domingo, 4 de dezembro de 2011

Matias Lima

Há muitos anos publiquei no Boletim Cultural Póvoa de Varzim um pequeno trabalho sobre um poeta que conheci de vista quando era adolescente. Chamava-se Matias Lima. Era um homem abastado, culto, que nasceu e viveu principalmente no Porto, mas que tinha antepassados próximos de uma terra vizinha da minha e sobretudo possuía uma bela residência nas redondezas. Nasceu em 1885 e faleceu em 1970.
No meu tempo de criança e mesmo adulto, eu não sabia nada da obra dele. Foi só quando já ensinava na Póvoa que coleccionei a sua obra, adquirida num alfarrabista do Porto. Ele tem um poema em que fala dos sinos que tocaram quando eu fui baptizado; vou lê-lo. Intitula-se “Tarde de Agosto” e data de 1944.
Domingo. O sol molesta,
Incendeia o horizonte.
Tocam sinos à festa
Em S. Pedro do Monte.

Num ramo de giesta
Canta um melro defronte.
É poeta: manifesta
O estro de Anacreonte.

Nos fios telefónicos
Andorinhas baloiçam...
Outras cruzam pelo ar.

E risonhos, harmónicos,
Os sinos de há pouco – oiçam! –
Repicam sem cessar.
S. Pedro do Monte é o nome antigo da minha terra; Anacreonte foi um poeta da Grécia clássica.
Matias Lima, como o P.e Meira Veloso de que já aqui falei, segue frequentemente uma poética de raiz parnasiana, objectivista, pouco lírica. É assim neste sonetilho.
No seu tempo, este poeta devia ser considerado um cidadão modelar. Não era uma pessoa muito criativa, soube agradar e teve êxito social e até cultural. Como autor de poesia, não conseguiu audiência significativa.
Falho de inspiração propriamente poética, a meu ver, muitas vezes versificou por sugestão da paisagem, sobre locais que visitava ou em que vivia. Vou ler o seu poema Recordando, que fala dos pescadores poveiros de outros tempos.
Relembro as lindas tardes de poesia
Passadas docemente à beira-mar;
Passadas na amorável companhia
Dos bons poveiros, corações sem par.

A minha vida triste, ao sol sem manchas,
Foi bela! O mar regia a sua orquestra.
Com os poveiros encostados às lanchas,
Eu me entretinha em fraternal palestra.

De quando em quando ouvia aos mais idosos
Narrações de trabalhos singulares:
Inclemências, naufrágios pavorosos
Que levavam o luto a tantos lares!

Quanta vez comparava a sua lida
Com a dos Poetas! Uns, do mar profundo
Extraindo alimento para a Vida...
Outros, da alma febril, luz para o Mundo!

Uns, engolfados nesse mar fatal;
Outros, por infortúnios perseguidos,
Nautas da Dor no pélago do Ideal!
Tanta vez soçobrados e vencidos!

***

É doce recordar, chorando e rindo,
Momentos de ventura, passageiros.
Ai, que saudades desse mar tão lindo!
Ai, que saudades desses bons poveiros!
Matias Lima fala noutros poemas da Póvoa, mas o soneto que se segue recorda o Convento de Santa Clara de Vila do Conde em 1912, então convertido em prisão…
Com que saudade intensa e verdadeira
Olho para essas grades! Faz-me mal
Pensar que ali passou a ideal
Silhouette de tanta linda freira!

Ao forte guizalhar duma liteira,
Ai, quanta vez a porta principal
Desse convento, abriu-se maternal
A receber mais uma companheira!

Essas freirinhas já todas lá vão...
No túmulo fizeram sua cela
E esse convento se tornou prisão.

Vêem-se agora às grades da janela
Os presos a seguir com distracção
O passo militar da sentinela!

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