Como da vez passada falei da presença do Rei e de nobres aqui nas redondezas, na Idade Média, hoje vou tecer algumas considerações relativas à Igreja.
Na história fala-se pouco das paróquias, aquelas unidades mais pequenas da ordenação religiosa do território. Um testemunho muito antigo sobre elas vem num documento de cerca de 1080 e que se chama o Censual do Bispo D. Pedro. Tirando os casos bastante conhecidas de paróquias criadas no século XX, as outras com poucas excepções (como o caso da da Póvoa de Varzim) já existiam nessa altura e têm cerca de mil anos de existência ininterrupta. O normal portanto é que sejam anteriores à fundação da nacionalidade: quando D. Afonso Henriques nasceu, elas já existiam. Entre as que entretanto foram extintas, contam-se a de Formariz, em Vila do Conde, a de Santagões, em Bagunte, a de Santo Isidro, no Outeiro Maior, e a de Gresufes, em Balasar.
Nas Inquirições de Afonso III, vem uma curiosa informação sobre o pároco de Nabais: diz-se aí que ele era clérigo da rainha D. Brites, que foi segunda esposa de D. Afonso III e que era filha bastarda de Afonso X de Castela e foi mãe de D. Dinis.
Houve então por cá alguns mosteiros. O de Rates, erigido pelo Conde D. Henrique e extinto no séc. XVI; o de Rio Mau, que deve ter tido uma existência fugaz e foi depois integrado no de S. Simão da Junqueira; o de S. Simão da Junqueira vinha do séc. XI e foi extinto no séc. XVIII.
Estas casas religiosas originalmente seriam pequenas e humildes. Só com o andar dos tempos é que adquiriram, em casos como a do Mosteiro da Junqueira, a dimensão que os seus edifícios ainda testemunham. Curioso é que todos tenham nascido à margem duma estrada antiga, caminho de Santiago.
Merecem atenção a iconografia de Rio Mau nos tímpanos da porta principal e também na lateral. Igualmente merece atenção Agnus Dei do tímpano da porta principal de Rates. Há um capitel da antiga igreja de Amorim que ilustra uma cena dum poema medieval, a Chanson de Roland.
O Mosteiro de Santa Clara de Vila do Conde vem do séc. XIV e praticamente era de fundação régia; daí a sua magnificência. Por sinal, na origem o seu estatuto não o identificava bem como mosteiro, mas mais como asilo de raparigas nobres e pobres. A sua rosácea, vista do interior, é um grande espectáculo, nada que se pareça com o que se vê de fora.
Sobre o topónimo Varzim, queria só dizer que no célebre Escritura de Vila do Conde, do ano 953, a palavra que usualmente se lê Euracini poder-se-ia ler Evracini, que seria a latinização de Evrazim, forma já muito próxima da pronúncia popular do topónimo, Brazim. Posteriormente, vai-se repetir a forma Varazim, que pode nem ter base popular.
Às vezes, as pessoas perguntam onde é que se vão buscar estas informações dum tempo tão distante. Ponhamos as coisas de um modo prático: se se quisesse organizar uma colectânea de documentos relativos à Póvoa e seu concelho referentes aos séculos XI, XII e XIII, ainda se conseguiria um volume de muitas páginas. Haja em vista as Inquirições, por exemplo, o Censual do Bispo D. Pedro e os documentos avulsos que é possível reunir, vindos por exemplo das colectâneas do Mosteiro da Junqueira ou das que reuniu o P.e Avelino de Jesus Costa, etc. Depois, o estudo comparativo dos documentos permite ir muito mais longe
Hoje também vou concluir com uma cantiga medieval, ou pelo menos parte dela, pois só vou ler metade dela. É uma reflexão curiosa sobre a mudança. Diz o poeta anónimo:
Quen viu o mundo qual o eu ja vi
e viu e as gentes que eron entón
e viu aquestas que ora son,
Deus! quand' i cuida, que pode cuidar?
Ca me sin' eu per min, quando cuid' i!
Por que me non vou algur esterrar,
se poderia melhor mund' achar?
Mundo teemos fals' e sen sabor,
mundo sen Deus e en que ben non á,
e mundo tal que non corregerá,
ante o vejo sempr' empeorar.
Quand' est' eu cat' e vej' end'o melhor,
por que me non vou algur esterrar,
se poderia melhor mund' achar?
U foi mesur’ ou grãadez? U jaz
verdad’, u é quen á amigo leal?
Que fui d'amor ou trobar? Por que sal
a gente trist' e sol non quer cantar?
