D. João V, nascido em 22 de Outubro de 1689, faleceu em 31 de Julho de 1750; foi Rei de Portugal desde 1 de Janeiro de 1707: é uma figura controversa. A História chamou-lhe Magnânimo, isto é, generoso, mas muitos hoje transformam-no numa figura de farsa, burlesca.
Da sua magnanimidade aproveitou muita gente, especialmente a Igreja, que então eram quase todas as pessoas do país. Aqui nas redondezas contudo não sei bem identificar resultados significativos dessas benemerências. Talvez naquela belíssima igreja de S. Simão da Junqueira esteja dinheiro vindo deste rei. Na Matriz de Vila do Conde há seis retábulos de talha joanina, e joanina no caso refere-se a D. João V. Não que ele a pagasse necessariamente.
D. João V foi, ao menos em certo sentido, um homem de sorte. Os reis que o tinham precedido, desde D. João IV, tiveram de enfrentar as guerras da Restauração contra a Espanha, num contexto já de si de graves dificuldades financeiras. No tempo deste rei, essas guerras tinham terminado e começou a vir do Brasil ouro em quantias nunca vistas. Daí também a sua magnanimidade e o seu apoio à cultura.
Uma das nódoas que irremediavelmente macula a sua imagem foi a devassidão: ele deu-se aos amores mais inaceitáveis, a ponto de ter filhos duma freira e cortejar uma cigana.
Acusam-no de muito de perdulário, de gastador. Mas nisto já nem toda a gente é concorde. Historiadores muito conceituados discordam, dizendo, por exemplo, que D. João V precisava com urgência de melhorar a imagem exterior do país – que devia ser péssima – e que o fez com êxito. E é aqui que entra o caríssimo monumento artístico que é o Convento Mafra.
Os críticos hoje não regateiam elogios esta obra. E qualquer um de nós, se se der à contemplação daquela grandiosa fachada, das belíssimas imagens que adornam a frente da basílica, da magnífica galilé, do soberbo interior da mesma basílica, fica tomado de espanto. E há ainda a grandiosidade do conjunto, com os seus torreões, depois a belíssima biblioteca, etc.
O rei quis construir uma obra magnificente, que impusesse o país à consideração dos grandes da Europa, e conseguiu-o.
Muita gente sabe que existe um romance chamado Memorial do Convento e que esse convento é o de Mafra. Pagará a pena lê-lo para aprender a apreciar esta obra-prima do nosso barroco?
A resposta é não. No romance, achincalham-se o rei e a sua obra. Mas dum modo que atinge o rei na sua intimidade conjugal e familiar e portanto atinge a sua esposa, que era uma mulher muito culta e penso que irrepreensível, e atinge também a sua filha mais velha, D. Bárbara, que foi, além de muito culta, uma rainha de Espanha e esposa de sucesso.
Quem lê o romance nunca tem oportunidade de imaginar a fachada do convento, as imagens que a adornam, a galilé, a basílica, a biblioteca, etc. Mas tem oportunidade de ouvir as coisas mais humilhantes sobre D. João V, como se de relato verídico se tratasse.
D. João V construiu o convento em resultado duma promessa que fizera: já se passavam alguns anos desde que casara e não tinha filhos; então prometeu que, se obtivesse um herdeiro, ergueria em Mafra um convento para os frades arrábidos. E como teve não só uma menina, mas mais vários filhos a seguir, cumpriu com o que prometera.
A princípio, propôs-se construir uma pequena casa, para treze frades: era este o desejo dos arrábidos. Como mais adiante o rei ampliou o projecto, os frades, que eram de uma vivência conventual muito austera, dirigiram-se ao Cardeal fazendo-lhe ver que um amplo e majestoso convento ia contra os princípios da sua prática. Infelizmente, a queixa dos frades teve o seguimento mais errado, sendo-lhe respondido que o rei tinha direito a fazer obra tão grandiosa quanto desejasse.
Será que o Memorial do Convento regista este significativo pormenor histórico que tanto beneficia o nome dos arrábidos e que mostra um rei que ao fim e ao cabo não é logo assim tão gastador? Não. No romance, D. João V é o perdulário, a Igreja é constantemente objecto de humilhação.
Outro autor de esquerda que também dá uma imagem burlesca de D. João V é Bernardo Santareno, n’O Judeu.
Houve um filho do Magnânimo que foi arcebispo de Braga; chamou-se D. Gaspar. Manteve um estilo de vida principesco, mas foi homem moralmente aceitável.