.
Há um pormenor desse episódio para que quero chamar a atenção. Tem a ver com as irmãs Maria e Marta. Os leitores ou ouvintes da narrativa têm tendência a pôr-se do lado da activa Marta, mas Jesus elogia a menos activa, Maria, a contemplativa. Dentro do cristianismo, a acção não faz sentido sem a contemplação, sem antes escutar o que Deus quer que se faça e sem confiar que é sobretudo Ele que torna a acção produtiva. O que não for isso aproxima-se duma perspectiva pagã.
Claro que todos os evangelistas situam em Jerusalém a Paixão e Morte de Jesus e S. João também o fez, embora haja no seu evangelho ocorram pormenores muito originais.
Este evangelista não tem a narrativa da instituição da Eucaristia, embora tenha um texto importante eucarístico, que situa no norte, na Galileia e na proximidade da festa da Páscoa. No momento em que se esperaria a instituição da Eucaristia, coloca o evangelista o lava-pés e o discurso de despedida, que são duas das maravilhas do seu evangelho.
Tem o seu quê de surpreendente que a Última Ceia de Leonardo da Vinci retrate um momento desta despedida, onde, repito, não há a instituição da Eucaristia.
Já há muito tempo, chamei aqui a atenção para uma frase proferida por um guarda do Templo a quem tinha sido dada ordem para prender Jesus. A frase diz: “Jamais um homem falou assim”. Não foi frase proferida por um doutor da Lei ou por um alto membro da hierarquia sacerdotal, mas S. João achou que deveria guardar dela memória. Há hoje muitos homens sábios, não raro enfatuados, que pretendem negar a divindade de Jesus, reduzindo-o não só a um homem comum, mas até reinventando a narrativa evangélica. Não entenderam nada.
Não quero terminar sem dizer alguma palavra sobre o célebre prólogo do Evangelho de S. João, que noutros tempos era lido no final de todas as missas. Fazem-se lá afirmações do mais vasto alcance: “No princípio já existia a Palavra e a Palavra estava junto de Deus e a Palavra era Deus”. “E a Palavra se fez carne e habitou entre nós”. A Palavra é o Filho de Deus, que tudo diz sobre Deus Pai, que O revela. Que O revelou aos homens como amor.

