Os
Maias
são um romance bastante masculino, mas agora vamo-nos pronunciar sobre a
qualidade humana das mulheres que nele figuram.
As mulheres deste romance são filhas
directas do autor: é assim em qualquer história de ficção. Com excepção da irmã
de Carlos, uma vítima das loucuras maternas, são todas caricaturas, o que as
reúne num lamentável quadro, certamente ofensivo se tomado como retrato do
panorama feminino português do tempo.
Vejamos uma lista, ainda que incompleta:
Maria Eduarda Runa (“A sua devoção – a devoção dos Runas –, sempre grande,
exaltara-se…”), Maria Monforte, Tia Fanny (um apêndice de Afonso que serve para
diminuir a esposa deste), Gertrudes, a viscondessa (familiar de Afonso que
aparece em S. Olávia), Ana Silveira, Eugénia Silveira, a Teresinha (“uma
rapariguinha feia, amarela como uma cidra”), Mãe do Ega, Hermengarda, Encarnación,
Raquel Cohen, a Gouvarinho, Maria Eduarda, a Mélanie, Miss Sara, a baronesa de
Graben… a coronela dos Hussardos e Madame Rughel.
Podemos reuni-las em grupos. Assim, são
aparentadas Maria Eduarda Runa, a viscondessa, Ana Silveira, Eugénia Silveira e
a mãe do Ega. Como se trata de mulheres honestas, o autor caricaturou-as como
beatas incorrigíveis e de vistas tão curtas que é de duvidar se tenham existido
tais seres. São manifestamente estúpidas e velhas ou avelhentadas.
Depois temos o grupo da Maria Monforte e
da filha Maria Eduarda. Conhecemo-las em jovens: são descritas como possuindo
ambas uma beleza que estonteia. As aparições duma e doutra em Lisboa fazem
grande alarido: são de facto também uma hipérbole.
Maria Eduarda Monforte, que era rica,
começa sofrivelmente, mas carrega o mal que a há-de rebaixar: a desocupação e a
leitura de literatura romântica. Lembrar Madame
de Bovary.
A filha parecia mais equilibrada à
partida, mas é empurrada para a miséria moral e também económica pelas loucuras
da mãe. Envolvida mais ou menos em inocência no incesto com Carlos,
resgatar-se-á depois.
Outro grupo é o da Raquel Cohen e da
Gouvarinho. Estão ambas próximas da Maria Monforte ao não terem uma actividade
útil a que se apliquem e ao deixarem-se deslizar para o adultério por
divertimento: a Cohen fá-lo repetidamente, a Gouvarinho persegue Carlos com
sofreguidão.
Em nível economicamente inferior, mas de
semelhante jaez, está a Hermengarda. Também se aparenta com esta a Miss Sara.
A Encarnación e a Lola e outras são um
grupo à parte, constituído por prostitutas jovens, ao serviço de homens sem
escrúpulos que lhes desfrutam a juventude.
Nas corridas de cavalos, fala-se dum grupo feminino, que é rebaixado no aspecto físico, mas a que não é atribuída tão genericamente a vilania.
O que é confrangedor é que num conjunto feminino
tão numeroso não surja uma mulher moral e socialmente aproveitável. Isto é
tanto mais gritante quanto o autor tinha dentro das portas uma jovem esposa de
ideias claras, cheia de equilíbrio, apaixonada, excelente mãe de família e
devota quanto convinha.
Pode-se elogiar muito um romance assim?