segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Brevíssimo resumo d’Os Maias


Os Maias são uma antiga família nobre e muito abastada. Quando abrimos o romance, dela só subsistem o jovem Carlos da Maia, o protagonista, e seu avô, que viviam em Resende, na Quinta de Santa Olávia, e que se vão mudar para Lisboa após a formatura de Carlos em medicina e uma sua viagem pela Europa.
A seguir, faz-se uma retrospectiva da família (analepse) que começa nos anos revolucionários das décadas de vinte e trinta do séc. XIX (avós e pais de Carlos) e vem depois até à actualidade, em 1875. Esta retrospectiva ocupa os dois capítulos iniciais.
Depois, acompanhamos a vida de Carlos em Lisboa, onde vive com o avô. Seguimos-lhe a diletante vida profissional, os amores, vemo-lo nos serões no Ramalhete (residência dos Maias), nos encontros de café, nas visitas a casa de amigos, nas idas a Sintra, nas corridas de cavalos, no teatro... Carlos acabará por se amantizar com uma mulher luxuosamente vestida e notável figura que então aparece em Lisboa. Vem-se a descobrir que é uma sua irmã que se julgava ter morrido.
A libertinagem do neto provocará a morte do avô, Afonso da Maia. Carlos, com o seu amigo inseparável Ega, instalam-se num viver de celibatários inúteis e vencidos e rodeados dum conforto que a sua situação económica lhes proporciona.

Duas caricaturas de educação n’Os Maias


É conhecido o tema da educação n’Os Mais. Está lá em paralelo a educação do Carlinhos com as do Pedro da Maia e a do Eusebiozinho. Nos dois casos são apenas caricaturas de educação.
Na do Carlinhos, falta a presença activa do carinho materno: falta uma mulher de bom senso, que aparasse as asas a Afonso da Maia e promovesse uma séria educação moral e religiosa do pequeno. Que atitudes primárias ali se vêem! Que idiotice mergulhar o pequeno em água fria numa manhã de Inverno!
Nas do Eusebiozinho e de Pedro da Maia, falta o contributo dum pai responsável, que abrisse às crianças as portas para um mundo mais vasto.
Nem todas as mães são beatas, como as familiares de Eusebiozinho, pois há muita mais vida para além da beatice; nem todos os pais são comodistas, passa-culpas como Afonso da Maia, que se demitiu de educar o Pedrinho.
A esposa de Eça, por exemplo, que era católica praticante, era uma senhora cheia de bom senso, activa, uma educadora exemplar.
A educação de Carlos é um fracasso semelhante à do Eusebiozinho e à do Pedro da Maia, pois não o dotou dum sistema de valores que o conduzisse na vida e fizesse dele um cidadão útil. Como o Ega reconhece, Carlos falhou (e o Ega também). E não falhou devido ao meio ambiente, falhou desde jovem, pois desde jovem foi um boémio, dado a amores adúlteros, sem nenhum respeito pela instituição familiar, que é basilar numa sociedade.
Esta caricatura cheia de pessimismo coaduna-se bem com o vencidismo que se apossara de Eça, manifestado no grupo dos Vencidos da Vida, a que ele pertenceu, se é que não promoveu.
Se estas duas caricaturas da educação em Portugal representassem a realidade nacional do tempo, então nós descenderíamos dum ou doutro dos resultados fracassados delas, inevitavelmente idiotas como o Carlinhos ou o como o Eusebiozinho.

As loucas mulheres d'Os Maias


Os Maias são um romance bastante masculino, mas agora vamo-nos pronunciar sobre a qualidade humana das mulheres que nele figuram.
As mulheres deste romance são filhas directas do autor: é assim em qualquer história de ficção. Com excepção da irmã de Carlos, uma vítima das loucuras maternas, são todas caricaturas, o que as reúne num lamentável quadro, certamente ofensivo se tomado como retrato do panorama feminino português do tempo.
Vejamos uma lista, ainda que incompleta: Maria Eduarda Runa (“A sua devoção – a devoção dos Runas –, sempre grande, exaltara-se…”), Maria Monforte, Tia Fanny (um apêndice de Afonso que serve para diminuir a esposa deste), Gertrudes, a viscondessa (familiar de Afonso que aparece em S. Olávia), Ana Silveira, Eugénia Silveira, a Teresinha (“uma rapariguinha feia, amarela como uma cidra”), Mãe do Ega, Hermengarda, Encarnación, Raquel Cohen, a Gouvarinho, Maria Eduarda, a Mélanie, Miss Sara, a baronesa de Graben… a coronela dos Hussardos e Madame Rughel.
Podemos reuni-las em grupos. Assim, são aparentadas Maria Eduarda Runa, a viscondessa, Ana Silveira, Eugénia Silveira e a mãe do Ega. Como se trata de mulheres honestas, o autor caricaturou-as como beatas incorrigíveis e de vistas tão curtas que é de duvidar se tenham existido tais seres. São manifestamente estúpidas e velhas ou avelhentadas.
Depois temos o grupo da Maria Monforte e da filha Maria Eduarda. Conhecemo-las em jovens: são descritas como possuindo ambas uma beleza que estonteia. As aparições duma e doutra em Lisboa fazem grande alarido: são de facto também uma hipérbole.
Maria Eduarda Monforte, que era rica, começa sofrivelmente, mas carrega o mal que a há-de rebaixar: a desocupação e a leitura de literatura romântica. Lembrar Madame de Bovary.
A filha parecia mais equilibrada à partida, mas é empurrada para a miséria moral e também económica pelas loucuras da mãe. Envolvida mais ou menos em inocência no incesto com Carlos, resgatar-se-á depois.
Outro grupo é o da Raquel Cohen e da Gouvarinho. Estão ambas próximas da Maria Monforte ao não terem uma actividade útil a que se apliquem e ao deixarem-se deslizar para o adultério por divertimento: a Cohen fá-lo repetidamente, a Gouvarinho persegue Carlos com sofreguidão.
Em nível economicamente inferior, mas de semelhante jaez, está a Hermengarda. Também se aparenta com esta a Miss Sara.
A Encarnación e a Lola e outras são um grupo à parte, constituído por prostitutas jovens, ao serviço de homens sem escrúpulos que lhes desfrutam a juventude.
Nas corridas de cavalos, fala-se dum grupo feminino, que é rebaixado no aspecto físico, mas a que não é atribuída tão genericamente a vilania.
O que é confrangedor é que num conjunto feminino tão numeroso não surja uma mulher moral e socialmente aproveitável. Isto é tanto mais gritante quanto o autor tinha dentro das portas uma jovem esposa de ideias claras, cheia de equilíbrio, apaixonada, excelente mãe de família e devota quanto convinha.
Pode-se elogiar muito um romance assim?