Paulo de Cantos

Eu tenho vindo a abordar temas balasarenses, mas hoje vou tratar um que não tem a ver com Balasar. Vou falar dum professor que ensinou no Liceu poveiro há muitos anos e que se chamava Paulo de Cantos.
Um dia ouvi falar dele e até me mostraram vários livros que escreveu. Isso provocou-me alguma curiosidade uma vez que me vinha a interessar por professores do Liceu que tivessem deixado obra publicada. Então fui ler um artigo que o estudava no Boletim Cultural e dois que o Dr. Jorge Barbosa escrevera n’A Voz da Póvoa. Mais adiante, publiquei um pequeno artigo sobre Paulo de Cantos no jornal da ESEQ, a sucessora do Liceu, e muito recentemente abri um blogue onde coloquei informação sobre cerca duma dezena de professores da minha escola, entre eles o Prof. Paulo de Cantos.
Recentemente, uma associação de Lisboa, com patrocínio do Governo, da Secretaria de Estado da Cultura e da Direcção-Geral das Artes, promoveu umas Jornadas Cantianas. Cantianas, isto é, sobre Paulo de Cantos. Isto é surpreendente. Quem diria que um professor que ensinou na Fábrica do Gás ia merecer tal consagração? Mas não é tudo, na Capital Europeia da Cultura ele terá merecido uma exposição. Quer isto dizer que Paulo de Cantos está a ser redescoberto e muito valorizado.
O Prof. Paulo de Cantos nasceu em Lisboa (Ajuda) em 13 de Março de 1893 e aí faleceu em 9 de Abril de 1979. Segundo o Dr. Jorge Barbosa este professor, que era muito rico, frequentou as Universidades de Lisboa, Porto e Coimbra. “Dotado de grande inteligência, curiosidade e ânsia de saber e possuidor duma prodigiosa memória, fez vários cursos, concluindo licenciaturas em Matemáticas, Desenho, Físico-Químicas, Ciências Naturais e Biológicas, Línguas Românicas (Filologia Românica), segundo julgo, e ainda Cursos de Belas-Artes e até tirou, entre outros, um diploma em Vitivinicultura”.
Foi depois professor do ensino liceal, começando pelo Pedro Nunes (Lisboa) e posteriormente leccionou no Liceu Eça de Queirós, no qual passou a maior parte da sua vida professoral, chegando a ser reitor cerca de 10 anos.
Sobre a bibliografia do Prof. Paulo dos Cantos escreveu ainda o mesmo articulista:
É muito grande, complexa, original, singular e, porque não dizer, extravagante a bibliografia deixada pelo Dr. Paulo de Cantos.
Além do Dr. Jorge Barbosa, que publicou os seus dois extensos artigos n’A Voz da Póvoa em 16/9/93 e 14/10/93, também sobre este antigo reitor da nossa Escola escreveu Ney da Gama Simões Dias, no vol. XXXIII, de 1996/1997 do Boletim Cultural Póvoa de Varzim. Aí aproxima a produção artística do Prof. Paulo de Cantos do movimento alemão da Bauhaus.
As Jornadas Cantianas propunham-se apresentar, pela primeira vez, a obra (possível) do autor (livros, maquetas e objectos) ao público, convocando igualmente autores do design, tipografia e crítica cultural para um ciclo de conferências em torno de temáticas tangenciais à obra do autor.
A Paulo José de Cantos descrevem-no como “um ilustre desconhecido dos meandros bibliófilos, um prolífico pedagogo Povoense impelido pela publicação, banzado por tipografia, por acrósticos destravados e pelo universalismo da língua e da lusofonia. Paulo de Cantos foi um auto-editor de invulgares, idiossincráticos, inclassificáveis e imprudentes livros que povoam (cada vez menos) as prateleiras de várias lojas de alfarrabistas”.
Chama-lhe o primeiro surrealista português em grafismo, isto é, reconhecem-lhe a originalidade extravagante que já lhe notara o Dr. Jorge Barbosa.
A Escola Secundária de Eça de Queirós possui alguns livros da autoria do Prof. Paulo de Cantos provenientes da biblioteca do Mons. Manuel Amorim.
Eu vou terminar lendo uma anedota que o Prof. Paulo de Cantos contou, em 1934, na abertura do ano lectivo do Liceu ou a “ singular historieta de certo aldeão que tinha um bom pedaço de terra crua na sua freguesia”.
Um dia passou por lá um caçador da cidade, parou, observou-o e disse-lhe:
- Mas que rica terrinha você aqui tem! Isto naturalmente dá trigo!?
- Não senhor - responde o homem - não dá.
- Admira. Então milho dá, com certeza!
- Engana-se Bossa Senhoria, também não dá.
- Essa agora tem graça! Mas olhe lá, ó santinho, você já experimentou aqui alguma vez semear?
- Ora, ora, adeus! - retorquiu o patego - Pois semeando é claro que dá…
Os alunos naturalmente dão pouco ou nada, mas se trabalharem produzem.

