segunda-feira, 21 de junho de 2010

A República na Póvoa de Varzim - 3

Hoje vou concluir esta informação sobre a extinção das casas de religiosos que em 5 de Outubro estavam activas na Póvoa. Falta falar da partida das Irmãs de Caridade.
As Irmãs da Caridade de S. Vicente de Paulo tinham vindo para o Hospital da Misericórdia da Póvoa de Varzim em 1 de Outubro de 1890, em condições bastante precárias, como informa Bernardino Faria em artigo saído na revista “Póvoa de Varzim” de Outubro de 1913. Na altura já o anticlericalismo grassava na Póvoa:
“Na rua, transitavam invariavelmente aos pares, quase sempre por caminhos os mais curtos e escusos, esquivando-se dos lugares onde houvesse pessoas que as incomodassem e, principalmente quando para cá vieram, o rapazio e até adultos as surriavam bastante, com ditos mais ou menos picantes como os seguintes:
- As Irmãs de Caridade… pum!
Elas, com a vista baixa, lá seguiam o seu caminho, sem protesto ou indignação. E só raríssimas vezes respondiam, risonhas e amáveis”.
A este propósito, lemos num jornal poveiro que uma vez uma das irmãs andava a pedir e dirigiu-se a um vendedor de peixe, que lhe escarrou na mão. Então ela, limpou-a e continuou:
- Isso foi para mim, agora dê-me alguma coisa para os meus pobres.
Isto nem precisa de comentários.
Mas continuemos a ouvir Bernardino Faria:
“Com o advento da República Portuguesa, e no sábado 8 de Outubro de 1910, tiveram conhecimento as irmãs que a autoridade administrativa por ordens superiores as não deixava continuar com hábitos talares (entenda-se, hábito). Algumas distintas senhoras desta vila, logo que souberam do facto, lhes enviaram diversas roupas e por sua vez a mesa de então ordenou que comprassem fazendas e fizessem as roupas que faltavam, para que trajassem civilmente, persuadidas que ficariam continuando com o seu mister. Porém, logo na segunda-feira, 10 do mesmo mês, foram elas avisadas pelo Sr. Administrador do Concelho que não podiam continuar mais ali, nem mesmo com outras vestes.
Imagine-se os apuros e sustos das irmãs, receosas de serem presas; e, atarantadas e chorosas, partiram nesse mesmo dia até às duas horas da tarde, à excepção da velha Esperança, cozinheira da primitiva, quase inutilizada e sem família que a recebesse, que ficou e foi depois admitida como asilada, mas ultimamente também retirou para parte incerta.
As irmãs que estavam no hospital por ocasião da expulsão eram:
Superiora – Carolina da Apresentação; cozinheira – Maria dos Anjos; dos asilados – S. Boaventura
Banco – Francisca; medicina (homens) – S.to Ângelo; medicina (mulheres) – Socorro; cirurgia (mulheres) – Firmina; velha cozinheira – Esperança”
Este procedimento republicano discriminatório é evidentemente inaceitável em qualquer parte do mundo, sem nenhuma desculpa, mas condiz com a lamentável orientação ideológica dos vitoriosos de 5 de Outubro. O administrador que mandou sair as Irmãs foi o médico João Pedro de Sousa Campos.
Estas religiosas não saíram “espontaneamente”.
Há uma curiosidade histórica, aliás muito relevante, sobre as Irmãs de Caridade em Portugal. Depois da extinção das ordens religiosas em 1834, elas tinham vindo em 1857, para tratar da educação dos órfãos, filhos das vítimas das últimas epidemias que haviam assolado o país. A aceitação por parte das populações não podia ser mais benévola e os resultados educativos excelentes. Mas a Maçonaria interveio em breve e deu origem a uma violenta campanha contra elas. A questão abalou as estruturas governativas da nação, pois nela se envolveram membros do Governo, o Cardeal, a imprensa, etc. Até Alexandre Herculano. Por fim, o governo francês enviou ao Tejo o navio de guerra Orénoque que levou para França todas as Irmãs, em 9 de Junho de 1962.
Naturalmente, regressaram mais adiante, para se encontrarem na Póvoa desde 1890.
O centenário da República devia ser ocasião para o país se reconciliar com o passado, homenageando as vítimas que este regime provocou no seu início. Muitas passaram no exílio lá para treze anos.

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