Há tempos falei das torres do nosso
arciprestado e hoje volto ao tema. De facto, tomei conhecimento de alguma
informação que considero que merece ser acrescentada ao que tinha dito.
Em relação à igreja velha de Rio Mau, vi
uma fotografia de há 100 anos, de quando a restauraram, que mostra como que era
o pobre torreão sineiro dessa grande freguesia: coisa pobre e inestética. Ainda
por cima colocada na frente da fachada principal A fotografia vem em Vila do Conde e o seu Alfoz, do Mons. J.
A. Ferreira. A actual torre, moderna mas de imitação antiga, data dessa altura.
Como é sabido, há um quadro do século
XVII que mostra Rates e a paisagem envolvente. O que não mostra é nenhuma torre
na igreja. Mas houve uma, mais tarde, um pouco atarracada e que lhe ficava a
poente, junto à cabeceira. Foi justamente demolida.
Mas não foram estas duas breves
observações que me levaram a voltar a falar de torres, foi o livrinho de Gomes
dos Santos Da Estela com Saudades. Em
concreto, foi o que o autor lá escreveu sobre o demolido “campanilo” da terra.
Começo por esta palavra. Ela quer chamar
a atenção para o facto de aquela pequena torre ser, como muitas de Itália,
destacada da igreja, autónoma. Ao modo do torreão de Laundos.
O campanário da Estela serve de
ilustração da capa do mencionado livro; naturalmente o autor não o esquece na
sua exposição e descreve-o com pormenor. Vou agora tomar a liberdade de citar o
que lá se lê sobre “o campanilo da Estela”.
A Estela tinha um campanilo. Tinha; já não tem. Não era um campanário com a riqueza plástica e a exuberância dos campanilos de Giotto que por via de regra são ex-libris das cidades italianas onde foram construídos.Todavia era um torreão com sobriedade e imponência que dava boa conta dos vizinhos da Estela. Torreão quadrado, com cunhais de granito talhado a pico fino, encimados por pináculos de idêntica factura. Com frontões triangulares, encimando os triângulos equiláteros uma cruz também talhada a granito; a cruz sem figura e muito sóbria que também simbolizava de forma eloquente a alma dum povo e a época da construção. Nas faces norte, nascente e sul, com janelas em ogiva, lá estavam os três sinos, o grande, o do meio e o pequeno. A poente subiam as escadas por onde os rapazes iam tocar o sino, fazer “bamboar” o sino grande, tarefa que exigia muita força e muita perícia; e tinha os seus riscos.Os sinos são a marca duma terra; aquele campanilo era o verdadeiro ex-libris da Estela. Como se pode concluir por esta lenda que então se contava. Em Laundos os sinos avisavam “tem lêndea”… “tem lêndea”; os de Nabais: “matai-a”… “matai-a”; e os da Estela concluem: “c’um pau”, “c’um pau”. Como se vê, à semelhança de outras terras e da Candelária do Brasil, os sinos da Estela têm a sua lenda.
Como as da terra natal de Torga que tanto o impressionaram. Aqui, a versão onomatopaica da lenda conta assim: “tem lêndeas”… “tem lêndeas”… “se tem tira-as”… “se tem tira-as”.Os sinos repicam nos baptizados e festas Tocam de forma diferente consoante o acto litúrgico para que convidam.
Foi uma pena que a Estela tivesse
demolido este seu monumento.
A vida rural era antigamente muito
repetitiva e as pessoas viajavam pouco ou nada, a ponto de haver, diz-se, quem
nascesse, vivesse e morresse sem sair alguma vez da sua terra. Mas a sua
imaginação de analfabetos era como a nossa, embora tivesse pouco de que se
alimentar. Estas lengalengas dos sinos fazem-me lembrar algumas adaptações
vernáculas populares do latim litúrgico. Na ladainha chamava-se a Nossa Senhora
Janua caeli (Porta do Céu), e a
adaptação vernácula traduzia isto para “já não há céu”; Virgo clemens (Virgem clemente) dava “vira o creme”. Etc. E vem
isto a propósito do desaparecido campanilo da Estela.
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