Recentemente visitei o museu de Rates:
foi para mim uma bela surpresa. Não me informei muito sobre as peças,
relativamente poucas, que estão em exposição, o que talvez ainda tente fazer um
dia. Mas o que não há dúvida é que nos mergulham num mundo muito antigo, não
raro mais antigo que a própria igreja românica.
Não sei o que os entendidos dizem sobre uma
rude estátua de bispo que lá se expõe, mas ela poderia ter originado a lenda de
S. Pedro de Rates. Coisa muito antiga, primitiva e expressiva! Ninguém duvida
de que se trata dum prelado. É claro que a lenda nem é muito antiga, pois pode vir
só do século XVI, quando aquela estátua já tinha 500 anos!
Se a gente se espanta a olhar para a
estátua do bispo, outro tanto acontece frente à estátua dum rei: espada ao
alto, coroa na cabeça, uma veste em túnica a chegar aos pés. Como surgiu ali,
que sentido lá faz?
Houve ali perto uma pousa real…
Na igreja é abundante a iconografia, o
que era comum no tempo. Quem fez umas esculturas pode ter feito as outras.
Nas traseiras da igreja há aquela
colecção de arcas funerárias. Devem remeter também para os primeiros tempos do
mosteiro. Trabalho igualmente primitivo.
Há-as também em Rio Mau, mas menos.
No museu encanta-nos ainda uma estela
romana, escultura lá para mil anos mais antiga que as estátuas do bispo e do
rei. É uma peça alta, bastante trabalhada, que uma utilização posterior não
terá mutilado muito. É sobretudo um eloquente testemunho do invasor romano e da
sua requintada civilização.
Também muito antiga é a custódia
paroquial local – não exposta no museu -, de quando já o mosteiro fora extinto.
Mas é também um testemunho da religiosidade da comunidade ratense. Ali ao lado,
em Balasar, há uma cruz processional do mesmo século.
No mesmo dia em que visitei
o museu de Rates, fui de novo ver o intrigante marco que assinala o ponto de encontro
das freguesias de Rates, Balasar e Arcos, a Pedra Negra de outros tempos. Chamaram-lhe
assim em 1258, nas inquirições, mas devia ser designação milenar. Em 1542,
quando o pároco balasarense mandou renovar o tombo, era a Pedra do Couto.
O facto de ter a face principal
voltada para o lado de onde nasce o sol pode apenas ter a ver com a sua função
original. Realmente, deve tratar-se de um menir e vir portanto do tempo das
mamoas que existiram nos limites de Balasar com Macieira e com S. Marinha de
Vicente, isto é, de cerca de 2000 antes de Cristo. A parte superior tem algum
carácter antropomórfico.
A palavra menir tem em
português como sinónimo a palavra pedrafita ou perafita. Ora, a nascente de
Balasar, houve S. Veríssimo de Pedrafita.
Há razões para crer que a
Pedra Negra teve um papel histórico notável, já em tempo dos romanos e depois
ao tempo dos visigodos. Não era por acaso que o Arcediagado de Vermoim
terminava em Guardinhas... era com certeza por causa da Pedra Negra. Isto está
documentado cerca do ano 1090.
À partida, parece que o
adjectivo negra, de Pedra Negra, pode ter origem em qualquer aspecto de
religiosidade primitiva ou rito mágico. Não é de excluir porém que aponte para
uma classificação geológica rudimentar: houve nas proximidades mais pedras
negras e ainda hoje se conhecem seixos brancos. Estes são grandes pedregulhos
brancos, dizem-nos que de quartzo. Conhecemos um de várias toneladas e outros
menores.
Em
1258, ao delimitar o reguengo de Agistrim (Gestrins), depois de falar da Pedra
Negra, faz-se menção também da Pedra Curveira. Esta ficava onde se encontram
Balasar, Macieira de Rates e Negreiros. O mais provável é que estas pedras
pré-existissem à criação das freguesias. Numa data que não deve estar longe de
1225, houve uma contenda entre os nobres que possuíam terras em Macieira e os
homens do reguengo de Agistrim. Quando se reuniam para tentar entendimento,
faziam-no junto à Pedra Curveira. A Pedra Negra, a Pedra Curveira, como
certamente a Pedra Aguçadoura, donde vem o nome à freguesia que fica a norte de
Aver-o-Mar, tinham naqueles tempos algum sortilégio, alguma magia que hoje se
desconhece.
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