quinta-feira, 30 de maio de 2013

Livros

Vou falar de livros, mas de livros a que já aqui aludi, excepto um.
Parece-me que ninguém ou quase ninguém o diz, mas a verdade é que o Google colocou em linha, isto é, na Internet, dois livros do notabilíssimo vila-condense contemporâneo de Camões o P.e Manuel Sá. Não colocou livros do José Régio nem do Antero de Quental, mas deste doutíssimo jesuíta, que foi professor particular de S. Francisco de Borja, que colaborou com S. Inácio de Loiola, que deixou três livros que foram uma referência universal durante séculos. Se isto não é importante, não sei o que é importante.
Outro livro a que também já me referi aqui são as Distracções Métricas do Visconde de Azevedo. Para o Google o digitalizar e colocar em linha, alguma importância deve ter.
Mas é sobre um quarto livro que hoje me hoje vou alongar, as Memórias para a História de um Cisma, de Mons. José Augusto Ferreira. Também está em linha, mas em texto, não como fotografia. E quem o colocou? A Universidade de Toronto, no Canadá.
Este livro foi escrito há quase cem anos, em Vila do Conde, por esse grande historiador que foi o autor de Vila do Conde e o seu Alfoz. Viviam-se então as tiranias da República e ele evoca as tiranias liberais. As revoluções republicana e liberal bebiam duma mesma fonte, a Revolução Francesa, não admira que padecessem dos mesmos extremismos.
A digitalização das Memórias para a História de um Cisma é bastante deficiente e o livro é grande, por isso não o li todo. Mas veja-se esta citação das páginas 502-3:
Na diocese de Braga, que abrange todo o Minho (até à criação da diocese de Viana) e parte de Trás-os-Montes (até à criação da diocese de Vila Real), foi onde o scisma alimentado pelas dissenções politicas tomou proporções pavorosas.
Os actos religiosos eram celebrados furtivamente pelas casas particulares; os fieis mais escrupulosos retiravam-se dos templos na occasião em que alguns sacerdotes elevavam a Hóstia sagrada á adoração publica; aos parochos de novo colados ou encommendados era-lhes negada a obediência, que tinha de ser imposta pelo poder civil; n'uma palavra, as coisas chegaram a tal ponto que as janellas d'algumas casas, quer nas cidades, quer nas aldeias, fechavam-se quando alguns sacerdotes novamente nomeados parochos conduziam o sagrado Viatico aos enfermos; finalmente os padres, que não obedeciam ao Vigário Capitular, recusavam assistir aos actos religiosos com os demais ecclesiasticos.
Repare-se nestas frases perfeitamente aplicáveis à resistência ao cisma que por cá se verificou:
“Os actos religiosos eram celebrados furtivamente pelas casas particulares”.
“Aos parochos de novo colados ou encommendados era-lhes negada a obediência, que tinha de ser imposta pelo poder civil”.
Isto está documentado para Terroso e Rates.
Os padres, que não obedeciam ao Vigário Capitular e que se recusavam a assistir aos actos religiosos com os demais eclesiásticos são sem dúvida os falperristas, tão procurados por cá e de que talvez tenha sido preso um, em Terroso, o egresso João Inácio.
Nova citação do Mons. José Augusto Ferreira, pág. 514:
O dr. Manoel Pires de Azevedo Loureiro era, pois, um Vigário Capitular sem missão nem successão legitima, e sem eleição canónica, portanto um intruso e scismatico (desde 1834).
(…)
No principio do anno de 1836 o dr. Loureiro, que era deputado, partiu para Lisboa, a fim de occupar o seu logar na Camara, e por isso delegou o governo da diocese em seu irmão Dr. António Pires d' Azevedo Loureiro, que desempenhava o cargo de Provisor.
Qualquer destes dois Loureiros, o Manuel e o António, fez por cá estragos. O António, em 1839, nomeou o pároco de Terroso para arcipreste. Mas fê-lo na condição de ele prestar juramento perante o administrador do concelho. Ora o administrador, na qualidade de regedor de Rates, fora, no anterior, condenado por crime de cisma, isto é, por resistir ao cisma. Quando lhe aparece o padre cismático a pedir que lhe fosse deferido o juramento, ele recusou na base de dois argumentos: a lei não o obrigava a deferir-lho e ele, pároco de Terroso, não tinha qualidades para o cargo de arcipreste. O administrador geral do Porto deu razão ao administrador da Póvoa.

