Afora a importante informação que se pode colher nos assentos paroquiais do século XVIII sobre os Grã-Magriços, o que mais impressiona neles é a morte de tantos balasarenses fora da sua terra, os baptismos de filhos de muitas mães solteiras, de enjeitados e as referências aos escravos.
Começo pelos escravos: teve-os Manuel Nunes Rodrigues, vários, e houve ainda a escrava Luzia, do Sargento-Maior, que residia no Porto e que certamente era do lugar do Casal.
Em 1753, uma escrava solteira de Manuel Nunes Rodrigues, chamada Natália, teve um filho. Com alguma ironia, chamaram-lhe Boaventura, que é o mesmo que boa sorte. Mas não se registou o nome do pai, o que não era de bom augúrio.
Da escrava Luzia, só se conhece o assento de óbito, que começa assim: Aos 9 dias de Novembro de 1763, faleceu da vida presente Luzia, escrava do Sargento Maior, morador na cidade do Porto, com todos os sacramentos. Uma nota lateral informa que se tratava duma escrava preta.
Os registos de baptismo de Balasar, ao longo do século XVIII, dão notícia de vários enjeitados. Oiça-se o começo de um: Aos doze dias do mês de Setembro de mil setecentos e dois, fiz os exorcismos a Maria, que enjeitaram na aldeia de Gestrim (sic), e trazia um escrito que dizia vinha baptizada.
Demo-nos ao cuidado de verificar nos assentos de baptismo de entre 1700 e 1710 os filhos de mães solteiras: em 192 baptismos, 16 eram de crianças de mães solteiras, o que corresponde aproximadamente a uma em cada dez, sobretudo se se acrescentar que houve dois baptismos de enjeitados. São muitas crianças sem pai identificado para uma freguesia que teria uns 500 habitantes. Assinalam-se casos de mães solteiras nos registos de baptismo, mas também nos de casamento e óbito.
Além da cobardia masculina de quem não assume a paternidade, esta chaga social que descarregava sobre a mãe, além da vergonha da situação criada e que lhe marcava o futuro, todas as canseiras e custos da criação dos filhos, alguma coisa há-de ter a ver com a emigração: devia ser desesperante para as jovens ver os rapazes da sua idade a desertar continuamente para outras paragens.
A situação manteve-se por muito tempo. Entre 1811 e 1821, em 153 baptismos, contam-se quatro filhos “naturais”, correspondentes a filhos de mães solteiras, e um exposto, correspondente a enjeitado.
O eldorado brasileiro que produziu um Manuel Nunes Rodrigues, que havia de dar Custódio José da Costa e mas tarde o comendador José Pedro dos Santos levou muitos balasareneses a tentarem a sua sorte do outro lado do Atlântico. Mas não só aí. Os registos guardam memória de homens que morreram nas “partes do Brasil”, no mar, em Lisboa e, em tempo de guerra, noutras paragens.
Havia um tipo de assentos que começava por estas palavras: “veio notícia certa”. Era o anúncio de que mais um balasarense enfrentara a morte longe da terra natal.
Certo Custódio, do Telo, faleceu nas partes da América no ano em que os EUA obtiveram a independência:
Veio notícia certa que Custódio, solteiro, filho que ficou de Domingos Ferreira, da aldeia do Telo desta freguesia de Santa Eulália de Balasar, faleceu nas partes da América, andando embarcadiço sobre as águas do mar, […]
Este Manuel também se finou muito longe: Veio notícia certa que Manuel, solteiro, filho que ficou de Domingos Manuel, da aldeia do Casal desta freguesia de Santa Eulália de Balasar, faleceu sobre as águas do mar, indo numa embarcação para as partes de Inglaterra, abintestado (sem testamento).
Noutros casos, a família mandava começar os sufrágios pelo familiar de quem desde há muito não havia notícia nem certa nem duvidosa: Aos sete dias do mês de Maio do ano de mil setecentos e cinquenta e oito, se principiaram a fazer aos bens de alma de Manuel, solteiro, filho que ficou de Miguel Domingues, da aldeia de Guardes desta minha freguesia de Santa Eulália de Balsar, por não haver notícia há mais de dez anos.
Se consideramos que estes assentos só mencionam os casos de emigrados com final trágico, para obter um número aproximado dos que partiam, devemos poder multiplicar o total por cinco ou até dez. E isto leva-nos a concluir que durante largo período emigraram muitos homens de Balasar. Mesmo muitos. Era uma verdadeira sangria.
Também se morria por afogamento no rio Este: Aos três dias do mês de Abril de mil setecentos e oito anos, faleceu António Álvares, de Gresufes, sem sacramentos, caiu ao rio: morreu afogado.
E desta vez termino aqui.
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