Quand’ est' eu cat' e quanto mal s'i faz,
por que me non vou algur esterrar,
se poderia melhor mund' achar?
Viv' eu en tal mund' e faz-m' i viver
ua dona, que quero mui gran ben,
e muit' á ja que m'en seu poder ten,
ben dê-lo temp' u soían amar.
Ôimais de min pode quen quer saber
por que me non vou algur esterrar,
se poderia melhor mund' achar?
Mais, en tal mundo, por que vai morar
ome de prez, que s'en pod' alongar?
Trovador desconhecido
Quase todas as gerações pensam que é só no tempo delas que as coisas mais andam para trás, atingem o ponto mais baixo. O trovador, que afinal não seria propriamente pessoa de bem, para exprimir o seu escândalo frente à degradação do presente, usa uma linguagem variada, de jeito hiperbólico, cheia de interrogações retóricas, reforçada pelo refrão.
quarta-feira, 29 de julho de 2009
quinta-feira, 16 de julho de 2009
Póvoa de Varzim e arredores na Idade Média II
Da vez passada falei da Idade Média aqui nos arredores, mas numa perspectiva muito geral. Hoje, volto ao tema, mas do ponto de vista das classes mais favorecidas, do Rei e dos nobres.
O Rei era então um grande proprietário rural: em qualquer terra havia propriedades reguengas, isto é, que lhe pertenciam, provavelmente por direitos muito antigos. Estes terrenos pagavam-lhe impostos em géneros e em dinheiro: pagavam-lhe em cereal, em aves, como capões ou patos, galinhas e os seus ovos; também se lhe pagava com carneiros e cabritos, com peças de carne, com fogaças. Os impostos tinham nomes como eirádiga, direituras, coimas, lutuosa, vida, etc.
Aqui perto, houve algumas pousadas reais. Foi o caso de Santa Cristina, em Touginha, de Vilar, em Bagunte, e de Gestrins, em Balasar. Nestes lugares, que ficavam à margem de vias mais movimentadas e sem dúvida antigas, algumas de origem romana, havia reguengos particularmente significativos. As pousadas reais, que seriam residências ocasionais, de passagem – o Rei se calhar não tinha propriamente residência fixa -, deixaram de ter qualquer interesse quando a corte se deslocou para sul; mas anteriormente, ao tempo dos nossos primeiros reis e dos seus antepassados de Leão, terão tido o seu ponto alto. Conservam-se documentos relativos à pousada de Santa Cristina, que mencionam a passagem do rei leonês por lá. É a única pousada real sobre a qual, em 1220, se fala de guardar aí “homens presos” e “homens em ferros”; em 1258, fala-se de “homens malfeitores ligados de ferros ou de tronco”.
Conhecem-se nomes de nobres que tiveram propriedades por cá ou mesmo residência. Afonso Sanches, esse fundou Santa Clara; já falei aqui de Gil Sanches, ligado a Laundos, e da cruel Ribeirinha. Mas há outros nomes mencionados a propósito destas terras, como um Paio Guterres, contemporâneo do Conde D. Henrique, vários descendentes seus, os Cunhas, que eram muito abastados e que se encontram quase por todas as freguesias; há até o caso dos Redondos, ligados ao castelo que houve em Terroso. Os Cunhas viviam um afã imparável de aumentar o património, sem olhar a meios, legítimos ou ilegítimos.
Eu gosto de referir os Correias, que aparecem em Balasar e freguesias limítrofes e na Aguçadoura, pois são gente que estudei. Também estudei os Ferreiras d’Eça, do Outeiro Maior, que foram donos do castelo de Terroso e senhores de muitas terras também em Amorim e que eram aparentados com os Cunhas; os seus nomes estão ligados ao Mosteiro da Junqueira e mais tarde ao Convento de S. Francisco de Vila do Conde.
Falando de nobres nestes tempos, não se pode deixar referir os “amádigos” e as “amas dos cavaleiros”. São coisas interligadas. Havia pelos vistos um direito antigo que permitia aos nobres que criassem crianças em terras reguengas passarem para si determinados impostos devidos ao Rei. Isto é que era o amádigo. Não sei se amádigo vem de ama, mas as Inquirições falam repetidamente das “amas dos cavaleiros”, que eram as mulheres que criavam esses filhos dos nobres. Os amádigos eram muito frequentes.
Há um documento medieval que menciona Santagões, uma freguesia extinta e integrada depois em Bagunte, que passou durante muito tempo por ser o documento mais antigo escrito em português. Mesmo não sendo o mais antigo, merece menção. Tem a ver com uma abadessa de Vairão.
