segunda-feira, 15 de outubro de 2012

As loucas mulheres d'Os Maias


Os Maias são um romance bastante masculino, mas agora vamo-nos pronunciar sobre a qualidade humana das mulheres que nele figuram.
As mulheres deste romance são filhas directas do autor: é assim em qualquer história de ficção. Com excepção da irmã de Carlos, uma vítima das loucuras maternas, são todas caricaturas, o que as reúne num lamentável quadro, certamente ofensivo se tomado como retrato do panorama feminino português do tempo.
Vejamos uma lista, ainda que incompleta: Maria Eduarda Runa (“A sua devoção – a devoção dos Runas –, sempre grande, exaltara-se…”), Maria Monforte, Tia Fanny (um apêndice de Afonso que serve para diminuir a esposa deste), Gertrudes, a viscondessa (familiar de Afonso que aparece em S. Olávia), Ana Silveira, Eugénia Silveira, a Teresinha (“uma rapariguinha feia, amarela como uma cidra”), Mãe do Ega, Hermengarda, Encarnación, Raquel Cohen, a Gouvarinho, Maria Eduarda, a Mélanie, Miss Sara, a baronesa de Graben… a coronela dos Hussardos e Madame Rughel.
Podemos reuni-las em grupos. Assim, são aparentadas Maria Eduarda Runa, a viscondessa, Ana Silveira, Eugénia Silveira e a mãe do Ega. Como se trata de mulheres honestas, o autor caricaturou-as como beatas incorrigíveis e de vistas tão curtas que é de duvidar se tenham existido tais seres. São manifestamente estúpidas e velhas ou avelhentadas.
Depois temos o grupo da Maria Monforte e da filha Maria Eduarda. Conhecemo-las em jovens: são descritas como possuindo ambas uma beleza que estonteia. As aparições duma e doutra em Lisboa fazem grande alarido: são de facto também uma hipérbole.
Maria Eduarda Monforte, que era rica, começa sofrivelmente, mas carrega o mal que a há-de rebaixar: a desocupação e a leitura de literatura romântica. Lembrar Madame de Bovary.
A filha parecia mais equilibrada à partida, mas é empurrada para a miséria moral e também económica pelas loucuras da mãe. Envolvida mais ou menos em inocência no incesto com Carlos, resgatar-se-á depois.
Outro grupo é o da Raquel Cohen e da Gouvarinho. Estão ambas próximas da Maria Monforte ao não terem uma actividade útil a que se apliquem e ao deixarem-se deslizar para o adultério por divertimento: a Cohen fá-lo repetidamente, a Gouvarinho persegue Carlos com sofreguidão.
Em nível economicamente inferior, mas de semelhante jaez, está a Hermengarda. Também se aparenta com esta a Miss Sara.
A Encarnación e a Lola e outras são um grupo à parte, constituído por prostitutas jovens, ao serviço de homens sem escrúpulos que lhes desfrutam a juventude.
Nas corridas de cavalos, fala-se dum grupo feminino, que é rebaixado no aspecto físico, mas a que não é atribuída tão genericamente a vilania.
O que é confrangedor é que num conjunto feminino tão numeroso não surja uma mulher moral e socialmente aproveitável. Isto é tanto mais gritante quanto o autor tinha dentro das portas uma jovem esposa de ideias claras, cheia de equilíbrio, apaixonada, excelente mãe de família e devota quanto convinha.
Pode-se elogiar muito um romance assim?

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