Vou
falar de livros, mas de livros a que já aqui aludi, excepto um.
Parece-me que ninguém ou quase ninguém o
diz, mas a verdade é que o Google colocou em linha, isto é, na Internet, dois
livros do notabilíssimo vila-condense contemporâneo de Camões o P.e Manuel Sá. Não
colocou livros do José Régio nem do Antero de Quental, mas deste doutíssimo
jesuíta, que foi professor particular de S. Francisco de Borja, que colaborou
com S. Inácio de Loiola, que deixou três livros que foram uma referência
universal durante séculos. Se isto não é importante, não sei o que é
importante.
Outro livro a que também já me referi
aqui são as Distracções Métricas do
Visconde de Azevedo. Para o Google o digitalizar e colocar em linha, alguma
importância deve ter.
Mas é sobre um quarto livro que hoje me hoje
vou alongar, as Memórias para a História
de um Cisma, de Mons. José Augusto Ferreira. Também está em linha, mas em
texto, não como fotografia. E quem o colocou? A Universidade de Toronto, no
Canadá.
Este livro foi escrito há quase cem
anos, em Vila do Conde, por esse grande historiador que foi o autor de Vila do Conde e o seu Alfoz. Viviam-se então
as tiranias da República e ele evoca as tiranias liberais. As revoluções
republicana e liberal bebiam duma mesma fonte, a Revolução Francesa, não admira
que padecessem dos mesmos extremismos.
A digitalização das Memórias para a História de um Cisma é bastante deficiente e o
livro é grande, por isso não o li todo. Mas veja-se esta citação das páginas
502-3:
Na diocese de
Braga, que abrange todo o Minho (até à criação da diocese de Viana) e parte de Trás-os-Montes (até à
criação da diocese de Vila Real), foi
onde o scisma alimentado pelas dissenções politicas tomou proporções pavorosas.
Os actos
religiosos eram celebrados furtivamente pelas casas particulares; os fieis mais
escrupulosos retiravam-se dos templos na occasião em que alguns sacerdotes
elevavam a Hóstia sagrada á adoração publica; aos parochos de novo colados ou
encommendados era-lhes negada a obediência, que tinha de ser imposta pelo poder
civil; n'uma palavra, as coisas chegaram a tal ponto que as janellas d'algumas
casas, quer nas cidades, quer nas aldeias, fechavam-se quando alguns sacerdotes
novamente nomeados parochos conduziam o sagrado Viatico aos enfermos;
finalmente os padres, que não obedeciam ao Vigário Capitular, recusavam
assistir aos actos religiosos com os demais ecclesiasticos.
Repare-se nestas frases perfeitamente
aplicáveis à resistência ao cisma que por cá se verificou:
“Os actos religiosos eram celebrados
furtivamente pelas casas particulares”.
“Aos parochos de novo colados ou
encommendados era-lhes negada a obediência, que tinha de ser imposta pelo poder
civil”.
Isto está documentado para Terroso e
Rates.
Os padres, que não obedeciam ao Vigário
Capitular e que se recusavam a assistir aos actos religiosos com os demais
eclesiásticos são sem dúvida os falperristas, tão procurados por cá e de que
talvez tenha sido preso um, em Terroso, o egresso João Inácio.
Nova citação do Mons.
José Augusto Ferreira, pág. 514:
O dr. Manoel Pires de Azevedo Loureiro era, pois, um Vigário Capitular sem
missão nem successão legitima, e sem eleição canónica, portanto um intruso e
scismatico (desde 1834).
(…)
No principio do anno de 1836 o dr. Loureiro, que era deputado, partiu para
Lisboa, a fim de occupar o seu logar na Camara, e por isso delegou o governo da
diocese em seu irmão Dr. António Pires d' Azevedo Loureiro, que desempenhava o
cargo de Provisor.
Qualquer destes dois Loureiros, o Manuel
e o António, fez por cá estragos. O António, em 1839, nomeou o pároco de Terroso
para arcipreste. Mas fê-lo na condição de ele prestar juramento perante o
administrador do concelho. Ora o administrador, na qualidade de regedor de
Rates, fora, no anterior, condenado por crime de cisma, isto é, por resistir ao
cisma. Quando lhe aparece o padre cismático a pedir que lhe fosse deferido o
juramento, ele recusou na base de dois argumentos: a lei não o obrigava a
deferir-lho e ele, pároco de Terroso, não tinha qualidades para o cargo de
arcipreste. O administrador geral do Porto deu razão ao administrador da Póvoa.
Enfim, memórias de estragos e de
sofrimentos.