segunda-feira, 21 de junho de 2010

A República na Póvoa de Varzim - 2

Da vez passada, falei da expulsão dos Jesuítas poucos dias depois de proclamada a República, hoje vou falar da partida das Irmãs Doroteias para o exílio. Os Jesuítas partiram na sexta-feira, dia 7, as Doroteias partiram no sábado, dia 8. Vimos que da partida dos Jesuítas havia um relato mais ou menos circunstanciado, das Doroteias, se há, não o conheço.
Naquela altura havia na Póvoa seis ou mais jornais, um deles, O Poveiro, estava afecto ao Prior. É nele que se lê, na edição do dia 11, terça-feira, esta notícia:
“No sábado último, os noviços do convento dos Franciscanos da freguesia de Barqueiros, lugar das Necessidades, concelho de Barcelos, cujo convento é filial do de Varatojo e Montariol, de Braga, embarcaram na estação do cominho de ferro de Laundos, para os lados de Famalicão, não se sabendo o destino que tomaram; mas provavelmente para irem para as casas das suas famílias.
No mesmo comboio, em direcção às Fontainhas (em Balasar), embarcaram as Doroteias da Póvoa, disfarçadas.
Daquela estação dirigiram-se à freguesia de Gueral, concelho de Barcelos, para casa duma educanda que eles (sic) tinham fanatizado, e onde se encontram até verem no que param as coisas”.
É debandada.
Porque é que as Irmãs Doroteias iam disfarçadas? Havia no país, e também na Póvoa, um anticlericalismo antigo, que os republicanos, agora vitoriosos, tinham acirrado muito. Nenhum membro de ordem ou congregação religiosa se podia considerar seguro. Isto faz lembrar situações que a gente conhece vagamente da imprensa, passadas em África ou na Ásia; mas passou-se também em Portugal no início do séc. XX.
Para que não fiquem dúvidas, veja-se um pouco da letra do decreto de 8 de Outubro, sábado:
“Art. 1.º - Continua a vigorar como lei da República Portuguesa a de 3 de Setembro de 1750, promulgada sob o regime absoluto e pela qual os jesuítas foram havidos por desnaturalizados e proscritos, e se mandou que efectivamente fossem expulsos de todo o país e seus domínios «para neles mais não poderem entrar»”.
Isto é o anticlericalismo, a discriminação em estado puro. Não se pergunta se este ou aquele cometeu algum crime, não: se é jesuíta, fica desnaturalizado, proscrito e não pode entrar mais em Portugal. Devia ser um crime muito grande ser jesuíta…
“Art. 3.º- Continua também a vigorar como lei da República Portuguesa o decreto de 28 de Maio de 1834, promulgado sob o regime monárquico representativo, o qual extinguiu em Portugal, Algarve e ilhas adjacentes e domínios portugueses todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e quaisquer casas de religiosos de todas as ordens religiosas fosse qual fosse a sua denominação ou regra”.
Este decreto evoca leis de 1834 que tinham a ver com uma situação radicalmente diferente da que se vivia em 1910. Nesta data as ordens religiosas não eram senhoras daqueles bens que haviam possuído ao longo dos séculos. Nada que se parecesse. Então as casas da Póvoa…
É um pouco irónico que o autor destas leis, Afonso Costa, tenha acabado no exílio…
Mas paga a pena ler ainda o artigo 7º:
“Art. 7.º - Os indivíduos compreendidos neste decreto que infrinjam qualquer das suas disposições, ou deixarem de cumprir imediatamente ou no prazo que lhes for marcado, as determinações legítimas da autoridade competente, incorrerão na pena de desobediência qualificada sem prejuízo da responsabilidade que porventura lhes caiba por constituírem associações ilícitas, nos termos do art. 282 do Código Penal, ou associações de malfeitores do art. 283, do mesmo código”.
 Se isto não é a arbitrariedade, então que é ela?
 O jornal O Comércio da Póvoa de Varzim, que, a partir da proclamação da República, se assumiu como republicano, escreveu no dia 10 que os Jesuítas e as Irmãs Doroteias tinham partido “espontaneamente”. Tinham partido mas era aterrorizados. As Irmãs de Caridade receberam ordem de saída, da parte do adiministrador, nesse mesmo dia 10.
As Doroteias eram então uma congregação recente e em expansão. Aqui na Póvoa tinham um colégio novo, pago pela família da Irmã Sá, com um edifício construído para o efeito, coisa que o Liceu só veio a ter em 1951; talvez mesmo nenhuma escola primária oficial possuísse antes edifício próprio. Mas lá foram, “espontaneamente”. A isto, em português comum, chama-se mentir.

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