Enfim, memórias de estragos e de sofrimentos.

sábado, 11 de maio de 2013

O Museu de Rates


Recentemente visitei o museu de Rates: foi para mim uma bela surpresa. Não me informei muito sobre as peças, relativamente poucas, que estão em exposição, o que talvez ainda tente fazer um dia. Mas o que não há dúvida é que nos mergulham num mundo muito antigo, não raro mais antigo que a própria igreja românica.
Não sei o que os entendidos dizem sobre uma rude estátua de bispo que lá se expõe, mas ela poderia ter originado a lenda de S. Pedro de Rates. Coisa muito antiga, primitiva e expressiva! Ninguém duvida de que se trata dum prelado. É claro que a lenda nem é muito antiga, pois pode vir só do século XVI, quando aquela estátua já tinha 500 anos!
Se a gente se espanta a olhar para a estátua do bispo, outro tanto acontece frente à estátua dum rei: espada ao alto, coroa na cabeça, uma veste em túnica a chegar aos pés. Como surgiu ali, que sentido lá faz?
Houve ali perto uma pousa real…
Na igreja é abundante a iconografia, o que era comum no tempo. Quem fez umas esculturas pode ter feito as outras.
Nas traseiras da igreja há aquela colecção de arcas funerárias. Devem remeter também para os primeiros tempos do mosteiro. Trabalho igualmente primitivo.
Há-as também em Rio Mau, mas menos.
No museu encanta-nos ainda uma estela romana, escultura lá para mil anos mais antiga que as estátuas do bispo e do rei. É uma peça alta, bastante trabalhada, que uma utilização posterior não terá mutilado muito. É sobretudo um eloquente testemunho do invasor romano e da sua requintada civilização.
Também muito antiga é a custódia paroquial local – não exposta no museu -, de quando já o mosteiro fora extinto. Mas é também um testemunho da religiosidade da comunidade ratense. Ali ao lado, em Balasar, há uma cruz processional do mesmo século.
No mesmo dia em que visitei o museu de Rates, fui de novo ver o intrigante marco que assinala o ponto de encontro das freguesias de Rates, Balasar e Arcos, a Pedra Negra de outros tempos. Chamaram-lhe assim em 1258, nas inquirições, mas devia ser designação milenar. Em 1542, quando o pároco balasarense mandou renovar o tombo, era a Pedra do Couto.
O facto de ter a face principal voltada para o lado de onde nasce o sol pode apenas ter a ver com a sua função original. Realmente, deve tratar-se de um menir e vir portanto do tempo das mamoas que existiram nos limites de Balasar com Macieira e com S. Marinha de Vicente, isto é, de cerca de 2000 antes de Cristo. A parte superior tem algum carácter antropomórfico.
A palavra menir tem em português como sinónimo a palavra pedrafita ou perafita. Ora, a nascente de Balasar, houve S. Veríssimo de Pedrafita.
Há razões para crer que a Pedra Negra teve um papel histórico notável, já em tempo dos romanos e depois ao tempo dos visigodos. Não era por acaso que o Arcediagado de Vermoim terminava em Guardinhas... era com certeza por causa da Pedra Negra. Isto está documentado cerca do ano 1090.
À partida, parece que o adjectivo negra, de Pedra Negra, pode ter origem em qualquer aspecto de religiosidade primitiva ou rito mágico. Não é de excluir porém que aponte para uma classificação geológica rudimentar: houve nas proximidades mais pedras negras e ainda hoje se conhecem seixos brancos. Estes são grandes pedregulhos brancos, dizem-nos que de quartzo. Conhecemos um de várias toneladas e outros menores.
Em 1258, ao delimitar o reguengo de Agistrim (Gestrins), depois de falar da Pedra Negra, faz-se menção também da Pedra Curveira. Esta ficava onde se encontram Balasar, Macieira de Rates e Negreiros. O mais provável é que estas pedras pré-existissem à criação das freguesias. Numa data que não deve estar longe de 1225, houve uma contenda entre os nobres que possuíam terras em Macieira e os homens do reguengo de Agistrim. Quando se reuniam para tentar entendimento, faziam-no junto à Pedra Curveira. A Pedra Negra, a Pedra Curveira, como certamente a Pedra Aguçadoura, donde vem o nome à freguesia que fica a norte de Aver-o-Mar, tinham naqueles tempos algum sortilégio, alguma magia que hoje se desconhece.