Os tempos a que me estou a referir são os das últimas lutas contra os mouros em território que hoje é português. Às expedições guerreiras chamava-se fossado ou ferido. Vou agora ler uma cantiga, de um tal Martim de Ginzo ou de Grijó, por saber que o seu namorado, o amigo, vai para a guerra. À mãe a jovem chama madre.
Como vivo coitada, madre, por meu amigo,
Ca m’enviou mandado que se vai no ferido:
E por el vivo coitada!
Como vivo coitada, madre, por meu amado,
Ca m’enviou mandado que se vai no fossado:
E por el vivo coitada!
Ca m’enviou mandado que se vai no ferido,
Eu a Santa Cecília de coraçon o digo:
E por el vivo coitada!
Ca m’enviou mandado que se vai no fossado,
Eu a Santa Cecília de coraçon o falo:
E por el vivo coitada!
O Rei era então um grande proprietário rural: em qualquer terra havia propriedades reguengas, isto é, que lhe pertenciam, provavelmente por direitos muito antigos. Estes terrenos pagavam-lhe impostos em géneros e em dinheiro: pagavam-lhe em cereal, em aves, como capões ou patos, galinhas e os seus ovos; também se lhe pagava com carneiros e cabritos, com peças de carne, com fogaças. Os impostos tinham nomes como eirádiga, direituras, coimas, lutuosa, vida, etc.
Aqui perto, houve algumas pousadas reais. Foi o caso de Santa Cristina, em Touginha, de Vilar, em Bagunte, e de Gestrins, em Balasar. Nestes lugares, que ficavam à margem de vias mais movimentadas e sem dúvida antigas, algumas de origem romana, havia reguengos particularmente significativos. As pousadas reais, que seriam residências ocasionais, de passagem – o Rei se calhar não tinha propriamente residência fixa -, deixaram de ter qualquer interesse quando a corte se deslocou para sul; mas anteriormente, ao tempo dos nossos primeiros reis e dos seus antepassados de Leão, terão tido o seu ponto alto. Conservam-se documentos relativos à pousada de Santa Cristina, que mencionam a passagem do rei leonês por lá. É a única pousada real sobre a qual, em 1220, se fala de guardar aí “homens presos” e “homens em ferros”; em 1258, fala-se de “homens malfeitores ligados de ferros ou de tronco”.
Conhecem-se nomes de nobres que tiveram propriedades por cá ou mesmo residência. Afonso Sanches, esse fundou Santa Clara; já falei aqui de Gil Sanches, ligado a Laundos, e da cruel Ribeirinha. Mas há outros nomes mencionados a propósito destas terras, como um Paio Guterres, contemporâneo do Conde D. Henrique, vários descendentes seus, os Cunhas, que eram muito abastados e que se encontram quase por todas as freguesias; há até o caso dos Redondos, ligados ao castelo que houve em Terroso. Os Cunhas viviam um afã imparável de aumentar o património, sem olhar a meios, legítimos ou ilegítimos.
Eu gosto de referir os Correias, que aparecem em Balasar e freguesias limítrofes e na Aguçadoura, pois são gente que estudei. Também estudei os Ferreiras d’Eça, do Outeiro Maior, que foram donos do castelo de Terroso e senhores de muitas terras também em Amorim e que eram aparentados com os Cunhas; os seus nomes estão ligados ao Mosteiro da Junqueira e mais tarde ao Convento de S. Francisco de Vila do Conde.
Falando de nobres nestes tempos, não se pode deixar referir os “amádigos” e as “amas dos cavaleiros”. São coisas interligadas. Havia pelos vistos um direito antigo que permitia aos nobres que criassem crianças em terras reguengas passarem para si determinados impostos devidos ao Rei. Isto é que era o amádigo. Não sei se amádigo vem de ama, mas as Inquirições falam repetidamente das “amas dos cavaleiros”, que eram as mulheres que criavam esses filhos dos nobres. Os amádigos eram muito frequentes.
Há um documento medieval que menciona Santagões, uma freguesia extinta e integrada depois em Bagunte, que passou durante muito tempo por ser o documento mais antigo escrito em português. Mesmo não sendo o mais antigo, merece menção. Tem a ver com uma abadessa de Vairão.
Os tempos a que me estou a referir são os das últimas lutas contra os mouros em território que hoje é português. Às expedições guerreiras chamava-se fossado ou ferido. Vou agora ler uma cantiga, de um tal Martim de Ginzo ou de Grijó, por saber que o seu namorado, o amigo, vai para a guerra. À mãe a jovem chama madre.
