Há muitos anos publiquei no Boletim Cultural Póvoa de Varzim um pequeno trabalho sobre um poeta que conheci de vista quando era adolescente. Chamava-se Matias Lima. Era um homem abastado, culto, que nasceu e viveu principalmente no Porto, mas que tinha antepassados próximos de uma terra vizinha da minha e sobretudo possuía uma bela residência nas redondezas. Nasceu em 1885 e faleceu em 1970.
No meu tempo de criança e mesmo adulto, eu não sabia nada da obra dele. Foi só quando já ensinava na Póvoa que coleccionei a sua obra, adquirida num alfarrabista do Porto. Ele tem um poema em que fala dos sinos que tocaram quando eu fui baptizado; vou lê-lo. Intitula-se “Tarde de Agosto” e data de 1944.
Domingo. O sol molesta,Incendeia o horizonte.Tocam sinos à festaEm S. Pedro do Monte.
Num ramo de giestaCanta um melro defronte.É poeta: manifestaO estro de Anacreonte.
Nos fios telefónicosAndorinhas baloiçam...Outras cruzam pelo ar.
E risonhos, harmónicos,Os sinos de há pouco – oiçam! –Repicam sem cessar.
S. Pedro do Monte é o nome antigo da minha terra; Anacreonte foi um poeta da Grécia clássica.
Matias Lima, como o P.e Meira Veloso de que já aqui falei, segue frequentemente uma poética de raiz parnasiana, objectivista, pouco lírica. É assim neste sonetilho.
No seu tempo, este poeta devia ser considerado um cidadão modelar. Não era uma pessoa muito criativa, soube agradar e teve êxito social e até cultural. Como autor de poesia, não conseguiu audiência significativa.
Falho de inspiração propriamente poética, a meu ver, muitas vezes versificou por sugestão da paisagem, sobre locais que visitava ou em que vivia. Vou ler o seu poema Recordando, que fala dos pescadores poveiros de outros tempos.
Matias Lima fala noutros poemas da Póvoa, mas o soneto que se segue recorda o Convento de Santa Clara de Vila do Conde em 1912, então convertido em prisão…Relembro as lindas tardes de poesiaPassadas docemente à beira-mar;Passadas na amorável companhiaDos bons poveiros, corações sem par.
A minha vida triste, ao sol sem manchas,Foi bela! O mar regia a sua orquestra.Com os poveiros encostados às lanchas,Eu me entretinha em fraternal palestra.
De quando em quando ouvia aos mais idososNarrações de trabalhos singulares:Inclemências, naufrágios pavorososQue levavam o luto a tantos lares!
Quanta vez comparava a sua lidaCom a dos Poetas! Uns, do mar profundoExtraindo alimento para a Vida...Outros, da alma febril, luz para o Mundo!
Uns, engolfados nesse mar fatal;Outros, por infortúnios perseguidos,Nautas da Dor no pélago do Ideal!Tanta vez soçobrados e vencidos!
***
É doce recordar, chorando e rindo,Momentos de ventura, passageiros.Ai, que saudades desse mar tão lindo!Ai, que saudades desses bons poveiros!
Com que saudade intensa e verdadeiraOlho para essas grades! Faz-me malPensar que ali passou a idealSilhouette de tanta linda freira!
Ao forte guizalhar duma liteira,Ai, quanta vez a porta principalDesse convento, abriu-se maternalA receber mais uma companheira!
Essas freirinhas já todas lá vão...No túmulo fizeram sua celaE esse convento se tornou prisão.
Vêem-se agora às grades da janelaOs presos a seguir com distracçãoO passo militar da sentinela!
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