Há um documento balasarense
contemporâneo da juventude de Luís de Camões e é dele que vou falar. Trata-se
do tombo desta freguesia, que remonta a 1542.
O pároco de então chamava-se Manuel
Gonçalves e, apesar de ter com certeza um rendimento invejável, queria fazer um
registo preciso das fontes da sua receita, e foi isso que o levou a promover a
elaboração do tombo.
O P.e Manuel Gonçalves deve constituir
uma das manchas mais negras da longa lista dos párocos de Balasar, onde houve sacerdotes
tão dignos como o P.e Leopoldino ou o depois arcipreste António Martins de Faria.
Este abade, como então se dizia, teve ao
menos uma filha, Margarida Álvares, que está na origem da Quinta de D. Benta. E
como conseguiu o pai as terras da nova quinta? Desanexando-as do Casal da Igreja.
Isso não prejudicaria muito o rendimento dos párocos posteriores: as rendas que
vinham dum caseiro passavam a vir de dois. E em breve a criação da Comenda de
Balasar iria canalizá-las para os comendadores.
A década de 40 do séc. XVI é muito importante
na história da Igreja pois foi então que ganhou força o movimento para a
expurgar dos muitos abusos que se tinha tornado comuns. Este pároco é exemplo
desses abusos, não da extirpação deles…
Em 1542, o arcebispo de Braga era um
filho bastardo do Rei e tinha 22 anos de idade…
Não imagino por que artes, o abade de
Balasar era então também abade não só de Gresufes, mas ainda de Gondifelos e de
S. Marinha de Vicente. Mas devia sê-lo só para receber as rendas já que para as
actividades propriamente paroquiais essas freguesias tinham um sacerdote.
Sendo assim, o Tombo de Balasar de 1542
é também o tombo de Gondifelos, mas isso a mim não me interessa pois só me
ocupo com Balasar.
Na altura de se constituírem as
paróquias, os nobres do tempo hão-de ter tido o cuidado de dotarem os párocos
de rendimentos que lhes permitissem viver sem dificuldades de maior: as pessoas
comuns seriam tão pobres que pouco poderiam contribuir para o seu sustento.
O Casal da Igreja de Balasar, que teria
com certeza essa origem, era constituído por muitas propriedades, mas era só
ele a pagar rendas ao pároco, os outros pagavam apenas o dízimo. Mas não era
assim em Gresufes: aí, além do Casal da Igreja propriamente dito, de Gresufes,
mais três casais pagavam tais rendas, o de Vila Pouca, o de Além e ainda um
terceiro de fora da freguesia, o Casal de Crujes, em Santa Marinha de Vicente.
Era muita renda! E tudo agora vinha para o abade Manuel Gonçalves.
Para minha surpresa, em 1542, a Igreja
de Balasar parece que já estava no Matinho. Aparentemente, o conjunto principal
das propriedades da paróquia nunca estivera nem no Lousadelo nem no Casal, onde
se haviam construído as igrejas anteriores, mas ali no Matinho. Isso teria
facilitado a construção da nova igreja, que precisava de ficar próxima de
Gresufes.
Um aspecto interessante do Tombo de Balasar
de 1542 é o registo dos limites da freguesia. É muito diferente dos dois tombos
da Comenda: começa no sítio certo, na delimitação de Balasar com Gondifelos.
Fora ali que noutros tempos a freguesia mais estreitamente contactara com o
exterior. Depois passa a S. Marinha de Vicente, hoje Gondifelos, a S. Veríssimo
de Pedrafita, hoje lugar de Cavalões, a Vilarinho, Fradelos, S. Martinho do
Outeiro, Bagunte, Arcos, Rates, Macieira e finalmente Negreiros. Balasar é uma
freguesia muito grande.
Esta delimitação identifica dois
monumentos megalíticos, duas mamoas: uma nos limites de Balasar com S. Marinha
de Vicente, próxima portanto do Castro de Penices, e outra que ficava próxima
do ponto onde se encontram Balasar, Rates e Macieira.
Veja-se como era constituída parte
habitada do Casal da Igreja de Santa Ovaya
de Balasar:
“Primeiramente, uma casa sobradada, que
tem uma sala e duas câmaras (quartos)
e uma cozinha, todas telhadas. Outra casa telhada que serve de câmara. Pegado
com o cabido (alpendre) da dita
igreja, quatro casas térreas telhadas e uma delas colmaça (casas telhadas deveriam ser a residência e celeiros do pároco, a
colmaça podia ser estábulo).
Uma casa colmaça (coberta a colmo) em que vive o caseiro.
Um eido com duas cortes. Mais duas cortes de gado colmaças. Um pombal pegado
com as casas. Um tapado que levará um quarto de semeadura, que serve de
colmeias. Uma eira pegada com o adro e abaixo da eira um cortelho tapado sobre
si que levará de semeadura um alqueire e meio”.
Camões também terá vivido numa casa
colmaça? Com certeza não, em Lisboa vivia-se melhor.