Como vivo coitada, madre, por meu amigo,
Ca m’enviou mandado que se vai no ferido:
E por el vivo coitada!
Como vivo coitada, madre, por meu amado,
Ca m’enviou mandado que se vai no fossado:
E por el vivo coitada!
Ca m’enviou mandado que se vai no ferido,
Eu a Santa Cecília de coraçon o digo:
E por el vivo coitada!
Ca m’enviou mandado que se vai no fossado,
Eu a Santa Cecília de coraçon o falo:
E por el vivo coitada!
Póvoa de Varzim e arredores na Idade Média I
Há algumas semanas, houve na Praça do Almada a reconstituição dum ambiente medieval. Podia ter sido uma iniciativa muito educativa, mas se calhar não o foi tanto. Eu não vi tudo.
Na sequência desse evento, vou hoje falar um pouco do que foi ou terá sido Idade Média aqui nas nossas vizinhanças.
É sabido que os livros de história dão importância sobretudo aos feitos mais marcantes, que raramente ocorreram na província. Por isso, a história local tem o papel importante de fornecer às populações a informação do que se foi passando nos seus lugares, nas suas freguesias, nas suas vilas.
A Póvoa era então uma pequena vila simultaneamente piscatória e rural. Vila do Conde também tinha uma dimensão rural, mas o rio, com o seu porto natural, talvez lhe desse uma dimensão mais urbana. A população destas vilas não ultrapassaria umas escassas centenas de pessoas.
As paróquias rurais eram quase as mesmas de hoje. Não seriam muitos os casos em que os seus habitantes ultrapassassem uma centena. As suas igrejas eram naturalmente muito pequenas, a condizer com as exigências demográficas. Lembrem-se as igrejas velhas de Amorim ou a de Rio Mau. A de Santa Clara, que não era paroquial, deve ter sido pensada também para compensar a pequenez da paroquial, que ficava ali ao pé.
Com as suas festividades, as igrejas proporcionavam alguns dos momentos que mais sobressaíam na rotina do viver do campo.
As casas seriam também acanhadas, as mais das vezes só de rés-do-chão, com paredes de pedras toscas e cobertas a colmo. Haveria sempre uma fonte próxima, pois na altura o poço deveria ser coisa rara.
Uma curiosidade aldeã desses tempos eram as vilas rústicas, que eram casas mais abastadas. Numa freguesia grande, podia haver umas cinco ou mais. Algumas vinham de tempos muito distantes, romanos, outras de período mais próximo, gótico.
A rede viária devia ser miserável: só caminhos velhos e sinuosos, com pisos irregulares, muito fracos; no Inverno, tornar-se-iam quase intransitáveis.
Falar de caminhos, leva a falar dos almocreves, aqueles homens que, nas suas bestas, levavam de terra em terra, de feira em feira, artigos que não podiam ser produzidos localmente, como sal, peixe, tecidos e objectos menos comuns.
Sobre os rios Este e Ave construíram-se pontes, a Ponte d’Este e a Ponte de d’Ave ou de D. Sameiro, mas também a Ponte d’Arcos e a Ponte do Vau, em Balasar. Antes dessa construção e em muitos lugares mesmo depois, havia nos rios os chamados portos, que indicariam apenas a existência dum barquito para ajudar as travessias especialmente no tempo invernoso.
Na flora aldeã, havia algumas diferenças notórias relativamente aos tempos actuais. Por um lado, a área inculta seria muito maior, por outro, sabemos que não se via por cá o eucalipto e mesmo o pinheiro seria muito menos comum do que hoje. O carvalho, que era árvore autóctone, devia abundar. Nos campos de cultivo não apareciam os milheirais de hoje, nem as batatas… Mas podia haver qualquer coisa a que chamavam vinhas.
Quanto à fauna, já não seria possível encontrar ursos, existentes noutras eras, mas veados, javalis, texugos e raposas seriam relativamente comuns. O lobo também não andaria por longe.
Pelo ar, voariam mais aves que actualmente: talvez ainda a águia ou até o abutre; o milhafre devia ser comum, como o corvo, o mocho, etc.
A fauna piscícola dos rios seria mais diversificada e abundante.
Na próxima vez espero continuar este tema, porque agora vou ler uma cantiga de amigo, que vem destes tempos.
Mia madre velida,
Vou-m’a la bailia
Do amor.
