Em Fernando Pessoa há vários poemas
divertidos. Vou falar de alguns, mas outros ficarão de fora. Começo por um
poema célebre, intitulado Liberdade.
LIBERDADE
Ai que prazer
não cumprir um dever!
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal,
como tem tempo, não tem pressa...
não cumprir um dever!
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal,
como tem tempo, não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto melhor é quando há bruma
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...
Fernando Pessoa chegou a ter uma dieta
de ler um livro por dia e era atormentado pelo que ele chama a dor de pensar, um
constante e penoso congeminar. Este poema exalta a libertação desses tormentos,
dos dele e também dos nossos.
Ai que prazer
não cumprir um dever!
Ter um livro para ler
e não o fazer!
não cumprir um dever!
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Eu acho
graça ao poema também por ele denunciar, indirectamente, a falta de fundamento
da célebre afirmação de Eça de Queirós de que “a arte é tudo”. Pessoa afirma, e
é verdade que há muitas coisas grandes, das quais umas são arte,
outras não: a poesia, a bondade,
as danças, as crianças, flores, música, o luar e o sol e Jesus Cristo.
Não é grande só
a arte nem lá para a beira.
Este poeta tinha uma relação muito própria
com a infância e com as crianças (presentes no poema anterior). Ele escreveu
dois Poemas para Lili, que creio que
era uma sua sobrinha. O primeiro deles conta uma viagem de comboio em que tudo
é desencontrado, sem razão, mas divertido.
No
comboio descendente
Vinha tudo à gargalhada.
Uns por verem rir os outros
E outros sem ser por nada -
No comboio descendente
De Queluz à Cruz Quebrada...
No comboio descendente
Vinham todos à janela,
Uns calados para os outros
E outros a dar-lhes trela -
No comboio descendente
De Cruz Quebrada a Palmela...
No comboio descendente,
Mas que grande reinação!
Uns dormindo, outros com sono,
E outros nem sim nem não -
No comboio descendente
De Palmela a Portimão
Vinha tudo à gargalhada.
Uns por verem rir os outros
E outros sem ser por nada -
No comboio descendente
De Queluz à Cruz Quebrada...
No comboio descendente
Vinham todos à janela,
Uns calados para os outros
E outros a dar-lhes trela -
No comboio descendente
De Cruz Quebrada a Palmela...
No comboio descendente,
Mas que grande reinação!
Uns dormindo, outros com sono,
E outros nem sim nem não -
No comboio descendente
De Palmela a Portimão
Fernando Pessoa tem uma
colecção de “quadras ao gosto popular”. Há uma a que acho particular graça:
"Mau, Maria!" — tu disseste
Quando a trança te caía.
Qual "Mau, Maria", Maria!
"Má Maria" "Má Maria!"
Quando a trança te caía.
Qual "Mau, Maria", Maria!
"Má Maria" "Má Maria!"
Veja-se
também esta:
Dona
rosa, dona Rosa,
De que roseira é que vem,
Que não tem senão espinhos
Para quem só lhe quer bem?
De que roseira é que vem,
Que não tem senão espinhos
Para quem só lhe quer bem?
E fico por aqui.
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