As Fontainhas em Balasar

As Fontainhas são um lugar de Balasar que se destaca pelo aspecto urbano e moderno dos seus edifícios e pela expressiva presença de serviços: agências bancárias, postos de abastecimento de combustível, farmácia, cafés, etc. Mas não foi sempre assim. De facto as Fontainhas são um lugar recente. Foi a estação do caminho-de-ferro, criada em 1877, que deu o empurrão para que aquele ignorado lugar chegasse ao que chegou.
Que eram as Fontainhas até então?
Cruzavam-se ali duas estradas, ou antes, dois caminhos, um que ia dos lados de Barcelos para os do Porto, e vice-versa, outro que vinha dos lados de Famalicão para Rates e Vila do Conde. Coisa não muito significativa.
Tratava-se de um espaço não habitado. De facto, os assentos paroquiais não dão conta de que houvesse aí moradores, o que é confirmado pelos dois tombos da Comenda de Balasar. Estes documentos falam de uma venda, a venda do Torrão em 1608 e a venda do Feiticeiro em 1830. Mas a venda poderia ficar em terreno de Macieira de Rates, onde há o campo do Feiticeiro.
Se recuarmos, encontramos menção do lugar em documentos medievais, mas como realidade bastante vaga. Curiosamente, chamam-lhe Fontainha. A forma do plural será talvez devida a um erro da companhia do caminho-de-ferro, pois nunca tinha aparecido antes. Antes só ocorria a forma do singular.
Como já disse, a estação do caminho-de-ferro é que relançou o lugar. Mas uns dez ou vinte anos atrás, tinha sido aberta a estrada de Portas Fronhas para Guimarães, a Estrada Real n.º 31, como se lhe chamava. Sem ela, a estação do caminho-de-ferro não levaria o lugar aonde levou.
No final do caderno que em 1886 regista os eleitores de Balasar, documenta-se um gesto que se pode considerar simbólico: Manuel de Antas, chefe da estação das Fontainhas, reclama a inclusão do seu nome na lista. Era um lugar novo a exigir ser visto e ouvido, a mostrar que existia.
Nos cadernos seguintes, assinalam-se lá um vendeiro e um ferreiro. Mas a venda não era a do Torrão nem a do Feiticeiro, pois não ficava no limite da freguesia.
Em 1904, vem para chefe da estação das Fontainhas um homem muito culto e criativo, o Chefe Sá. Fundou um grupo cénico, uma tuna, um clube de tiro, promoveu a criação duma feira, etc. Elevou alto o nome do lugar, atraiu para ele as atenções. A tuna chegou a actuar em Famalicão, Guimarães, Amarante, etc., a feira chegou a chamar ali milhares de pessoas nos dias de feira grande.
Um genro do Chefe Sá deu também valioso contributo para engrandecer as Fontainhas; foi o Sr. José António de Sousa Ferreira. Iniciou aí a indústria e chegou a ser vereador. Se o sogro tinha sido mais artista, ele foi mais prático.
Das pequenas indústrias das Fontainhas ficaram célebres a Fábrica da Cal e uma Serração e Moagem. Para terminar por hoje, vou ler uns versos da “Descrição do Passeio Anual dos Empregados da Fábrica de Serração e Moagem de Fontainhas”, texto impresso. Devia-se estar nos anos quarenta. O passeio foi por Espinho, Aveiro, Batalha e Lisboa; no regresso veio-se por Leiria e Fátima. O versificador, a quem chamavam Celestino Miúdo, sabia pouco da sua arte, pois bastantes versos são mancos, pois não têm o número completo das sílabas; mas veja-se a chegada à capital:
Tudo ia satisfeito,
A viagem muito boa;
Às dez horas da noite,
Demos entrada em Lisboa.

Foi uma alegria
P’ra quem nunca tinha visto.
Só se ouvia perguntar:
“Ó paz, o que é isto?"
No regresso a Balasar, o autor faz esta divertida avaliação da viagem:
Todos vinham satisfeitos,
Na melhor harmonia;
Cantavam e dançavam
Com a maior alegria.

Mil e tal quilómetros
Andou a caravana.
O que mais me admira,
Ninguém tomar a carraspana.
Ninguém tomou a carraspana, todos vinham satisfeitos, acabou bem, foi bom. E eu termino aqui.