Mia madre loada,
Vou-m’a la bailada
Do amor.
Vou-m’a la bailia,
Que fazem en vila
Do amor.
[Vou-m’a la bailada,
Que fazen en casa
Do amor].
Que fazen en vila
Do que eu ben queria,
Do amor.
Que fazen en casa
Do que eu muit’amava,
Do amor.
Do que eu ben queria,
Chamar-m’an garrida
Do amor.
Do que eu muit’amava,
Chamar-m’an jurada
Do amor.
Na sequência desse evento, vou hoje falar um pouco do que foi ou terá sido Idade Média aqui nas nossas vizinhanças.
É sabido que os livros de história dão importância sobretudo aos feitos mais marcantes, que raramente ocorreram na província. Por isso, a história local tem o papel importante de fornecer às populações a informação do que se foi passando nos seus lugares, nas suas freguesias, nas suas vilas.
A Póvoa era então uma pequena vila simultaneamente piscatória e rural. Vila do Conde também tinha uma dimensão rural, mas o rio, com o seu porto natural, talvez lhe desse uma dimensão mais urbana. A população destas vilas não ultrapassaria umas escassas centenas de pessoas.
As paróquias rurais eram quase as mesmas de hoje. Não seriam muitos os casos em que os seus habitantes ultrapassassem uma centena. As suas igrejas eram naturalmente muito pequenas, a condizer com as exigências demográficas. Lembrem-se as igrejas velhas de Amorim ou a de Rio Mau. A de Santa Clara, que não era paroquial, deve ter sido pensada também para compensar a pequenez da paroquial, que ficava ali ao pé.
Com as suas festividades, as igrejas proporcionavam alguns dos momentos que mais sobressaíam na rotina do viver do campo.
As casas seriam também acanhadas, as mais das vezes só de rés-do-chão, com paredes de pedras toscas e cobertas a colmo. Haveria sempre uma fonte próxima, pois na altura o poço deveria ser coisa rara.
Uma curiosidade aldeã desses tempos eram as vilas rústicas, que eram casas mais abastadas. Numa freguesia grande, podia haver umas cinco ou mais. Algumas vinham de tempos muito distantes, romanos, outras de período mais próximo, gótico.
A rede viária devia ser miserável: só caminhos velhos e sinuosos, com pisos irregulares, muito fracos; no Inverno, tornar-se-iam quase intransitáveis.
Falar de caminhos, leva a falar dos almocreves, aqueles homens que, nas suas bestas, levavam de terra em terra, de feira em feira, artigos que não podiam ser produzidos localmente, como sal, peixe, tecidos e objectos menos comuns.
Sobre os rios Este e Ave construíram-se pontes, a Ponte d’Este e a Ponte de d’Ave ou de D. Sameiro, mas também a Ponte d’Arcos e a Ponte do Vau, em Balasar. Antes dessa construção e em muitos lugares mesmo depois, havia nos rios os chamados portos, que indicariam apenas a existência dum barquito para ajudar as travessias especialmente no tempo invernoso.
Na flora aldeã, havia algumas diferenças notórias relativamente aos tempos actuais. Por um lado, a área inculta seria muito maior, por outro, sabemos que não se via por cá o eucalipto e mesmo o pinheiro seria muito menos comum do que hoje. O carvalho, que era árvore autóctone, devia abundar. Nos campos de cultivo não apareciam os milheirais de hoje, nem as batatas… Mas podia haver qualquer coisa a que chamavam vinhas.
Quanto à fauna, já não seria possível encontrar ursos, existentes noutras eras, mas veados, javalis, texugos e raposas seriam relativamente comuns. O lobo também não andaria por longe.
Pelo ar, voariam mais aves que actualmente: talvez ainda a águia ou até o abutre; o milhafre devia ser comum, como o corvo, o mocho, etc.
A fauna piscícola dos rios seria mais diversificada e abundante.
Na próxima vez espero continuar este tema, porque agora vou ler uma cantiga de amigo, que vem destes tempos.
Mia madre velida,
Vou-m’a la bailia
Do amor.
Mia madre loada,
Vou-m’a la bailada
Do amor.
Vou-m’a la bailia,
Que fazem en vila
Do amor.
[Vou-m’a la bailada,
Que fazen en casa
Do amor].
Que fazen en vila
Do que eu ben queria,
Do amor.
Que fazen en casa
Do que eu muit’amava,
Do amor.
Do que eu ben queria,
Chamar-m’an garrida
Do amor.
Do que eu muit’amava,
Chamar-m’an jurada
Do amor.
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