Há anos reuni uma colecção de provérbios, um pouco mais que uma centena. Mas apenas de provérbios que ouvi, não de provérbios lidos; e de preferência ouvidos na minha terra. É sobre esses provérbios que hoje quero falar.
Há muitos provérbios que rimam, mas muitos outros não. Vejam-se estes três:
Quem canta seu mal espanta. Cada terra seu uso, cada roca seu fuso. Casa onde não há pão, todos falam e ninguém tem razão.
Em todos se encontra a rima, mas o que verdadeiramente os caracteriza é o jeito sentencioso, a sua formulação sintética – as palavras são reduzidas ao indispensável – pois para bom entendedor, meia palavra basta.
Cada terra seu uso, cada roca seu fuso é especialmente curioso, por constatar a diversidade cultural expressa nas tradições. A referência à roca e ao fuso é muito importante: durante milhares de anos a mulher esteve prisioneira deles; só muito recentemente é que se livrou.
Mas há muitos provérbios que não rimam; por exemplo: casa roubada, trancas à porta ou de noite todos os gatos são pardos. No primeiro, está também o mesmo carácter sentencioso e sintético: não há formas verbais nem conjunções, mas há ironia e paralelismo. O segundo é de outro género.
Há provérbios que assentam a originalidade do seu pensamento na alegoria, isto é, eles dizem uma coisa, mas entende-se outra. Quando se diz que fraca é a galinha que para si não esgravata, parte-se duma verificação corrente, mas pretende-se a falar de mulheres e de homens: eles têm de garantir o seu sustento. A mesma coisa para gato escaldado de água fria tem medo. A afirmação é verdadeira para o gato, mas interessa muito mais para certas situações humanas
Estes provérbios testemunham uma grande capacidade poética popular: usam o verso ou não como convenha à expressão do pensamento, atribuem sentidos originais a frases inteiras, recorrem a elipses, a ironias, etc.
Os animais mais vizinhos do homem estão muito presentes nos provérbios – a galinha, o gato, o burro, a ovelha, até o porco, por exemplo – pois é a partir da observação do dia-a-dia, do meio em que as pessoas vivem que essas frases nascem. A inteligência popular descobre grandes verdades e enuncia-as a partir de símbolos da observação diária.
Veja-se agora este: Não há sábado sem sol nem domingo sem missa. Ele é ambíguo: nem em todos os sábados há sol e não é obrigatório haver missa na freguesia para ser domingo. A ideia porém é a de que um verdadeiro sábado precisa de sol – certamente para enxugar a roupa que se há-de vestir no domingo – e um domingo sem missa nem é verdadeiramente domingo. É um provérbio bonito.
Muitos provérbios documentam a urgência da poupança pois a vida é muito dura; eles convidam ao trabalho: Quem não trabuca não manduca. Quem não poupa água nem lenha não poupa nada que tenha. Ovelha que berra é bocado que perde. Grão a grão enche a galinha o papo. Mais vale um pássaro na mão que dois a voar.
Com frequência eles dão conselhos morais: Nem tudo o que luz é ouro. Quem vê caras não vê corações. Quem canta seu mal espanta. Não te rias do teu vizinho, que o teu mal vem a caminho. Palavras loucas, orelhas moucas. Deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer. O lume à beira da estopa... vem o diabo e assopra. Presunção e água benta, cada um toma a que quer…
A sucessão das estações e a meteorologia condicionavam muito a vida do meio rural e isso também está nos provérbios: Lua nova trovejada trinta dias é molhada. Fraco é o Maio que não rompe uma croça. Em Abril, águas mil. Do cerejo ao castanho, bem me eu amanho; do castanho ao cerejo, negro me eu vejo.
Há provérbios bonitos, mas também os há feios e até mal-educados. Os que se viram eram no geral de bom gosto, mas estes não o são: Dá Deus as nozes a quem não tem dentes. Vozes de burro não chegam ao céu. Pra trás mija a burra.
Há certos contextos em que ao povo são dados os mais rasgados elogios, por exemplo, em tempo de preparação de eleições. Há outros em que ele é rebaixado como ignorante e sem gosto. Mas a verdade é que entre os populares, como entre os membros doutras classes, há inteligência, sensibilidade fina, delicadeza; e há também o inverso. Nem muito para lá nem muito para cá.
Sem comentários:
Enviar um comentário