A propósito duma nota de Santos Graça

No livro O Poveiro, Santos Graça deixou esta nota sobre a Santa Cruz de Balasar e as siglas que existiam na porta da respectiva capela:
Estiveram em risco de se perderem as marcas existentes na Capela da Santa Cruz de Balasar, deste concelho. Aproximava-se o centenário do dia em que, segundo a lenda, apareceram gravadas no chão e no local onde se construiu a capela as três cruzes do Calvário.
A confraria do Senhor da Cruz resolveu caiar as paredes e pintar a porta do templo para que a Capela se apresentasse asseada em dia tão festivo e memorável.
Aqueles riscos e sarrabiscas feitos à faca ou a canivete davam, para os mesários, um mau aspecto à porta. E deliberaram emassá-la para que a pintura tivesse mais realce! Felizmente, o acaso levou-me àquela freguesia naquela época e a tempo de saber o que se projectava. Abeirei-me dos mesários e fiz-lhe a proposta, que foi aceite, de lhes dar uma porta de boa madeira por aquela, ao mesmo tempo que os esclarecia do merecimento daqueles riscos. Dias depois apareceram-me para me dizer que ficava sem efeito o contrato.
A porta ficaria na capela, tal qual estava com as marcas, apenas coberta  com uma camada de verniz para a sua conservação. Achei óptimo. A porta lá está, magnificamente conservada.
Foi louvável esta diligência, mas ele não andava muito bem informado: fala na lenda, ora o caso não era de lenda, mas de história; fala nas três cruzes, mas foi apenas uma.
Santos Graça fez ou mandou fazer um desenho das siglas que se viam na porta e foi bom porque a porta… Eu creio que ela existe, mas as gravuras estão quase apagadas, o que é manifestamente pena.
Está-se a preparar a comemoração dos 130 anos do nascimento deste poveiro. Seria bom que a comemoração fosse justa, isto é, que não fosse como a de quem faz um elogio, exaltando as qualidades e ignorando conscientemente os defeitos do elogiado.
Balasar, a Póvoa e o seu concelho têm todos graves razões de queixa contra o homem. No tempo em que era lugar-comum achincalhá-lo, as pessoas não eram desprovidas de senso. Chamavam-lhe o Amarelo e então gracejavam: Na loja do Amarelo, ao que se chama farinha deve-se chamar farelo. Ele esteve muitas vezes do lado errado.
Já aqui falei do caso do jornal Poveiro, que Santos Graças, há cem anos, levou a tribunal várias vezes, que censurou e que por fim fez encerrar; já falei dos arrolamentos – a nacionalização dos bens paroquiais – que ele dirigiu na qualidade de administrador; já falei do exílio do pároco poveiro que Santos Graça provocou… E, ao menos que eu saiba, pois nisso não me considero informado, nem a Ditadura Nacional nem o Estado Novo o beliscaram… Seria melhor que se homenageassem as vítimas de Santos Graça.
Ouçam-se estes versos, intitulados Não sai!... e publicados em 15 de Fevereiro de 1914, sem assinatura, n’ O Intransigente:
Sai do monte de Laundos
A água férrea e metais,
Sai o Afonso de ministro,
Só tu, Graça, não sais!

Saem mantas de Terroso
E d’Abremar batatais,
Os esterqueiros de Rates,
Só tu, Graça, não sais!

Da Estela saem pinhas,
Hortaliça de Navais,
Ezequiel de Beiriz,
Só tu, Graça, não sais!

Sai Malagueno da Câmara,
E da Junta o Magalhães,
Sai o Relvas de Madrid,
Só tu, Graça, não sais!

Sai do Governo “o das Ratas”,
Biológico, outros mais,
Só tu, caro Amarelo…
Não chores, que também vais!
No mesmo jornal, na semana seguinte, saiu um outro, que abria muito bem, mas que depois descaía em brejeirices. Tinha por título O Amarelo (Monólogo Carnavalesco) e começava assim:
O branco é cor da pureza,
O verde é cor da esperança:
Quem espera sempre alcança
O seu bem que anseia, belo.
Azul é a cor do céu,
Vermelho é a cor do sol,
Do formoso arrebol,
- Desespero… o Amarelo!

