Vou falar de Leonardo Coimbra, um filósofo português das primeiras décadas do séc. XX, que viveu algum tempo na Póvoa.
Como é tema sobre que sei muito pouco, vou-me limitar a generalidades e citações. Mas justifica-se a abordagem.
Faz este ano 75 anos que ele morreu. Ele tinha nascido em Borba de Godim, na vila da Lixa, em 30 de Dezembro de 1883 e veio a falecer no Porto a 2 de Janeiro de 1936. Ensinou alguns anos no Liceu da Póvoa, o que está documentado na imprensa poveira e no arquivo desta escola. Além disso, datou o prefácio dum livro da Quinta de Balasar. Eu penso que, ao tempo da República, o dono dessa quinta, a chamada Quinta de D. Benta, era um decidido republicano, isto é, democrático – segundo abusivo sentido que então se dava à palavra. Era por conseguinte correligionário de Santos Graça, que foi quem trouxe Leonardo Coimbra para o Liceu.
Os 75 anos da morte de Leonardo Coimbra foram-me lembrados por um artigo saído em 8 de Junho no Diário do Minho, da autoria do Prof. Dr. José Gama. Recentemente também, o meu colega Antero Simões publicou um livro sobre este filósofo; foi estudado por vários autores no Boletim Cultural. Lembro ainda que a rua em frente ao liceu se chama Rua de Leonardo Coimbra.
Segundo o artigo de José Gama, pela profundidade e originalidade do seu pensamento, Leonardo Coimbra é considerado “como dos mais importantes, senão o mais importante entre os nossos pensadores do séc. XX”. A dada altura o autor delineia o plano do seu trabalho, o que dá alguma luz sobre os sentidos da obra do filósofo. Escreve ele:
“O pensamento filosófico de Leonardo Coimbra está bastante estudado, felizmente, em obras de grande profundidade, particularmente nos diversos trabalhos de investigação tematicamente orientados, para além dos inúmeros textos mais reduzidos de artigos e comunicações, nas mais variadas circunstâncias. Não pretendo aqui, de modo algum, fazer qualquer síntese científica, a partir desses estudos nem ter a pretensão de dar uma visão aproximada ou aproximativa da filosofia e do sistema criacionista do autor. Tendo presente a perspectiva do significado da actualidade do pensamento de Leonardo Coimbra procurarei comentar inicialmente a sua dimensão filosófica e artística, deixando para um segundo passo a sua dimensão especificamente portuguesa”.
Depois, o plano é naturalmente desenvolvido.
Ouçamos algumas palavras do prefácio escrito em Balasar, que se destinava à edição portuguesa, saída em Lisboa, no Porto e no Rio de Janeiro, do importante livro de Platão intitulado Fédon; o pensador concluía assim o seu arrazoado:
“Ler Platão é cantar, sorrir, vogar em Beleza!
Que a nossa mocidade o leia, há-de sentir o peito alteado de orgulho, a fisionomia animada e forte, expressão dum íntimo movimento harmonioso e contente, que é o próprio bulício das asas da Alegria dentro do coração desperto.
Teorias de efebos, cantando o eterno triunfo da Aurora…
Quinta de Balasar, 1-9-18”.
Nestas frases nota-se o pendor poético da escrita de Leonardo Coimbra, assinalado por José Gama. Um pensador assim pode ir muito longe, como o aludido Platão, mas não brilhará propriamente como sistematizador. Antero Simões transcreve passos de Leonardo Coimbra em que ele fala, com uma enorme admiração, do Patrão Lagoa e do Cego do Maio.
Leonardo Coimbra, que se tinha afastado do catolicismo, regressou depois a ele. Veja-se como uma vez falou da última Ceia de Jesus:
"Jesus é a Bondade. É, por isso, a dádiva pura e integral. Vai dar-se para dar a sua vida infinita às pobres almas dormentes. Mas antes, deseja ainda com um grande amor passar uma Páscoa com os seus. E, nessa Ceia, que Leonardo da Vinci encheu dum infinito azul dum Céu aberto, é todo enternecimento dadivoso para com as pobres almas, que, por momentos, irão tremer, vacilando às ventanias da Paixão.
Acabada a Ceia, tomando em seu peito, aberto em imensa chaga piedosa, todo o sofrimento humano, vai à herdade de Getsémani dar-se ao mais formidável Vendaval de Dor, que jamais acoitou um coração…”
Fico por aqui. Deixo ao menos lembrado um nome importante da cultura portuguesa cuja vida teve inolvidáveis momentos passados na Póvoa de Varzim.