Em Outubro de 1910, quando foi proclamada a República, trabalhavam na Póvoa alguns Padres Jesuítas, ligados a obras de piedade e a apoiar em especial a devoção ao Sagrado Coração de Jesus (as obras da basílica ainda estavam no seu começo). Mas havia também na então pequena vila as Irmãs Doroteias, que tinham um colégio feminino novo, e as Irmãs de Caridade, que trabalhavam no hospital.
Comecemos hoje por ver o que se passou com os Padres Jesuítas.
Dado carácter altamente anticlerical da República, era bem de ver que eles teriam de partir para o exílio, como já o tinham feito duas vezes na história do nosso país, a primeira com o Marquês de Pombal, a segunda com os Liberais, em 1834.
E de facto o que se começou a passar em Lisboa, ainda no dia 4 desse mês, dava um indício claro do que aí vinha.
No seu artigo saído no Boletim Cultural Póvoa de Varzim, 1996-97, vol. XXXIII, páginas 130-131, o Mons. Manuel Amorim, ao falar da expulsão dos Jesuítas, transcreve um documento que se exprime deste modo:
No dia 6 de Outubro de 1910 [quinta-feira], pela tarde, soube-se na residência [era uma casa de madeira junto às obras da Basílica em construção] da Póvoa de Varzim, que a república estava proclamada, em Lisboa.
Aquela noite já não dormimos na residência. […] Na madrugada do dia seguinte [sexta-feira, portanto], voltaram os padres ao seu posto. Disseram missa, distribuíram a sagrada eucaristia a muitos fiéis e confessaram até as 10 horas, pois era a primeira sexta-feira do mês.
Depois do jantar, o Superior chamou ao quarto os padres, repartiu com eles o dinheiro que havia, abraçou-os e despediu-os, segundo refere o P.e Alves, com estas palavras: - Vão para onde Nosso Senhor lhes inspirar...
Três partiram para Braga em carro fechado: eram os padres Alves, Falcão e Pacheco. Os dois restantes com os irmãos coadjutores saíram no dia oito, também, em carro, para Famalicão; daí o P.e Manuel Lourenço e o irmão Saraiva retiraram pelo Porto para suas casas; o P.e Arraiano recolheu-se com o irmão Martins em Ronfe até o dia 15, em que foi, com o companheiro, para La Guardia.
E acrescenta o Monsenhor:
Segundo uma testemunha presente a despedida dos padres foi emocionante mas discreta. Tudo se passou dentro do templo, entre orações e lágrimas de centenas de pessoas compungidas pela sorte dos zelosos sacerdotes aos quais entregavam esmolas para obviar ao seu futuro incerto. Eles eram muito estimados na Póvoa e as principais famílias obsequiaram-nos com provas de solidariedade dignas de registo. Também tinham alguns inimigos, é certo, quer entre uns poucos intelectuais da época, ditos liberais, quer na alta burguesia endinheirada no Brasil bazofiando anticlericalismo com audiência nas tertúlias dos cafés e das bancas do jogo. Para estes, a paragem das obras do grandioso templo [a Basílica] constituía maior perda para a Póvoa do que a ausência dos jesuítas.
O jornal "A Propaganda", que todo se embandeirou com a efígie leonina do Marquês, reproduzindo as leis persecutórias agora postas em prática pela implume república, depois de se referir à expulsão das religiosas do Colégio [Irmãs Doroteias] e do Hospital acrescenta: "... Também já retiraram os jesuítas residentes na casa anexa à igreja do Coração de Jesus, em construção”.
A fuga dos padres jesuítas não foi nem apressada nem nascida de medo infundado. O que se passava em Lisboa não anunciava nada de animador, como se pode concluir desta citação de Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal [1910-1926], vol. XI, Editorial Verbo, 1995, pág. 52:
Ainda na madrugada de 5 de Outubro foi assaltado o colégio dos jesuítas de Campolide, sendo presos o reitor, padre Alexandre de Faria Barros, outros professores religiosos e alguns empregados. [...] Mas como se não tornasse possível a sua guarda neste edifício [quartel de Artilharia I], vieram a ser transferidos para Caxias, no meio dos maiores insultos da população. [...] O Colégio do Barro, em Torres Vedras, e as residências de Vale do Rosal e de Setúbal viriam também a ser invadidos e vasculhadas, em actos que tiveram com frequência as marcas do desrespeito e do vandalismo.
De extrema gravidade foi o assassínio, ainda no dia 4 de Outubro, do padre Bernardino Barros Gomes, na casa dos lazaristas de Arroios. A multidão tratou-o com requintes de crueldade, antes de tirar a vida ao piedoso sacerdote, que era também um naturalista considerado. O padre francês Alfred Fargues, que vivia na Igreja de S. Luís, sofreu a tiro o mesmo suplício, causando as suas mortes a maior repulsa.
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