Os assentos paroquiais de Balasar no séc. XVIII

Afora a importante informação que se pode colher nos assentos paroquiais do século XVIII sobre os Grã-Magriços, o que mais impressiona neles é a morte de tantos balasarenses fora da sua terra, os baptismos de filhos de muitas mães solteiras, de enjeitados e as referências aos escravos.
Começo pelos escravos: teve-os Manuel Nunes Rodrigues, vários, e houve ainda a escrava Luzia, do Sargento-Maior, que residia no Porto e que certamente era do lugar do Casal.
Em 1753, uma escrava solteira de Manuel Nunes Rodrigues, chamada Natália, teve um filho. Com alguma ironia, chamaram-lhe Boaventura, que é o mesmo que boa sorte. Mas não se registou o nome do pai, o que não era de bom augúrio.
Da escrava Luzia, só se conhece o assento de óbito, que começa assim: Aos 9 dias de Novembro de 1763, faleceu da vida presente Luzia, escrava do Sargento Maior, morador na cidade do Porto, com todos os sacramentos. Uma nota lateral informa que se tratava duma escrava preta.
Os registos de baptismo de Balasar, ao longo do século XVIII, dão notícia de vários enjeitados. Oiça-se o começo de um: Aos doze dias do mês de Setembro de mil setecentos e dois, fiz os exorcismos a Maria, que enjeitaram na aldeia de Gestrim (sic), e trazia um escrito que dizia vinha baptizada.
Demo-nos ao cuidado de verificar nos assentos de baptismo de entre 1700 e 1710 os filhos de mães solteiras: em 192 baptismos, 16 eram de crianças de mães solteiras, o que corresponde aproximadamente a uma em cada dez, sobretudo se se acrescentar que houve dois baptismos de enjeitados. São muitas crianças sem pai identificado para uma freguesia que teria uns 500 habitantes. Assinalam-se casos de mães solteiras nos registos de baptismo, mas também nos de casamento e óbito.
Além da cobardia masculina de quem não assume a paternidade, esta chaga social que descarregava sobre a mãe, além da vergonha da situação criada e que lhe marcava o futuro, todas as canseiras e custos da criação dos filhos, alguma coisa há-de ter a ver com a emigração: devia ser desesperante para as jovens ver os rapazes da sua idade a desertar continuamente para outras paragens.
A situação manteve-se por muito tempo. Entre 1811 e 1821, em 153 baptismos, contam-se quatro filhos “naturais”, correspondentes a filhos de mães solteiras, e um exposto, correspondente a enjeitado.
O eldorado brasileiro que produziu um Manuel Nunes Rodrigues, que havia de dar Custódio José da Costa e mas tarde o comendador José Pedro dos Santos levou muitos balasareneses a tentarem a sua sorte do outro lado do Atlântico. Mas não só aí. Os registos guardam memória de homens que morreram nas “partes do Brasil”, no mar, em Lisboa e, em tempo de guerra, noutras paragens.
Havia um tipo de assentos que começava por estas palavras: “veio notícia certa”. Era o anúncio de que mais um balasarense enfrentara a morte longe da terra natal.
Certo Custódio, do Telo, faleceu nas partes da América no ano em que os EUA obtiveram a independência:
Veio notícia certa que Custódio, solteiro, filho que ficou de Domingos Ferreira, da aldeia do Telo desta freguesia de Santa Eulália de Balasar, faleceu nas partes da América, andando embarcadiço sobre as águas do mar, […]
Este Manuel também se finou muito longe: Veio notícia certa que Manuel, solteiro, filho que ficou de Domingos Manuel, da aldeia do Casal desta freguesia de Santa Eulália de Balasar, faleceu sobre as águas do mar, indo numa embarcação para as partes de Inglaterra, abintestado (sem testamento).
Noutros casos, a família mandava começar os sufrágios pelo familiar de quem desde há muito não havia notícia nem certa nem duvidosa: Aos sete dias do mês de Maio do ano de mil setecentos e cinquenta e oito, se principiaram a fazer aos bens de alma de Manuel, solteiro, filho que ficou de Miguel Domingues, da aldeia de Guardes desta minha freguesia de Santa Eulália de Balsar, por não haver notícia há mais de dez anos.
Se consideramos que estes assentos só mencionam os casos de emigrados com final trágico, para obter um número aproximado dos que partiam, devemos poder multiplicar o total por cinco ou até dez. E isto leva-nos a concluir que durante largo período emigraram muitos homens de Balasar. Mesmo muitos. Era uma verdadeira sangria.
Também se morria por afogamento no rio Este: Aos três dias do mês de Abril de mil setecentos e oito anos, faleceu António Álvares, de Gresufes, sem sacramentos, caiu ao rio: morreu afogado.
E desta vez termino aqui.

Ano de Balasar

Em 2012 completam-se 180 anos sobre a aparição da Santa Cruz de Balasar e 70 sobre a Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria, que foi pedida à Beata Alexandrina. Por esta razão, eu queria fazer deste ano no Venha daí! um ano principalmente de Balasar. Isto é, eu falarei repetidamente da história desta freguesia, sem esquecer a recordação daqueles dois grandes eventos.
Uma vez, uma conceituada professora de História do ensino secundário perguntou-me como é que se estudava a história duma freguesia. Curiosa a pergunta vinda de quem veio. Eu vou hoje falar dos caminhos que segui para estudar a história de Balasar, dos passos precisei de dar para esse efeito.
Antes de mais, é preciso conhecer Balasar, a sua geografia, digamos assim. É preciso conhecer os seus lugares, as suas casas principais, os seus caminhos, em especial os mais antigos, as suas estradas, o traçado da linha férrea, o relevo da freguesia, os hábitos do rio Este, etc. Isto ainda não é história, mas é condição prévia e imprescindível. O seu conhecimento vai-se naturalmente alargando à medida que se contacta com a realidade local.
Que fontes é que há disponíveis? Esta é que parece ter sido a questão da tal professora.
Há fontes mais gerais e outras mais particulares.
Nas primeiras, incluem-se documentos como o Censual do Bispo D. Pedro, do século XI, que dá algumas informações muito antigas sobre as freguesias; as Inquirições dos reis Afonso II, III e IV, respectivamente de 1220, 1258 e 1343. A partir de 1623, para Balasar, há os assentos ou registos paroquiais, disponíveis na Internet até cerca de 1900, que são uma fonte de informação abundante; depois temos as Memórias Paroquiais de 1736 e 1758 e a informação da Corografia Portuguesa, dos primeiros anos de 1700. De 1845, há os Inquéritos Paroquiais. Estas as fontes mais gerais.
Em termos de fontes mais particulares para Balasar, há na Internet o Tombo da Comenda, de 1831 (quase duas centenas de páginas), há os estudos publicados no Boletim Cultural sobre temas como a anexação de Gresufes, o Roteiro dos Culpados, os Grã-Magriços, aspectos etnográficos da freguesia e os estudos pioneiros do P.e Leopoldino e os seus noticiários; e há os livros paroquiais. Para tempos recentes, existe ainda a informação do Arquivo Municipal, a da imprensa poveira, etc.
Há também os livros sobre a Beata Alexandrina, os livros de poesia do pároco P.e António Martins de Faria, um livro dum poeta balasarense, um livro sobre marcos do concelho que naturalmente interessa a Balasar, um outro sobre património construído em Laundos, Rates e Balasar, etc. E devem-se explorar as fontes orais e a toponímia, as datas dos lintéis e cartelas das frentes das casas, as das ferragens das portas, sem esquecer de estar atento à dezena e meia de nichos de Alminhas ou outros, distribuídos por vários lugares, e às pontes (tão importantes para as populações).
Estudar a história de Balasar é então conhecer a freguesia tão bem quanto possível, explorar e ordenar tudo o que estas fontes podem oferecer, tendo sempre em conta os lugares, as casas e as pessoas que os habitaram, verificar as transformações operadas ao longo do tempo…
Quanto mais culta for a pessoa que se abalança a um estudo destes, mais sugestões descobre na documentação que lhe chega às mãos, porque a relaciona com os mais diversos acontecimentos.
É possível fazer apaixonantes descobertas neste campo de investigação ainda pouco explorado.
A professora que fez a pergunta sabia muitas coisas do país, da Europa, da Ásia, da África, das Américas, o que parece é que sabia pouco do que lhe era mais vizinho. E a verdade é que a escola não presta atenção a isto, com grave prejuízo para a cultura dos seus alunos, que se convencem que as suas terras não têm qualquer valor para a cultura. Se o tivessem, a escola falava-lhes disso, supõem eles.